Política

“A UNE e as esquerdas precisam disputar ideias na sociedade”

Eleita com 79% dos votos, nova presidente da entidade estudantil fala sobre a crise política, a oposição ao governo e a luta pela educação

Foco do movimento estudantil será a radicalização da oposição ao governo de Michel Temer e lutar pelas Diretas Já. 'Será uma gestão das ruas', afirma
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Marianna Dias, estudante de Pedagogia de 25 anos, é a terceira mulher consecutiva a ser eleita para a presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE). 

Nascida em Feira de Santana (BA), criada no bairro da Cabula em Salvador, feminista e filiada ao PCdoB, Dias assume a direção da entidade estudantil em um momento de aguda crise, de descrédito na política e de preocupação para os estudantes diante de um horizonte de desmonte de políticas sociais e de limitação dos investimentos em educação.

Diante disso, afirma, o foco é radicalizar a oposição ao governo de Michel Temer, barrar suas reformas e lutar pelas Diretas Já. “Será uma gestão das ruas”, diz. A estudante de Pedagogia, adepta de Paulo Freire, foi eleita em 18 de junho no 55º Congresso da UNE, que reuniu 10 mil estudantes em Belo Horizonte.

Sua chapa “Frente Brasil Popular: A unidade é a bandeira da esperança” arregimentou 79% dos votos e garantiu mais uma gestão ligada ao PCdoB, que desde 1990 está a frente da entidade estudantil. 

Dias, que integrava a gestão anterior de Carina Vitral, acredita que as esquerdas e o movimento estudantil organizado precisam entrar de cabeça na disputa de consciência da sociedade, diante do avanço conservador.

“Os noticiários sempre associam a política à corrupção, à sujeira e a coisas ruins. E ninguém quer fazer parte de algo que é sinônimo de sujeira. Um dos papéis principais da esquerda, dos movimentos e da UNE é dizer para as pessoas que só é possível mudar a política participando dela”, afirma. 

CartaCapital: Aos 25 anos, você tem uma trajetória já longa no movimento estudantil organizado. Como começou a se interessar pela militância política?
Marianna Dias: Eu conheci o movimento estudantil e a UNE por meio do diretório acadêmico de Pedagogia da Universidade Estadual da Bahia (Uneb) em 2011. De lá para cá, me tornei militante e hoje estou presidenta da UNE.

CC: Você é a terceira mulher na sequência a integrar a presidência da entidade. Qual é a importância de se ter mulheres no centro da vida política na UNE? E quais os desafios?
MD: Eu sou a terceira mulher consecutiva e a sétima ao todo. Se observarmos ao longo dos 80 anos de história da UNE, ainda tivemos poucas mulheres à frente da presidência, mas, em contrapartida, quando olhamos ao nosso redor, na política brasileira, nos movimentos sociais, percebemos que a UNE, ainda que atrasada, está muito à frente de outros movimentos, que nunca tiveram mulheres presidindo ou coordenando. 

Isso é importante, porque, durante muito tempo, cabia às mulheres apenas o espaço de vice ou de primeira-dama, ou seja, papeis secundários na politica. Hoje percebemos que a nossa geração vive numa sociedade diferente.

Elegemos a primeira presidenta mulher do País através do voto popular. Isso é simbólico, ainda que, em nossa avaliação, ela tenha sido tirada em um processo de golpe. Então, é um orgulho fazer parte de uma geração de mulheres que constroem a sua história.

CC: Quais devem ser, na sua avaliação, as prioridades para a UNE e o movimento estudantil organizado na neste momento?
MD: Estamos vivendo alguns desafios, os quais a nossa geração precisará dar conta. Vivemos num país que passou por um processo de ruptura democrática muito forte, que ocorreu para que um projeto de País não aprovado nas urnas pudesse ser posto em prática.

Por isso, temos uma responsabilidade muito grande de acentuar o tom em oposição ao atual governo. Conseguir radicalizar na oposição ao governo e as suas medidas, como as reformas e a PEC do Teto de Gastos é fundamental.

Eleições diretas também é uma das principais bandeiras. Sobretudo para que o povo possa decidir em qual país deseja viver. Além disso, é importante defender cada vez mais a educação pública e os direitos que conquistamos, como o Fies, Prouni, a política de cotas e o auxílio estudantil.

Nosso maior desafio, por fim, é promover mobilizações e passeatas. Será uma gestão das ruas. 

CC: Há quatro anos, junho de 2013 deflagrou um momento de muita efervescência política, com a juventude de novo nas ruas. Ao mesmo tempo, marcou o início da ascensão de movimentos conservadores. Que balanço você faz das jornadas de junho para a juventude e para o movimento estudantil?
MD: É inegável a contribuição que as manifestações gigantescas deram para a participação da juventude na política e nas ruas, ainda que com contradições e revelando movimentos mais conservadores. Mas não podemos avaliar o todo sem falar da parte boa: forjar uma geração que responde aos desafios do seu tempo e não se intimida com a repressão. São contribuições gigantescas para a nossa história.

CC: Como dialogar com essa nova geração e movimentos cujo caráter é mais horizontalizado e com ressalvas à participação de entidades verticalizadas e partidos?
MD: A UNE tem 80 anos de história e já viveu muita coisa. Acredito que estamos em um momento de grande prestígio político da entidade estudantil, que não teve medo de se posicionar nos últimos dois anos de golpe e de convocar os estudantes para a luta política.

