Política

A vez de Freixo

Em busca de um arco amplo de alianças, o pessebista tenta superar a pecha de candidato da Zona Sul

O pré-candidato conta com o apoio de pastores progressistas - Imagem: Redes sociais
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A eleição para o governo do Rio de Janeiro ainda não tem favorito. Pesquisa do Datafolha realizada na primeira semana de abril em 30 cidades apontou que quatro em cada dez eleitores fluminenses ainda estão indecisos (7%) ou pretendem votar nulo ou branco (33%). Líder na pesquisa, com 22% das intenções de voto e em situação de empate técnico com o governador bolsonarista Cláudio Castro, do PL, que aparece com 18%, o pré-candidato do PSB, Marcelo Freixo, entende a situação e tem buscado se adaptar à contingência. Desde que deixou o PSOL, em junho do ano passado, a estratégia do deputado consiste em angariar apoios à esquerda e ao centro, para tentar furar o teto de votos registrado nas disputas à prefeitura de 2012 e 2016, quando perdeu para Eduardo ­Paes e Marcelo Crivella, respectivamente.

Não é uma tarefa fácil. Após a enxurrada de críticas que recebeu dos setores mais à esquerda no PSOL, onde militou por 16 anos, Freixo teve de lutar para vencer o fogo amigo no PSB e no PT e confirmar o fundamental apoio de Lula à sua pré-candidatura. Além disso, dedicou-se, nos últimos meses, a articulações que atraíram o apoio de personalidades fora do campo progressista, como os ex-ministros Marina Silva e Raul ­Jungmann e o tucano Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central. O pré-candidato socialista aposta na construção de um leque de alianças das forças que querem ver Jair Bolsonaro longe do Palácio do Planalto e espera repetir contra Castro, que aposta na reeleição, a polarização das eleições presidenciais.

O pré-candidato tenta tornar-se mais popular nas periferias e no interior

Para obter a sonhada vitória, será preciso, no entanto, conquistar uma parcela do eleitorado nas regiões mais empobrecidas do estado. O mapa de votações da derrota para Crivella há seis anos, quando Freixo, ainda no PSOL, obteve 40,6% no segundo turno, revelou uma excelente votação em bairros mais ricos ou de classe média na Zona Sul e na Grande Tijuca, e um fraco desempenho em áreas mais pobres como, por exemplo, a Zona Oeste e Jacarepaguá. O maior desafio da campanha é reverter essa tendência, agora em nível estadual. O recorte por segmentos da pesquisa Datafolha para o governo mostra que o pré-candidato do PSB se sai melhor entre quem ganha mais de dez salários mínimos (39%) do que entre os que ganham até dois salários mínimos (12%). O fenômeno repete-se em outros recortes: 34% entre os que têm ensino superior ante 11% entre aqueles com ensino fundamental, 29% entre os que moram na capital contra 15% entre os habitantes do interior. O desempenho repete-se também entre os evangélicos (10%).

“Conquistar um eleitorado desacostumado a votar na esquerda é o grande desafio. Será uma campanha difícil. Freixo é um candidato que tem se mostrado competitivo no primeiro turno, mas a questão é que, agora, teremos não só a capital, onde ele historicamente tem uma grande votação. Desta vez tem a Baixada Fluminense, a região de São Gonçalo, o interior do estado”, lista Ricardo Ismael, professor da PUC do Rio de Janeiro. Para atingir esses novos eleitores, diz o cientista político, Freixo precisará definir qual será exatamente o perfil de sua candidatura: “Desde que deixou o PSOL, ele fez alguns movimentos para ter mais liberdade e tentar ampliar um arco de alianças que seu antigo partido certamente iria rejeitar. A ida para o PSB ajudou-o a interagir com outros setores, até mesmo com nomes como o de Arminio Fraga, claramente associado ao governo de Fernando Henrique Cardoso”.

Arminio Fraga declarou seu voto, mas nega a intenção de participar de um futuro governo – Imagem: Sérgio Castro/Estadão Conteúdo

Freixo afirma que sua estratégia de campanha é tornar-se mais popular em uma faixa do eleitorado que não o conhece ou tem ideia errada de sua figura política: “Nosso foco é dialogar com o campo popular que vive nas zonas Oeste e Norte da capital, na Região Metropolitana e no interior. Vamos usar as redes sociais para alcançar e nos apresentar a esse público popular que não conhece a nossa história e o nosso trabalho”. O pessebista afirma “ter muito em comum”, além de “compartilhar valores”, com esses eleitores: “Venho de uma família simples, cuja história é a mesma de milhões de famílias fluminenses que dão duro para sustentar os filhos e ter um futuro melhor. Nasci em São Gonçalo, comecei a trabalhar aos 15 anos para ajudar meus pais em casa. Perdi um irmão assassinado pela milícia, sei o que é para um pai e uma mãe enterrar um filho vítima da violência”.

As movimentações de Freixo em direção a um novo público começaram há algum tempo. Iniciadas no ano passado, suas conversas periódicas com Fraga e outros economistas liberais como André Lara Resende deixam claro que não adotará nenhuma medida heterodoxa na economia fluminense, o que serve para, no melhor estilo “Lulinha Paz e Amor”, acalmar o “mercado” e eventuais investidores: “O que me aproxima do Freixo é o interesse pelo Rio e pelo Brasil neste quadro de retrocesso e desigualdade social”, declarou Fraga, que nega, no entanto, a possibilidade de integrar um eventual governo do candidato do PSB.

