Política

Acusada de ‘acobertar criminosos’ por defender moradores de rua, assistente social é afastada de conselho em SC

Há mais de 20 anos especializada em assistência social, Dalila Pedrini trava embate com governistas para manter atuação no CMAS

Dalila Pedrini foi destituída do cargo de conselheira do CMAS, em Itapema (SC). Créditos: Arquivo pessoal Dalila Pedrini foi destituída do cargo de conselheira do CMAS, em Itapema (SC). Créditos: Arquivo pessoal
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O sábado 6 promete ter tom político em Itapema, município do litoral de Santa Catarina. Na data, está agendada uma mobilização em defesa da assistente social Dalila Maria Pedrini, afastada de suas funções junto ao Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) no dia 25 de outubro.

Encabeçado pelos membros governamentais do conselho, o desligamento da conselheira criou um racha junto aos membros da sociedade civil, da qual Dalila Pedrini é representante. O primeiro grupo acusa a conselheira de ‘acobertar criminosos’ em sua residência em Itapema, depois que a assistente social acolheu temporariamente dois homens em situação de rua na cidade e que, posteriormente, teriam se envolvido em um furto. Dalila rebate as acusações e alega que a decisão de seu desligamento é inconstitucional, uma vez que não respeitou os ritos previstos pelo regimento interno do órgão e usurpou seu direito à defesa.

Em conversa com a reportagem de CartaCapital, a assistente social explicou o episódio que deu origem às acusações. Dalila confirmou que teve sua propriedade, no bairro Morretes, ocupada por dois homens em situação de rua. “A casa está em desuso, não tem condições de moradia e eu a comprei neste estado porque, no futuro, o meu projeto é transformá-la em uma república e fazer uma doação para que alguma instituição a execute como um equipamento de assistência social, acolhendo pessoas em vulnerabilidade”, disse.

Ela relata ainda que, quando soube da ocupação, esteve no local e conversou com os dois homens, catadores de recicláveis, alertando-os de que não poderiam se manter em sua propriedade privada. “Eles me pediram para permanecer lá para terem onde se alojar à noite, estava muito frio. Em um primeiro momento falei sobre a falta de condições do imóvel para alojá-los, sem luz, com mato ao redor. Mesmo assim eles me disseram que era melhor do que a rua”, contou a assistente social, ao criticar a falta de uma política de acolhimento na cidade para as pessoas em situação de vulnerabilidade, durante a noite.

Diante o pedido dos homens, a proprietária – que tem 20 anos de atuação junto à políticas de assistência social – estabeleceu um acordo temporário com os rapazes para que eles tivessem onde se alojar durante as noites. “Pedi a eles que não incomodassem os vizinhos, e vinha funcionando, voltei lá dias depois e vi que eles tinham roçado o mato do imóvel, estavam se virando com velas, e ali eu disse que voltaria em breve para a gente finalizar o período de acolhimento combinado”, contou Dalila à reportagem.

Antes disso, no entanto, a conselheira ficou sabendo que os rapazes haviam presos por supostamente terem furtado um portão pela região. “A grande denúncia feita pelos governistas do CMAS  foi a de que eu estaria acobertando ladrões, criminosos em minha casa e que, por isso também incorria em crime”, relatou Dalila.

‘Afastamento é ilegal’, critica a presidente do CMAS

As denúncias acerca da assistente social foram levadas à reunião do CMAS no dia 18 de outubro. Conforme registrado em ata a qual a reportagem teve acesso, o representante governamental Eduardo Forgiarini, suplente do conselho, e ligado à pasta municipal de turismo, cultura, esporte e desenvolvimento econômico, pediu a modificação da pauta do dia (diante apoio dos demais governistas) dada sua ‘extrema urgência’.

O conselheiro começou a explanação citando uma entrevista cedida pela prefeita da cidade, Nilza Simas (PSD), a uma rádio local, em que ela disse que durante a ‘Operação Choque de Ordem’, a polícia teria encontrado três criminosos em uma residência no bairro Morretes ‘fazendo uso de entorpecentes e também cometendo furtos nas redondezas’. ‘E pra grande surpresa, essa casa pertence a uma conselheira do Conselho Municipal de Assistência Social, titular deste conselho. Isso causa um enorme constrangimento a esse a esse conselho, né?”, disse Forgiarini, sem, no primeiro momento, revelar o nome da acusada.

Na sequência, o conselheiro governista leu uma carta assinada por ele e mais quatro membros – Dionei Jonatas Valério (secretaria de Assistência Social e Lazer), Glauce Kelly Santana (secretaria de Administração), Rosimeri Henschel (secretaria de Saúde), e Rodrigo Rizzi (secretaria de Educação) –  que formalizava o pedido de expulsão de Dalila.

