Política

Agenda ambiental de Biden deve aumentar importância geopolítica da América do Sul

Zerar emissões de carbono deve impulsionar interesse nas reservas de lítio da Argentina, Bolívia e Chile, e em energias renováveis do Brasil

Créditos: Jim WATSON / AFP
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A meta ambiciosa de zerar as emissões líquidas de carbono nos EUA até 2050 é o ponto de maior destaque do “Plano para Mudança Climática e Justiça Ambiental” apresentado pelo democrata Joe Biden durante a campanha à eleição presidencial da qual se saiu vencedor, derrotando o republicano Donald Trump.

O incentivo dado aos combustíveis fósseis, bandeira do republicano nos últimos quatro anos, dá lugar aos investimentos em energias renováveis, enquanto a negação científica das mudanças climáticas cede espaço para uma adesão ao esforço multilateral pela preservação ambiental.

A partir de 20 de janeiro de 2021, Joe Biden tem o desafio de recolocar os EUA, segundo maior emissor global de carbono, no Acordo de Paris. A saída do acordo costurado em 2015, anunciada por Trump meses depois de sua chegada à presidência, se concretizou no último dia 4 de novembro.

Espera-se que Biden seja mais rigoroso com as obrigações climáticas e ambientais em atividades intensivas em CO2, como a indústria de petróleo e gás, simpática à tradição republicana e que teve momentos auspiciosos com Trump.

Caso o novo presidente dos EUA realmente coloque em prática o seu plano climático e ambiental, a América do Sul deverá alcançar outro patamar de importância no xadrez internacional da geopolítica.

Lítio: “petróleo branco”

Para reduzir as emissões, Biden terá que estimular as alternativas existentes aos combustíveis fósseis. No caso da indústria automotiva, por exemplo, deve-se esperar por incentivos à massificação dos carros elétricos.

O processo de “eletrificação” é inerente à transição para uma economia de baixa emissão de carbono, em todas as áreas. Nesse cenário, não haverá mineral mais importante que o lítio, principal matéria-prima utilizada na fabricação de baterias. Não à toa, o elemento é chamado de “petróleo branco”.

Mantida a comparação com o combustível que moveu o mundo no século 20, a América do Sul seria uma espécie de Oriente Médio. Bolívia, Argentina e Chile formam o “triângulo do lítio”, região que concentra 68% das reservas do mineral no mundo.

Recentemente empossado como presidente da Bolívia, Luis Arce afirmou que o lítio é o passaporte para o desenvolvimento econômico e social do país andino. Incrustada no subsolo do Salar de Uyuni, a reserva de lítio boliviana é uma das maiores do mundo.

 

Mas há uma diferença conceitual entre “reserva” e “recurso”. Reserva é o depósito de teores minerais, o que a Bolívia detém. Recurso, por sua vez, é aquilo que é extraído da reserva, algo que a Argentina e o Chile já estão fazendo.

“O mercado de lítio ainda é caracterizado por inúmeras empresas, mas poucos projetos são viáveis”, explica Emily Hersh, vice-presidente executiva da U.S. Critical Minerals, empresa de exploração mineral estadunidense.

“A América Latina abriga uma grande variedade de depósitos de lítio em vários estágios de desenvolvimento. Os países que investem em infraestrutura e demonstram compreensão da cadeia de fornecimento de baterias irão emergir como líderes no novo futuro energético”, afirma a especialista.

Atualmente, a China é o maior produtor mundial de lítio. No contexto da guerra comercial entre os dois países, é crucial para a segurança energética dos EUA no século 21 reduzir a dependência do mineral em relação ao país asiático.

Oportunidades para o Brasil

O economista Edmar Almeida, pesquisador do Instituto de Energia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), avalia que a demanda dos EUA pode gerar oportunidades para produzir baterias no Brasil e outros países da região que detêm lítio.

“À medida que a indústria de bateria ganhe terreno, a questão da cadeia produtiva da bateria assumirá um caráter estratégico. O Brasil já tem uma indústria de bateria bem consolidada, podendo abrir novas oportunidades”, assinala.

Almeida acredita, todavia, que a maior oportunidade de cooperação para o Brasil reside no segmento de energias renováveis, vetor fundamental da transição energética almejada por Biden. O Brasil possui uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta, com cerca de 46% da energia produzida proveniente de fontes renováveis.

“É uma área em que o Brasil possui acordos com o governo americano, e o país já tem uma indústria renovável muito desenvolvida, com grande potencial de crescimento”, afirma.

O economista destaca, ainda, o potencial apresentado pelo país em programas de hidrogênio verde, solução escolhida pela Alemanha e pela União Europeia como meio para alcançar neutralidade na emissão de carbono até 2050 e fazer a transição para uma economia limpa.

“O fato de termos uma indústria elétrica já bastante descarbonizada cria condições únicas para a produção de hidrogênio verde, que não existem em outros países. O Brasil pode alavancar investimentos em projetos de P&D, projetos-piloto e projetos comerciais em hidrogênio verde. Temos uma chance única”, diz.

Amazônia: ponto sensível

A preservação da Amazônia se apresenta como o tema potencialmente mais delicado da relação do governo de Jair Bolsonaro com o novo presidente dos EUA.

Recentemente, Bolsonaro insinuou um conflito militar com a maior potência armamentista do mundo em resposta à ameaça feita por Biden na campanha de impor sanções comerciais ao Brasil pelas queimadas na região: “Quando acabar a saliva, tem que ter pólvora”, disse o presidente brasileiro no dia 10 de novembro, durante um evento de fomento ao turismo nacional.

Os planos de Biden para a preservação da floresta não se limitam às possíveis retaliações econômicas. Durante a campanha, ele propôs a criação de um fundo de 20 bilhões de dólares (cerca de 100 bilhões de reais) com outros países para garantir a proteção da Amazônia.

Em agosto do ano passado, Bolsonaro recusou ajuda financeira de países do G7, anunciada pelo presidente da França, Emmanuel Macron, para combater os incêndios florestais na Amazônia. A decisão foi atribuída à necessidade de manter a “soberania” sobre a região, termo citado por três vezes durante seu discurso de abertura na Assembleia Geral da ONU deste ano.

Para o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Juliano Cortinhas, o descaso do governo Bolsonaro com a agenda ambiental e a Amazônia tende a deixar o Brasil em uma posição vulnerável em um cenário de aumento das pressões internacionais sobre o país.

“Para garantir a soberania sobre a Amazônia, o Brasil precisa preservá-la. Somos um dos maiores emissores de CO2 do mundo, e as nossas emissões são, em sua maior parte, provenientes de queimadas. É um padrão de emissões diferente das grandes potências industrializadas”, destaca.

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