Política
Ainda há tempo para a campanha do PT?
A vitória de uma candidatura fascistoide mergulhará o Brasil no abismo em que se encontra e será mais trágica para os que vivem hoje e para a história


Há várias formas de construir derrotas na atividade política, mas algumas se destacam: a perda de senso de realidade, a ingenuidade e a falta de estratégia são algumas delas. O PT e vários analistas que vendem ilusões vêm incorrendo em várias dessas formas ao mesmo tempo. Se foi correta a tática de manter a candidatura Lula até o limite, foi errada a não definição do vice ainda em maio ou junho para que ele pudesse se construir como uma personalidade política própria.
A ilusão era de que Haddad seria depositário de balaiadas de votos vindos de Lula. Toda a transferência de voto tem limites. Além do mais, o eleitor avalia se o depositário da transferência corresponde à sua expectativa. Haddad ainda é desconhecido para muitos eleitores de Lula.
Ademais, se foi certo dar uma forte ênfase a Lula no início da campanha, foi errado no momento seguinte em não enfatizar as capacidades e virtudes de Haddad e Manuela. É preciso entender que o eleitor pensa e sabe que Haddad não é Lula e que Lula não está concorrendo às eleições.
Definido Haddad como candidato, era previsível que haveria alguns saltos na intenção de votos no início como, de fato, aconteceram.
Neste ponto começou o delírio. Alguns previram que Haddad suplantaria Bolsonaro no primeiro turno. Os mais delirantes chegaram a projetar uma vitória ainda no primeiro turno. O triunfalismo cegou a campanha petista: era perceptível que a campanha de Haddad estava sofrendo fortes ataques, especialmente de Alckmin.
Leia também: Bolsonaro x Haddad: faz sentido falar em eleição dos extremos?
Estes ataques geram o medo de que uma vitória do PT proporcionaria a volta da corrupção. Não houve uma resposta aos ataques de Alckmin e, agora, as pesquisas mostram a alta rejeição e o estancamento do crescimento nas intenções de voto, fruto desses ataques. Esperar que Alckmin tivesse piedade e não atacasse o PT para evitar o fascismo mostra o quanto a campanha é ingênua. É a mesma ingenuidade que proporcionou as avaliações de que o impeachment-golpe contra a Dilma não seria aprovado pela Câmara dos Deputados.
O PT tem e terá grave dificuldade para enfrentar o problema dos ataques em torno do tema da corrupção. O partido age como se o problema não existisse. O PT teve inúmeras oportunidades para reconhecer que o problema existe, que cometeu erros e, por isso, pedia desculpas a sociedade. Se tivesse feito isto, bastaria dizer que o partido reconheceu seus erros e que pediu desculpas e que a página estava virada. Agora não dá para fazer autocrítica no meio da campanha. É um leite derramado que provoca prejuízos sucessivos.
Outro grave erro do PT, e esse vem desde antes da campanha, consiste na subestimação do Bolsonaro. Ora, todos sabem que a campanha de Bolsonaro está assentada nas redes sociais e que, nelas, houve a construção da personalidade política de Bolsonaro como um “mito” e que esta construção gerou devotos que não se abalam por nenhuma consideração racional.
A extrema-direita vinha usando esses expedientes em várias campanhas em outros países. Essas campanhas se especializaram em transformar a verdade em mentira e as mentiras em verdades. Isto faz parte de um conceito de guerra política e de que as campanhas precisam usar táticas de guerra. É o que a campanha de Bolsonaro vem fazendo diariamente sobre vários temas.
O PT não preparou uma contra-estratégia para enfrentar essa estratégia e nem preparou uma estratégia para agir de forma ampla nas redes sociais. Os militantes do PT nas redes sociais não agem a partir de conteúdos orientados centralmente, mas, disparam, de forma dispersa, em todas as direções. Isto não é eficaz.
Alguns chegam a ficar espantados e incrédulos que Bolsonaro, até anteontem hospitalizado, sem campanha de TV, sem campanha de rua, sem estrutura partidária, tenha alcançado 31 ou 32 pontos. Aqui é preciso atentar para duas coisas: a eficácia da campanha nas redes sociais já mencionada e, a entrada em peso das igrejas evangélicas e neopentecostais na campanha dele. O jogo está sendo pesado. Até alguns pastores considerados progressistas aderiram ao candidato da extrema-direita. Outros pastores que o atacam estão sendo ameaçados de expulsão das igrejas.
Estas duas coisas se somam e explicam o crescimento de Bolsonaro em todos os setores, até mesmo entre os pobres e na periferia e entre os jovens e mulheres, pela seguinte circunstância: muitas pessoas – jovens, pobres e evangélicos – não vêem televisão, mas todos estão conectados nas redes sociais, principalmente em grupos de Whatsapp e Instagran, ambientes dominados pelos bolsominions.
Já os evangélicos são centralizados pelos pastores que estão despejando uma quantidade enorme de vídeos de ataques ao PT e de defesa de Bolsonaro nas redes. O PT, como em outras eleições, pouco tem contato com as periferias – não tem redes que passam por dentro das periferias.
O tempo é curto para remontar uma estratégia falha no contexto da própria luta. Mas os pontos a serem enfrentados estão aí: centralizar a campanha nas competências e virtudes de Haddad e Manuela; encontrar uma fórmula eficaz de defender-se dos ataques e de enfrentar o problema da corrupção; remediar a campanha nas redes e produzir conteúdos mais orientados para a militância reproduzir e agir; criar um mote forte de campanha que até agora não existe; encontrar uma fórmula eficaz de atacar a estratégia de guerra política assentada na transformação da verdade em mentira e das mentiras em verdades; trabalhar para construir uma ampla frente democrática em defesa da democracia e contra o fascismo no segundo turno; e, por fim, fazer uma campanha quente, de mobilização, de rua, de atos, mostrando força, pois o risco de uma derrota é grande.
Uma vitória de uma candidatura fascistoide mergulhará o Brasil ainda mais no abismo em que se encontra e será ainda mais trágica para os que vivem hoje e para a história.
*é professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP)
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.