Por outro lado, é importante ouvir as críticas e saber o que os setores que compõem a luta política pensam acerca da nossa organização e da nossa forma de atuar. Não encaramos isso como algo negativo, pelo contrário.

Precisamos somar esforços com todas as formas de organização. Sem dúvida, o papel dos estudantes e de suas ocupações foi importante para a história. Jamais teremos uma postura de desconstruir a luta dos estudantes.

55º Congresso da UNE 55º Congresso da UNE reuniu 10 mil estudantes em Belo Horizonte

CC: No Brasil, a expansão do Ensino Superior nas últimas décadas deu-se sobretudo com o crescimento das matrículas em instituições privadas, alavancada também por programas como o Prouni e o Fies. Hoje, 87% das instituições de Ensino Superior são privadas. O que muda nesta nova configuração?
MD: O principal sentimento do estudante brasileiro hoje é que ele conseguiu entrar na universidade, mas quer permanecer e, sobretudo, se formar. A democratização do acesso ao ensino superior trouxe novas demandas. Colocamos uma população mais pobre no Ensino Superior, com as cotas, o Fies e o Prouni. O nosso enfrentamento contra o teto de gastos públicos é justamente porque ele compromete o orçamento da educação. Assim, defendemos a manutenção das universidades públicas e a expansão de programas de inclusão. Isso será um grande desafio.

CC: Ao mesmo tempo, o governo de Michel Temer está ensaiando mudanças nas regras do Fies, como o desconto de 30% dos futuros salários para quitar os empréstimos. Como você vê essa proposta?
MD: Isso é a cara de um governo sem preocupação com a vida das pessoas. Qual será o impacto real na vida dos estudantes pobres que fazem Fies e sairão da universidade com 30% do seu salário comprometido? 30% é muita coisa na nossa opinião. Os caminhos para solucionar a dívida dos estudantes não podem ser autoritários, sem discussão com os principais envolvidos, os estudantes.

CC: Entidades como o Movimento Brasil Livre (MBL) passaram a se inscrever e disputar chapas em centros acadêmicos em universidades, buscando ocupar esses espaços. Como você vê essa movimentação?
MD: Em primeiro lugar, achamos que o caminho mais saudável é a disputa de ideias. Precisamos nos desafiar cada vez mais – e é um papel da UNE e da esquerda – a fazer essa disputa da consciência da população. O movimento estudantil e o setor da juventude é estratégico para isso. A principal estratégia é unificar a esquerda em torno da disputa ideológica.

Mas, ao mesmo tempo, percebemos uma presença mais organizada da Juventude do PSDB no Congresso da UNE. É importante que eles enxerguem a UNE como um espaço de construção do movimento estudantil, e também é importante que a UNE tenha uma diversidade de pensamentos e de opinião e, sobretudo, que represente a disputa na sociedade hoje.

Mas conseguimos uma vitória expressiva no Congresso, a chapa que eu fui eleita teve 79% dos votos. Temos também muita esperança e muita animação para disputar ideias dos estudantes.

CC: Desde 1990, chapas ligadas à União da Juventude Socialista (UJS) e ao PCdoB estão na presidência da entidade. Essa hegemonia não prejudica, de alguma forma, a pluralidade de pensamentos dentro do movimento estudantil?
MD: Em primeiro lugar, o processo da disputa da UNE é muito democrático. A eleição para a diretoria da UNE se dá de forma proporcional. Então, todos os estudantes que montam chapa no Congresso terão representação dentro da entidade.

Por exemplo, a juventude do PSDB e a juventude mais ligada ao PSOL também fazem parte do corpo de direção. Como a UNE é uma entidade única do movimento estudantil universitário no Brasil, precisa ter essa pluralidade representada não só no Congresso, mas também na direção da entidade.

Portanto, tantos anos à frente da presidência por parte da entidade da qual faço parte (UJS) não compromete a democracia e nem a representatividade por ter essa conformação.

CC: Estamos em um momento de grande rejeição da política, dos políticos e dos partidos. Em especial, a UNE é muito associada com o PT, cuja imagem está bastante desgastada.
MD: As pessoas têm falado mais de política no dia a dia, mas de maneira negativa. O processo de desgaste sofrido pela política não é espontâneo. É algo construído sobretudo por parcelas da mídia brasileira. Os noticiários sempre associam a política à corrupção, à sujeira e a coisas ruins. E ninguém quer fazer parte de algo que é sinônimo de sujeira.

Um dos papéis principais da esquerda, dos movimentos e da UNE é dizer para as pessoas que só é possível mudar a política participando dela. A cara da política brasileira não pode ser Eduardo Cunha, Aécio Neves ou Michel Temer. Ela precisa ser a nossa, os estudantes que querem participar da política para transformá-la. Isso não é fácil, mas é o caminho para vencer essa disputa. 

Também acredito que o descrédito não é exclusivo do Partido dos Trabalhadores. Ele foi muito desgastado nesse último período, com a seletividade em apurar corrupção no Brasil. Mas acho que há um descrédito com a política no geral, o que é muito mais preocupante do que o descrédito do partido A ou B. Se fosse isso, haveria melhores condições para reverter. Nosso desafio, portanto, é maior. 

Queria também apontar uma parcela do Judiciário, que tem sido muito irresponsável com a condução dos processo de apuração da corrupção, contribuindo para a demonização da esquerda e do PT, em especial. A mídia e o Judiciário estão juntos nesse processo de ridicularizar a política e associá-la com sujeira e de não tratar o combate à corrupção com responsabilidade. 

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