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Agressores de jornalistas em visita de Bolsonaro a Roma podem ser presos

A pena máxima estabelecida pelo Código Penal italiano para o crime de Violência Privada é de quatro anos de detenção

O presidente Jair Bolsonaro, durante visita à Itália. Foto: Federico Scoppa/AFP
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Os agentes de segurança que agrediram os jornalistas brasileiros no domingo 31 em Roma, durante a cobertura da viagem do presidente Jair Bolsonaro à Itália, poderão ser punidos com até quatro anos de detenção. Esta é a pena máxima estabelecida pelo Código Penal italiano para o crime de Violência Privada. No artigo 610 está escrito: “Qualquer pessoa que, por violência ou ameaça, força os outros a fazer, tolerar ou omitir qualquer coisa é punido com a detenção de até quatro anos”.

No entanto, a justiça italiana requer seu tempo. A partir da denúncia dos jornalistas agredidos vai começar a fase de investigação para que, eventualmente depois, seja aberto um processo.

RFI consultou o advogado Arturo Salerni, especializado na defesa dos direitos humanos em jurisdições da Itália e perante o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Ele também é defensor de parte civil em processos relativos a violações de direitos humanos ocorridas em países latino-americanos. Atualmente, defende familiares de cidadãos italianos desaparecidos na América do Sul, na chamada “Operação Condor”, no processo pendente no Tribunal de Roma.

“Embora os jornalistas agredidos não sofreram lesões físicas como ferimentos ou hematomas, eles teriam sofrido ameaça e violência privada, crime que na Itália é punido com a prisão” explica o advogado.

O presidente da República, Jair Bolsonaro. Foto: Isac Nóbrega/Brazilian Presidency/AFP

As agressões

No fim da tarde de domingo 31, em Roma, terceiro dia de viagem do presidente à Itália, jornalistas brasileiros cobriam a saída de Jair Bolsonaro da embaixada do Brasil, onde estava hospedado. O mandatário estava com a escolta e um cortejo de apoiadores. Os jornalistas tentaram se aproximar de Bolsonaro para lhe fazer perguntas e foram afastados com brutalidade por agentes da sua escolta.

Leonardo Monteiro, da TV Globo, levou um soco no estômago depois de perguntar ao presidente o motivo dele não ter comparecido aos eventos do G20 na manhã do domingo.

Jamil Chade, do UOL, começou a filmar a violência contra os colegas. Foi então que um segurança o empurrou, agarrou seu braço para torcê-lo e levou seu celular. Logo depois, jogou o aparelho na rua. O vídeo mostra a agressão e termina com a imagem congelada apontando para o céu, com o celular no chão.

A jornalista Ana Estela de Sousa Pinto, da Folha de S. Paulo, também foi empurrada por um segurança.

No sábado, 1° de novembro, em torno da 1h (21h em Brasília), Ana Estela e Jamil prestaram queixa na delegacia, precisamente na Legione Carabinieri Lazio – Comando Roma Piazza Venezia – Nucleo Operativo. O jornalista Leonardo Monteiro, da Globo, registrou a denúncia no dia 3 de novembro, na mesma delegacia.

“Embora foram registradas em dias diferentes, as denúncias dos jornalistas brasileiros provavelmente serão reunidas em um único dossiê porque se trata de episódios concomitantes e ligados” explicou Salerni.

Procedimento na Itália

O Comando dei Carabinieri enviará em breve os boletins de ocorrência à Procuradoria da República. Em seguida, a Procuradoria da República deverá despachar as denúncias ao Ministério Público, esta fase poderia requerer alguns dias a mais porque existe uma centena de procuradores de justiça em Roma. Depois, o procurador – que na Itália também é chamado de Ministério Público (MP) – vai inserir as informações do B.O. no sistema para que os defensores dos querelantes – neste caso os jornalistas brasileiros – possam consultá-las.