Eduardo Paes enxerga Freixo como seu principal adversário no estado – Imagem: Fernando Frazão/ABR

Para conquistar os evangélicos, que correspondem a 30% dos eleitores no estado, Freixo conta com antigos aliados, como o pastor Ariovaldo Ramos, da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito. Ao mesmo tempo, flerta com a Assembleia de Deus de Madureira, vertente da maior denominação neopentecostal do Brasil, que rompeu com Bolsonaro e não apoiará Castro. O principal interlocutor de Freixo é o pastor Abner Ferreira, presidente da denominação e filho do fundador Manoel Ferreira. Em dezembro, Ferreira levou o candidato do PSB para uma conversa com 90 bispos e 900 pastores. “O pastor Abner é uma figura muito importante para mim. Tenho por ele um imenso respeito. A gente conversa sempre, é alguém que eu gosto de ouvir”, diz Freixo.

Um manifesto suprapartidário em apoio à sua candidatura, do qual constam nomes como do ex-comandante do Bope coronel Alberto Pinheiro Neto, e do atual comandante da Escola Superior da Polícia Militar do Rio, coronel Antonio Carballo, revela ainda o esforço de Freixo em se aproximar das forças de segurança. Os policiais serão convidados a contribuir para o programa de governo, que, entre outros avanços, deverá propor um aumento real de salários, plano de cargos e promoções e a integração das operações da PM e da Polícia Civil.

Como Lula, Freixo busca uma aproximação com lideranças evangélicas

Além de conquistar novos eleitores, outra prioridade de Freixo é associar seu nome ao de Lula, fato que, dizem as pesquisas, garantiria sua vitória no segundo turno contra Castro. Segundo o Datafolha, o apoio de Lula levaria 26% dos eleitores fluminenses a votar espontaneamente no candidato escolhido pelo petista, que, nas duas eleições em que saiu vitorioso, obteve no estado 79% dos votos em 2002 e 69% em 2006. “Eu e Lula conversamos bastante sobre a candidatura e a importância do Rio para o projeto nacional de levá-lo à Presidência da República. Nosso compromisso é não só eleger Lula novamente, como também ajudá-lo a governar. O Rio, onde nasceu o bolsonarismo, é imprescindível. A eleição estadual vai reproduzir o cenário nacional e o presidente Lula será fundamental para a nossa vitória”, diz Freixo.

Ricardo Ismael avalia que “os padrinhos tendem a ajudar”, mas não serão decisivos nas eleições fluminenses: “Com o apoio de Lula, Freixo vai unir o campo da centro-esquerda, ainda que no segundo turno. Lula sempre teve uma grande votação no Rio, especialmente na capital, mas o eleitor fluminense passou por muitas coisas nos últimos anos, com corrupção no governo e a prisão de governadores. Padrinho só não adianta, será preciso ter uma comunicação política e de alguma forma reconquistar a confiança do eleitor, que está muito abalada”.

O pessebista, que tem o apoio de Lula, precisa se aproximar das periferias. Castro (abaixo), atual governador, representa o bolsonarismo – Imagem: iStockphoto e Phillipe Lima/GOVRJ

Para chegar ao Palácio Guanabara, Freixo precisará também vencer um oponente de peso que não terá seu rosto exibido na urna eletrônica. Desde a chegada do deputado federal ao PSB e o início de suas articulações com o centro, Eduardo Paes tornou-se um ferrenho adversário da candidatura socialista, uma vez que Freixo, se eleito governador, certamente concorrerá à reeleição em 2026, atrapalhando os planos políticos do prefeito da capital. Após uma tentativa frustrada de convencer o PT a abraçar uma chapa que incluiria seu escolhido – o ex-presidente da OAB Felipe Santa Cruz, do PSD – como candidato ao governo estadual, Paes irritou-se com a resolução de Lula em apoiar Freixo e chegou a dizer que o ex-presidente “será irrelevante nas eleições do Rio”. Freixo pensa diferente: “Lula me apoia e o PT oficializou a aliança”.

Segundo Ismael, Paes vislumbra Freixo como seu principal adversário na política carioca nos próximos anos e tem na consolidação de uma candidatura de terceira via ao governo estadual a possibilidade de impedir a decolagem do socialista: “Até agora fracassou a tentativa de Paes de unir os palanques de Santa Cruz e Rodrigo Neves, do PDT. Mas ainda há tempo de o prefeito conseguir alguma unidade nessa terceira via estadual. Paes tem força. Aquele aspecto que terminou por derrotá-lo em 2018, a ligação com o ex-governador Sérgio Cabral, se diluiu. Se ele conseguir unir o PSD e o PDT, pode ser que até agosto, quando realmente começa a campanha e os debates nas ruas, no rádio e na televisão, seu grupo se coloque como uma alternativa viável”. A ver. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1205 DE CARTACAPITAL, EM 27 DE ABRIL DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A vez de Freixo”

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