Política

Ajudante de ordens presidencial seria o elo de uma ‘conexão Miami’?

O pai de Mauro Cid é um general amigo de Bolsonaro que chefia a Apex em Miami, reduto do conservadorismo militante nos EUA

Foto: Reprodução/Redes Sociais
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A quebra do sigilo bancário de um dos ajudantes de ordens da Presidência, o tenente-coronel do Exército Mauro Cesar Barbosa Cid, enfureceu Jair Bolsonaro. O material de posse da Polícia Federal (PF) tem pistas de que Cid pagou despesas pessoais do clã presidencial, como o plano de saúde de uma tia da primeira-dama, Michelle. O papel dele pode ir além das finanças do clã, no entanto. Seria ele uma peça em uma engrenagem de financiamento da extrema-direita brasileira a partir de Miami, um dos redutos de ultraconservadores nos Estados Unidos?

O ajudante de ordens, um faz-tudo do presidente, é filho de um general amigo de Bolsonaro, Mauro Cesar Lourena Cid. Logo no início do governo, o capitão escalou o general para chefiar o escritório de Miami da Apex, a agência de promoção de exportações. Nos órgãos de inteligência do governo, há quem suspeite de que o pai mandaria ao Brasil, através do filho, grana de grupos radicais americanos para financiar a militância bolsonarista.

Um dos senadores do estado é um linha-dura militante contra Cuba e Venezuela, Marco Rubio. Nos tempos de Donald Trump, Rubio tinha forte influência na política externa dos EUA para a América Latina. 

Eduardo Bolsonaro, o filho do presidente a quem cabe articular as relações internacionais do pai, já esteve com Rubio. Em março de 2020, foi a Miami, postou no Twitter uma foto ao lado do senador e escreveu: “Ele dá o tom quando o assunto é Cuba, Venezuela e América Latina dentro do Congresso dos EUA”.

O governador da Flórida, Ron DeSantis, quer ser uma opção do Partido Republicano a Trump na eleição de 2024. Tem feito uma gestão para fundamentalista nenhum botar defeito. Um exemplo: baixou uma lei conhecida como “Não diga gay”.

Miami abriga uma numerosa comunidade brasileira, cerca de 40 mil votantes. Na eleição de 2018, o capitão teve 90% dos votos na cidade. Uns meses antes da disputa, tinha estado lá e batido continência para a bandeira dos EUA, ao som do hino americano.

O tenente-coronel Cid, conhecido entre colegas de farda como “Cidinho” por causa do pai, tem um irmão que mora nos Estados Unidos. É Daniel, chefe de engenharia de software e de produtos em duas empresas. Em 4 de agosto de 2021, Cid ligou para o irmão e pediu que ele colocasse uns documentos em um servidor. Daniel pôs no “brasileiros.social”, criado por ele nos EUA para abastecer postagens em uma rede social similar ao Twitter, o Mastodon.

A papelada era sigilosa, uma investigação da PF sobre um ataque hacker aos sistemas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018, ano da última eleição presidencial. A divulgação tinha sido uma ordem de Bolsonaro. Naquele 4 de agosto, o capitão havia feito uma live para lançar dúvidas sobre a segurança das urnas eletrônicas e tinha se valido da documentação sigilosa.

O TSE pediu um inquérito policial sobre o vazamento da papelada. O inquérito corre no Supremo Tribunal Federal, aos cuidados do ministro Alexandre de Moraes. Foi dentro dele que Moraes quebrou, a pedido da PF, o sigilo das comunicações (emails, mensagens de celular etc) de Cid. E foi com base no que descobriu nessas comunicações, que a PF requereu ao STF o sigilo bancário do militar.

Um juiz auxiliar de Moraes, Airton Vieira, é um dos que acham que o ajudante de ordens merece uma lupa justamente para que se saiba se é peça de uma engrenagem que financiaria ações ilegais da extrema-direita brasileira. 

Em agosto, Moraes quebrou o sigilo comunicacional e bancário de oito empresários que em um grupo de WhatsApp haviam conversado sobre “golpe”, em caso de vitória de Lula na eleição. Autorizou também uma batida policial contra os alvos, entre eles Luciano Hang, das lojas Havan, e Meyer  Nigri, da empreiteira Tecnisa. 

Ao autorizar a operação da PF, levou em conta análises feitas por Vieira sobre inquéritos diferentes que esbarram em personagens iguais. Além de Hang, vê-também nesses inquéritos Allan dos Santos, blogueiro direitista foragido da Justiça. A PF já tinha descoberto mensagens do blogueiro para o o tenente-coronel Cid nas quais Santos fala em “necessidade urgente de intervenção militar”.

Quando Moraes tornou pública sua decisão sobre os oito empresários, divulgou também a análise feita por Vieira. Nesse documento, o juiz auxiliar dá a entender que Cid poderia ser um elo entre o “núcleo financeiro” das milícias digitais e da organização criminosa de carne e osso que sabota a democracia.

Segundo Vieira, as informações obtidas com a quebra do sigilo bancário dos oito empresários poderiam ser cruzadas com as informações dos sigilos comunicacionais do ajudante de ordens de Bolsonaro.

Quando a análise foi divulgada, em 29 de agosto, não se sabia da quebra do sigilo bancário do tenente-coronel. Após a Folha noticiar a quebra, em 26 de setembro, Moraes mandou apurar quem teria vazado a informação. Pediu explicações ao delegado da PF Fábio Alvarez Shor, um dos cabeças das investigações sobre milícias digitais e sabotagem da democracia.

Ao espernear contra a quebra do sigilo bancário do auxiliar, Bolsonaro disse que Moraes “ultrapassou todos os limites”. E que a equipe da PF que participar das investigações aos cuidados do ministro “come na mão” dele.

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