Após apurar as informações sobre as denúncias dos jornalistas (incluindo fotos, vídeos e etc.), o procurador decidirá se vai prosseguir as investigações ou pedir para arquivar os atos. Caso decida pelo pedido de arquivamento, o MP deverá notificar os autores da ação, através de seus defensores.

Salerni ressalta que, para evitar problemas posteriores, é importante que a pessoa que entra com a ação peça formalmente para ser informada sobre o eventual pedido de arquivamento feito pelo MP.  “Ela pode se opor ao pedido de arquivamento e apresentar novas provas. Quem decide é o Juiz de Investigações Preliminares e não o Ministério Público. Por outro lado, o procurador também pode pedir mais tempo para aprofundar as investigações, ou considerar que já tem elementos suficientes para pedir a abertura de um processo” esclarece o advogado.

Caso o procurador considere que já tem bastante material para encerrar as investigações e solicitar a abertura do julgamento, ele deverá comunicar à cada pessoa investigada, ou seja, querelada. Assim, o acusado poderá rever o dossiê, prestar depoimento e fornecer elementos ao seu favor.

Concluída a primeira fase dos inquéritos, cabe ao Juiz de Audiências Preliminares acolher ou não o pedido para a abertura do processo.

O presidente Jair Bolsonaro posa com líderes para foto na Itália. Foto: Filippo Monteforte/AFP

Os agressores

Ainda não foi informado se os homens da escolta presidencial que agrediram os jornalistas são guarda-costas de Jair Bolsonaro, vigilantes particulares, carabineiros ou policiais à paisana. Também não foi revelada a nacionalidade dos agressores.

Segundo Salerni, a nacionalidade dos agressores não altera o curso das investigações, ou de um eventual processo, porque os crimes foram cometidos na Itália. A justiça italiana admite o processo a revelia, ou seja, sem a presença do réu no julgamento. Mesmo ausente, o réu mantém o direito de nomear um advogado ou contar com a defensoria pública.

“A Polícia Judiciária, guiada pelo Ministério Público, deverá indagar e identificar quem são os homens da escolta de Bolsonaro que cometeram as agressões aos jornalistas. Mas ainda é cedo para saber, porque os atos estão cobertos pelo sigilo investigativo”, acrescenta Salerni. O sigilo só termina quando o MP pede o arquivamento dos atos ou a abertura do processo.

Sobre a duração deste procedimento, Salerni garante: “Se tudo correr bem, a abertura de um eventual processo seria daqui a aproximadamente um ano e meio. Isso se não houver problemas burocráticos”.

Toffoli pede esclarecimentos

Na última sexta-feira 5, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, despachou em pedido da Rede Sustentabilidade sobre agressões de Jair Bolsonaro e de apoiadores dele a jornalistas. O presidente tem dez dias para se manifestar sobre as acusações de cerceamento à liberdade de imprensa.

Bolsonaro nega agressões 

Na segunda-feira 8, Bolsonaro decidiu comentar as agressões que jornalistas sofreram em Roma. Ele negou que os profissionais da imprensa tenham sofrido ataques de agentes que faziam sua segurança, durante um passeio da comitiva.

Em entrevista à Jovem Pan News, o mandatário brasileiro acusou ainda a imprensa de tentar responsabilizá-lo pelo episódio. O comentário dele veio quando foi questionado sobre decisão do ministro Dias Toffoli.

“Depois fiquei sabendo de um atrito que houve — não agressão, não houve soco, pancada, nada —, foi com os carabineiros italianos; que eles, juntamente com o GSI [Gabinete de Segurança Institucional], que faz a minha segurança em qualquer lugar do mundo, tiveram um entrevero… [com] pessoal da Folha, UOL e Globo”, disse o presidente.

“Porque eles começaram a me agredir, mesmo lá de trás, falando coisas absurdas. E quando um tentou se aproximar de mim foi barrado pelos carabineiros, pela polícia italiana. Nada além disso. Não vi acontecer nada a não ser uma gritaria lá. Agora querer me responsabilizar por causa disso é uma falta de responsabilidade por parte desses três órgãos de imprensa”.

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