Adubo de sangue

No primeiro semestre, a violência no campo cresceu 8% em relação ao mesmo período do ano passado

Alvos. O assassinato de quilombolas marca os seis primeiros meses, assim como o aumento do resgate de trabalhadores em situação análoga à da escravidão – Imagem: Paulo Pinto/ABR

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Na sexta-feira 27, o líder quilombola José Alberto Moreno Mendes estava com a filha próximo à sua casa, quando foi surpreendido por dois homens armados em uma moto. Dos cinco tiros, três acertaram a cabeça de Mendes. O assassinato aconteceu no povoado Jaibara dos Rodrigues, no quilombo Monge Belo, município de Itapecuru-Mirim, no Maranhão, a 122 quilômetros da capital, São Luís. Doka, como era conhecido, é mais uma vítima a se somar às estatísticas da violência no campo, que só no primeiro semestre deste ano contabilizou 14 assassinatos, de um total de 973 casos de violência em áreas rurais, aumento de 8% em relação ao mesmo período de 2022, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra. Doka era presidente da Associação de Moradores do Quilombo de Jaibara dos Rodrigues e integrante da Comissão do Território e do Conselho Quilombola da União das Comunidades Negras Rurais de Itapecuru-Mirim.

Cenário de diversos conflitos de terra e de ameaças constantes contra suas lideranças, o quilombo tinha sido reconhecido pela Fundação Palmares desde 2005, mas até agora o Incra não concedeu o título de propriedade de território. Procurada por CartaCapital, a direção do instituto não se pronunciou. A execução de Doka coloca o Maranhão no topo do ranking dos estados que mais matam quilombolas no País, responsável por 40% desse tipo de crime. Foram 20 assassinatos de 2005 para cá, seguido da Bahia, que registrou 16 casos e foi palco, em agosto passado, do homicídio da líder quilombola Mãe Bernadete, morta com 12 tiros no Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, região metropolitana de Salvador. De acordo a CPT, os dados da violência no campo registrados nos seis primeiros meses de 2023 são o segundo maior dos últimos dez anos, atrás apenas de 2020, quando foram contabilizados 1.007 conflitos.

O que mais motivou os crimes nesse período foi a luta por território, com 791 registros. Exemplo desse conflito foi a disputa no sul da Bahia entre ruralistas e indígenas da etnia Pataxó. De janeiro a maio, pistoleiros contratados por fazendeiros dos municípios de Prado, Itamaraju, Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro realizaram vários ataques na região, tirando a vida dos jovens Samuel Cristiano do Amor Divino, de 25 anos, Nawy Brito de Jesus, 16, e Gustavo Silva da Conceição, de 14, todos pataxós. Em todo o ­País, segundo o relatório da CPT, entre janeiro e junho, 878 famílias sofreram com a destruição de suas casas, 1.524 de seus roçados e 2.909 de seus pertences. Mais de 550 famílias foram expulsas das terras e outras 1.091 despejadas judicialmente, além de serem impedidas de ter acesso a áreas coletivas, como roças e regiões de extrativismo do babaçu. O documento mostra ainda o avanço no número de ocorrências de crimes de pistolagem (143), grilagem (85) e invasão (185).

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1 comentário

CESAR AUGUSTO HULSENDEGER 5 de novembro de 2023 18h04
Os herdeiros das capitanias hereditárias continuam ativos…

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