No documento, os conselheiros afirmam que a assistente social incorreu no crime de favorecimento pessoal, com base no previsto no artigo 348 do Código Penal. O texto da lei define o crime como ‘auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime’, para o que é previsto pena de um a seis meses e multa.

Os conselheiros governamentais do CMAS de Itapema, vem a público , demonstrar toda sua indignação e repúdio aos atos cometidos pela conselheira DALILA PEDRINI, representante da Instituição Nossa Senhora dos Navegantes. Ceder imóvel de sua propriedade para dar pouso a meliantes é uma ação muito grave que precisa ser punida a rigor sim pela lei, mas também merece uma sanção deste conselho, ou seremos todos, associados a prática ilícita ou taxados de permissivos com crimes desta natureza e com certeza, cada um dos aqui presentes, não compactua com esta atitude. Certos da compreensão de todo colegiado do CMAS de Itapema , viemos pedir a suspensão da conselheira das atividades do CMAS , também como de usar o nome do CMAS no tocante as suas ações e condutas“, grafam em um trecho.

Ainda na carta, os conselheiros acrescentam: “Quando uma cidadão precisa de alguma assistência por estar em condição comprovada de vulnerabilidade, dispomos de todos mecanismos para encaminhar e assistir com dignidade este cidadão, mas não compactuamos com fazer caridade com indivíduos que representaram ou representam perigo a sociedade“.

Em outra passagem, o grupo afirma que caso as medidas apresentadas não fossem cumpridas, apresentaria um pedido de renúncia coletiva e o encaminhamento do caso ao Ministério Público.

Depois de muito debate entre os conselheiros sobre o teor da denúncia e a forma como ela havia sido apresentada, Forgiarini pede que o afastamento seja levado à votação. O conselho é composto por cinco membros representantes do governo municipal e quatro da sociedade civil. A presidente do conselho tem direito a um voto de minerva apenas em caso de empate. Os representantes da sociedade civil então pedem um tempo para conversar fora da reunião, e voltam com a proposta de que o tema seja levado à mesa diretora, o que foi negado pelos conselheiros governistas.

Após a negativa de acordo, os membros da sociedade civil se retiraram da reunião, sem anunciar seus votos, contrariados pela forma como a pauta estava sendo encaminhada. O afastamento de Dalila Pedrini foi oficializado com os cinco votos favoráveis da ala governista. No dia 25 de outubro, foi lavrado um ofício assinado pelo vice-presidente do Conselho, Clerinton Paes de Farias, também representante governamental.

Em um trecho, o documento explicita que a presidente do CMAS, e representante da sociedade civil, Eunice Gomes de Souza se recusou a assiná-lo, por considerar ‘ilegal’ a destituição da assistente social. A presidente do CMAS explicou os motivos de sua abstenção à reportagem.

“O ofício é ilegal. Primeiramente, ele não foi levado à mesa diretora, todos as denúncias são levadas à mesa, analisadas e então levamos ao conselho. Esse caso foi levado diretamente ao conselho, uma humilhação para a Dalila. Eles alegavam como provas vídeos de WhatsApp na sessão”, declarou. “E não teve aprovação, porque não tinha quórum, portanto é ilegal”, atestou Eunice.

‘É uma tentativa de criminalizar a política de assistência social’, diz Dalila

Para Dalila Pedrini, sua destituição do conselho representa uma tentativa governamental de amedrontar a sociedade civil organizada e minar o trabalho de assistência social. “É uma perseguição política. Mais do que atacar a mim, a leitura que podemos fazer do caso é sobre a tentativa de minar o controle social com qualidade, criminalizá-lo, além de amedrontar a sociedade civil organizada que têm consciência e faz oposição ao governo”.

Ainda de acordo com a pesquisadora, a prefeitura de Itapema opera uma política de ‘higienização’ para as pessoas em situação de rua. “A nossa luta é para que a prefeitura, ao menos, oferte acolhimento para as pessoas em situação de rua durante a noite, o serviço de abordagem social do município só presta atendimentos durante o dia”, relata.

Ato em apoio à conselheira Dalila Pedrini está agendado para o sábado 6, em Itapema (SC).

A condução da política também é feita de maneira equivocada, na visão de Dalila, permitindo a atuação das forças de segurança pública, caso do programa ‘Operação Choque de Ordem’, sob a tutela do secretário Major Geraldo Rodrigues Alves Júnior.

“A abordagem dessas pessoas na cidade é feita, muitas vezes, por agentes completamente estranhos à assistência social, como a polícia. Esses cidadãos são amedrontadas, muitas vezes têm seus pertences retirados. Esse papel não pode ser feito em conjunto, mas aqui na cidade é. A assistência social deve oferecer proteção, pensar em condições para que essas pessoas saiam das ruas, com políticas de acolhimento, trabalho”, atesta, criticando a abordagem policial.

