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Ainda em lua de mel

Em março, 53% dos nordestinos consideravam o governo ótimo ou bom, 12% a mais que a média nacional. Pudera, a região voltou a ser priorizada

A região é a mais confiante em relação ao futuro, e também a que mais se beneficiou das medidas anunciadas – Imagem: Ricardo Stuckert
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“Quero muito agradecer ao Nordeste por ter nos livrado do fascismo. O Nordeste foi incrível, bora para a democracia!”, afirmou Matheus Nachtergaele, antes de entrar na Marquês de Sapucaí para o desfile da Imperatriz Leopoldinense, grande campeã do carnaval carioca deste ano, cujo tema foi a história de Lampião. O ator e diretor referia-se aos 69,34% dos votos da região conferidos ao presidente Lula em 2022, os quais foram decisivos para derrotar Jair Bolsonaro. Esse mesmo agradecimento ele havia feito in loco ao público recifense que prestigiava a peça Molière, espetáculo que o ator levou à capital pernambucana em janeiro passado. Segundo maior colégio eleitoral do Brasil e com histórico político mais progressista que outras localidades, a região é a mais empobrecida do País, motivo pelo qual tem sido a mais contemplada pelo governo nos primeiros cem dias.

Fiel da balança nas urnas, o Nordeste continua a ser o mais otimista em relação ao terceiro mandato de Lula, conforme pesquisa Ipec de 19 de março, a confirmar que 53% dos nordestinos classificam este começo de gestão como ótimo ou bom, 12% a mais que a média nacional. O entusiasmo pode estar relacionado aos programas sociais recriados nos primeiros três meses do ano, como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida e o Programa de Aquisição de Alimentos. Desde que tomou posse, em 1º de janeiro, Lula visitou pelo menos quatro estados nordestinos e prometeu voltar à região para percorrer os demais. Em fevereiro, na Bahia, o presidente entregou mais de 600 imóveis do Minha Casa Minha Vida. De Salvador seguiu para Aracaju, onde pegou um helicóptero para conferir as obras da duplicação da BR 101, em Maruim, Sergipe. Em março, além de relançar o PPA em Pernambuco, esteve na Paraíba, para inaugurar um complexo de energia solar e eólica.

O entusiasmo tem relação com os programas sociais recriados nos três primeiros meses

“Os cem primeiros dias são, geralmente, de lua de mel. Isso aconteceu no Lula um e Lula dois, mas no Lula três as cobranças são maiores. Foram cem dias muito turbulentos. Ele chegou com muita expectativa, com muita demanda, mas com pouco espaço para fazer aquilo que se esperava que fosse feito rapidamente”, avalia a cientista política Luciana Santana, professora da Universidade Federal de Alagoas. Com uma base de sustentação pequena no Congresso para aprovar medidas mais robustas, o presidente optou por revogar retrocessos de Bolsonaro, incluindo 83 decretos presidenciais, e recriar os programas sociais desfigurados pela gestão bolsonarista. “Uma aposta do governo, que tem beneficiado muito o Nordeste, é reativar programas que foram muito exitosos nas gestões anteriores do próprio Lula.”

Sérgio Rezende, diretor científico do Consórcio Nordeste, cita as áreas de Educação, Saúde e Desenvolvimento Social como as de maior relevância nestes primeiros cem dias de Lula, com grande importância para o Nordeste. “A ampliação da vacinação contra Covid, gripe e doenças infantis contribui para a melhora da saúde da população. O aumento do valor e da abrangência do Bolsa Família é particularmente importante para o Nordeste. Nas áreas de Educação e Ciência, os aumentos consideráveis nos valores das bolsas de estudo e nos orçamentos para pesquisa científica vão contribuir significativamente para o desenvolvimento da região”, aposta.

Wellington Dias está à frente do carro-chefe da gestão petista, o relançado programa Bolsa Família – Imagem: Roberta Aline/MDS

“O Nordeste é uma região bastante impactada pela pobreza, colocando os nordestinos em situação de vulnerabilidade social. Então, essas medidas para construir políticas públicas de mais longo alcance terão realmente um impacto bem positivo”, completa Vitor Sandes, cientista político da Universidade Federal do Piauí. “É claro que a gente não pode esperar grandes resultados em apenas cem dias. A retomada dos programas sociais são, porém, um verdadeiro alento para a maior parte dos trabalhadores do Nordeste, os quais, infelizmente, são dependentes em grande grau desse auxílio do governo”, pondera José Artigas, cientista político e professor da UFPB.

Sandes chama atenção para a retomada do diálogo do governo federal com os governadores nordestinos, depois de quatro anos de uma difícil relação com Jair Bolsonaro, que nunca escondeu o desprezo pela região. “O Nordeste esteve distante das prioridades do governo Bolsonaro. Não por acaso, a região recompensou Lula com uma votação extremamente expressiva.” A retomada do diálogo com os gestores estaduais foi ressaltada também pela governadora de Pernambuco, a tucana Raquel Lyra. “O presidente tem reforçado o Pacto Federativo, mantendo a interlocução com os governos estaduais, a exemplo das recentes reuniões dos governadores ocorridas em Brasília, como o próprio Fórum dos Governadores do Nordeste.” Paulo Dantas, governador de Alagoas, acrescenta: “O governo Lula abriu um diálogo com os governadores que não existia há quatro anos”.

