Política

A transição, os bastidores e o futuro do País

Parlamentares que hoje estão horrorizados deveriam ter se espantado muito antes com a ascensão de um colega tão primário

É importante lembrar que o eleito nunca participou da elite congressual
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Sempre se disse que a política é feita nos bastidores. Que o visto é muito menor que o velado, que os acordos em pequenas conversas são mais definitivos do que o movimento público. Nesses anos todos busquei não agir assim, mas a máxima tem algum valor de verdade. A evolução do modo como as informações circulam tem jogado luz ao que antes era invisível. E assim, aos poucos, começa a se revelar o próximo governo.

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Entre os bastidores controversos que se tornaram públicos nos últimos dias, está o diálogo entre Paulo Guedes, indicado para o Ministério da Fazenda, e Eunício Oliveira, Presidente do Senado, sobre orçamento público e reforma da previdência. Eunício revelou ter ficado “horrorizado” com o desconhecimento de Paulo Guedes sobre a atribuição do Congresso em analisar e aprovar a Lei Orçamentária Anual e o descaso do futuro ministro com o parlamento.

No episódio, tem toda razão o Presidente do Senado e do Congresso Nacional. Como é possível uma peça-chave da economia nacional desconhecer a Lei, a importância do orçamento e suas previsões, os impactos de sua não aprovação? No entanto, o que é mais lamentável: esse desconhecimento ou as omissões e conivências que nos fizeram chegar até aqui?

Os que hoje estão horrorizados deveriam ter se espantado muito antes, com a ascensão de um colega tão primário como Jair Bolsonaro. A convivência de tantos anos com o referido parlamentar, futuro chefe de Guedes (ou seria o contrário?), deveria ter-lhes mostrado a impossibilidade de trato com quem sempre expressou seu desprezo pela democracia e o ódio contra quem pensa diferente.

O que eles não têm coragem de testemunhar é a total falta de condições políticas dos eleitos em outubro para conduzir o país, retomando o desenvolvimento econômico e social e o respeito à própria democracia.

A política institucional, para garantir a democracia e a governabilidade, exige uma disposição permanente para o diálogo, um compromisso extremo com o bem comum e um conhecimento básico acerca dos desafios da gestão pública por parte daqueles empoderados pelo voto popular.

Entretanto, alguns escolhidos pelo eleito possuem características autoritárias, desprezam o contraditório e as instituições e fazem questão de seguir o tom da ignorância e desconhecimento do líder em várias matérias.

Importante lembrar que o eleito nunca participou da elite congressual. Sempre foi um estranho a relatorias, projetos, comissões e de apagada atuação no plenário. Considerado por muitos (e hoje confessado por poucos) uma caricatura, mostrou-se um carreirista com sua performance de baixarias, injúrias e calúnias contra adversários.

Seus seguidores fanatizados assumiram um tom de cruzada moral, arautos da religiosidade, mesmo sendo movidos por apelos de ódio à diversidade, valorizando armas e agressões. A condição de ser um parlamentar sem influência legislativa e, ainda assim, conquistar a Presidência da República cria a ilusão de que o trânsito nos poderes não é importante. Ainda mais com o viés autoritário verbalizado mantido durante todo o processo eleitoral, por que dialogar?

Ledo engano. Se agora surfam na onda do momento eleitoral, logo ali os problemas serão “bem reais”, sob a responsabilidade do eleito, exigindo soluções. É o desemprego em alta que bate à porta, as dificuldades da vida dos brasileiros e brasileiras que não podem abdicar das conquistas pessoais e coletivas obtidas nas últimas décadas. As muitas necessidades que o Brasil têm exigem preparo e diálogo.

A saída para o país não passa por bravatas, tampouco por dar respostas apenas ao mercado, como sempre faz questão de afirmar o eleito. Não precisa ser de esquerda para compreender a importância dos direitos sociais, do Estado Democrático de Direito, do fim das desigualdades e do respeito às minorias (mesmo integrantes de governos tucanos, como Armínio Fraga, que presidiu o Banco Central no governo FHC, têm se manifestado nessa direção).

Para muito além do PT e da esquerda, o Brasil pede responsabilidade, diálogo, preparo e equilíbrio, atributos que parecem faltar nesta transição e na perspectiva do futuro governo.

*Maria do Rosário é deputada federal

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