Para defesa da acusada, governistas inverteram a cronologia dos fatos

Na visão do advogado Joel Eyroff, que atua na defesa de Dalila, os conselheiros governistas inverteram a cronologia dos fatos ao acusarem a assistente social de ‘acobertar criminosos’. “O crime de favorecimento pessoal se configura quando uma pessoa, ciente de que um determinado cidadão cometeu um crime, passa a empreender diversas formas de oferecer guarida, seja o escondendo, ou dificultando investigação policial”, esclarece. “A versão do governo é de que ela sabia estar diante de pessoas criminosas e, diante disso, os acobertou no imóvel para que não fossem presos”, completa o especialista, reforçando que o acolhimento dado por Dalila aos homens foi anterior à operação policial que os levou detidos.

O especialista ainda questiona os encaminhamentos dados ao caso pelo conselho que, em sua visão, ‘inverte as lógicas jurídicas’.

“Não há a possibilidade de se fazer uma exposição sumária sem ampla defesa, sem o contraditório, nem mesmo um afastamento cautelar, porque para isso seria necessário que houvesse uma investigação em curso, e não há uma averiguação formal no conselho para apurar a denúncia”, atesta.

“Eles forçaram essa situação, dizendo que não era expulsão, mas um afastamento para gerar uma investigação posterior, invertendo todas as lógicas jurídicas. O que estava em pauta ali não era mais uma questão jurídica, mas política, de afastar do conselho uma pessoa que tem uma perspectiva do controle social e da participação popular mais à esquerda”, assegura Eyroff.

O advogado vai encaminhar à Justiça um mandado de segurança para que Dalila possa ser reconduzida às suas funções. “Foi negado a ela o direito à defesa, ao contraditório. Nós só podemos ter qualquer penalização imposta se houver escuta, uma oitiva prévia, o que foi negado a ela que foi sumariamente afastada do conselho, com base em uma carta escrita pelos próprios governistas, com base na veiculação de uma notícia pela rádio da cidade”, completa seu advogado de defesa.

O advogado ainda confirmou à reportagem que não há nenhuma denúncia aberta contra a conselheira junto à autoridade policial do município. Os rapazes detidos na casa de Dalila acusados de furto seguem em liberdade provisória aguardando os rumos da investigação.

O que diz a Prefeitura?

CartaCapital procurou a prefeitura de Itapema para comentar o caso, mas foi informada em nota que a gestão da prefeita Nilza Simas (PSD) não iria se posicionar, ‘pois não compete ao Poder Executivo qualquer interferência sobre as deliberações dos conselhos, sejam eles de qualquer política pública’.

A reportagem conversou com o conselheiro governista Eduardo Forgiarini que reforçou o caráter autônomo e deliberativo do conselho e negou que não tenha havido quórum para a votação. “O conselho deliberou por cinco votos favoráveis e três contrários o afastamento da requerida conselheira”, afirmou.

Em um trecho da ata, no entanto, há uma declaração do conselheiro mencionando o esvaziamento da reunião, mas orientando o seguimento da pauta.

Pessoal, só que fique denotado aqui que consta em ata total desrespeito por parte de alguns conselheiros que estão abandonando a reunião pra que não haja quórum pra deliberar né? Isso é uma é uma atitude isso sim mesmo desagradável então assim ó mesmo diante do não quórum a gente já tem os votos favoráveis ao afastamento só peço que assim ó que seja urgentemente relatado isso ao Ministério Público através da promotoria pra que tome medidas cabíveis porque não pode ser por conta do boicote de alguns membros do afastamento da reunião eles vão ter que botar a cara aqui de novo. Então, nós vamos ter que encaminhar mesmo sem a presença deles, tá?”, disse o conselheiro, conforme transcrito em ata.

Questionado sobre a falta de uma sindicância no CMAS para averiguar a conduta da acusada, Forgiarini disse que a defesa de Dalila Pedrini deve ser feita diante órgãos de Justiça. “Nós nem queremos defesa diante o conselho, admiro o trabalho da conselheira, ela é um referencial, mas ninguém está acima da lei, nem quer usar o conselho como acobertamento”, declarou. “A defesa que tem que ser feita é diante os órgãos de Justiça”, completou.

Sobre o afastamento da assistente social, o conselheiro afirmou que se trata de um assunto institucional e não pessoal e que o episódio deu origem a ‘narrativas político ideológicas’ que deixam claro ‘que não há um interesse público em prol da política’. “Estamos interessados na política pública, as instituições são maiores do que as pessoas”, completou.

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