Prefeita do município de Serra Talhada, no Sertão pernambucano, a presidente da Associação Municipalista de Pernambuco, Márcia Conrado, do PT, elogia a interlocução que o governo federal vem imprimindo com prefeitos da região. “O diálogo com as gestões municipais teve uma grande mudança, o que mostra o compromisso de Lula com as questões que mais afligem o povo brasileiro. Sabemos que é no município onde as políticas públicas são executadas, é lá onde as coisas acontecem e onde podemos melhor entender a necessidade do povo. O presidente sabe disso.”

No Ceará, a prefeita do município de Quiterianópolis, Priscila Barreto, do PSD, comemora a retomada dos programas sociais e de obras paralisadas. “Agora, o Nordeste consegue ter uma expectativa melhor.” O petista Tonho de Anízio, prefeito de Itacaré, no Sul da Bahia, vibra com o incremento de quase 200 mil reais de repasse do governo federal para o município. “Saímos de 363 mil reais para 532 mil. Estávamos numa situação crítica, o próprio município tendo de pagar a folha. Agora vai dar para suprir essa despesa. Precisamos reconstruir este país com todas as mãos: vereadores, prefeitos, governadores, deputados, senadores, ministros e o presidente da República.”

O potencial local de geração de energia limpa desperta o interesse dos chineses – Imagem: Ricardo Stuckert/PR

A retomada do diálogo com o governo federal também é apontada como central para o governador do Ceará, Elmano de Freias, do PT. “Um dos primeiros atos de Lula foi convocar todos os governadores, para ouvir as prioridades de cada estado. Ato simples de ouvir, tantas vezes esquecido pela gestão anterior.” Em viagem à China para apresentar as potencialidades da Bahia, o governador petista Jerônimo Rodrigues destacou o papel que Lula desenvolve no cenário internacional e a retomada de parcerias comerciais com outros países. “Em menos de três meses, o Brasil volta a ter uma participação no cenário internacional e este é um aspecto importante para nós, porque Lula passa confiança a quem vai investir de fora do País”, ressalta, lembrando que a Bahia se destaca na produção de energia renovável eólica e solar. “Não tínhamos linhas de transmissão para o mercado produtor de energia para abastecer e exportar do nosso estado para o País inteiro. Agora, tem leilão aberto para que as empresas possam concorrer e construir essas linhas de transmissão”, diz. “Uma das questões que estão colocadas nos bastidores é exatamente a relação do Nordeste com países estrangeiros, sobretudo com a China”, completa o cientista político e professor Cláudio André de Souza, da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab).

O Nordeste está presente ainda em cargos importantes no governo Lula, que convidou cinco ex-governadores para assumir ministérios, além de outros nomes da região. Do Maranhão, Flávio Dino assumiu o Ministério da Justiça. Coube a Wellington Dias, do Piauí, conduzir o carro-chefe do governo Lula, o Bolsa Família, no Ministério de Desenvolvimento Social. Camilo Santana, do Ceará, é o comandante da Educação, e Rui Costa, da Bahia, é o todo-poderoso da Casa Civil. Renan Filho, de Alagoas, assumiu a pasta dos Transportes.

Ex-governadores de cinco estados tornaram-se ministros de Lula. “O presidente tem reforçado o Pacto Federativo”, celebra a tucana Raquel Lyra

“A presença de Camilo Santana na Educação sugere que o governo dará maior importância ao ensino básico e à avaliação da educação, numa tentativa de assimilar as contribuições do Ceará para a matéria. Flávio Dino, na Justiça, já era relevante e ganhou destaque ainda maior após os atos golpistas do 8 de janeiro. A presença de Wellington Dias no Ministério do Desenvolvimento Social, com reajuste do Bolsa Família e a revisão cadastral, terá grandes impactos para o Nordeste. A Casa Civil, uma das principais pastas do governo, fortalece a Bahia”, pontua o cientista político Anderson Santos, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Ele ressalta ainda que o reajuste do salário mínimo eleva as pensões e aposentadorias, com impactos positivos para a economia nordestina.

Da mesma forma, são filhos do Nordeste o novo presidente do BNB, o ex-governador de Pernambuco, Paulo Câmara, e o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, senador pelo Rio Grande do Norte. E ainda tem o pernambucano André de Paula como ministro da Pesca e Aquicultura, na cota do PSD, e o maranhense Juscelino Filho, do União Brasil, ministro das Comunicações. O democrata é, porém, um dos calos do governo Lula. Em pouco tempo, Juscelino foi acusado, dentre outras denúncias, de utilizar diárias e o avião da FAB em viagens particulares. •

Publicado na edição n° 1254 de CartaCapital, em 12 de abril de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Ainda em lua de mel’

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