Política

A sombra de conflitos de interesses sobre ministros de Temer

Membros do alto escalão do governo receberam doações de campanha de empresas que têm contratos com suas pastas

Barros, Quintella e Serraglio: eles assumiram pastas que administram interesses de seus doadores
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Acossado pelas revelações da Lava Jato, o governo Michel Temer tem oito ministros que são alvo de inquéritos baseados nas delações da Odebrecht. Mas esse não é o único caso que envolve suspeitas sobre a conduta dos homens encarregados de tocar o governo.

Pelo menos seis ministros de Temer mantiveram relações que levantam questionamentos sobre um possível conflito de interesses. Na maioria dos casos, essa relação se deu por meio de doações para campanhas eleitorais feitas por empresas que mantêm contratos, promovem projetos ou são afetadas pelas pastas. Veja os casos abaixo:

Ricardo Barros, Saúde

Primeiro ministro da Saúde sem alguma formação na área a assumir o cargo desde 2003, Ricardo Barros (PP-PR) chegou ao cargo graças à cota do seu partido na divisão da Esplanada. Ele assumiu o ministério prometendo promover planos de saúde particulares populares ou acessíveis. Segundo Barros, não há recursos suficientes no SUS, e quanto mais pessoas forem atendidas pela rede particular, melhor para o sistema. A proposta foi criticada pelo Conselho Federal de Medicina.

Na sua última campanha para deputado federal, em 2014, Barros recebeu recursos de um empresário de uma empresa da área. O maior doador individual da sua campanha foi Elon Gomes de Almeida, sócio do Grupo Aliança, uma administradora de benefícios de planos de saúde. Na sua campanha de 2006, Barros também recebeu 20 mil reais de um plano de saúde, a Unimed de Maringá (PR).

À época da sua nomeação, Barros informou que suas contas eleitorais foram aprovadas pelo TSE e que o valor doado por Almeida correspondeu a apenas 3,1% do total recebido pelo ministro.

Bruno Araújo, Cidades

Em sua campanha para deputado em 2014, Bruno Araújo (PSDB-PE) recebeu direta ou indiretamente doações que totalizam 710 mil reais de quatro empreiteiras. Entre elas estão a Odebrecht, a Queiroz Galvão, a Ética Construtora e a Sanches Tripoloni. Com exceção da Ética, todas tocam ou já tocaram obras do Minha Casa, Minha Vida, o programa de moradia popular do governo federal, que é supervisionado pelo Ministério das Cidades.

Citado na segunda lista de Janot, Araújo disse que pediu doações para a Odebrecht e outras empresas quando as regras permitiam doações por pessoas jurídicas. “Mantive uma relação institucional com todas essas empresas”, disse.

Bruno Araújo Bruno Araújo: ministro fez campanha com dinheiro de empreiteiras (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil)

Raul Jungmann, Defesa

O ministro recebeu 384 mil reais do Grupo Odebrecht para a sua campanha eleitoral de 2014 – parte diretamente e parte via diretório do PPS. Um dos braços do grupo, a Odebrecht Defesa e Tecnologia, faz parte do consórcio responsável pela construção dos submarinos convencionais e de propulsão nuclear do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub). Desde 2012, a Odebrecht já recebeu 3,7 bilhões de reais para a construção das armas.

Em 2016, quando jornalistas levantaram o caso, o Ministério da Defesa disse que os contratos “foram firmados em data anterior à posse de Raul Jungmann como ministro da Defesa”. “Por isso, é incorreto associar qualquer informação de campanha aos contratos com a pasta.”

Maurício Quintella, Transportes

Em 2014, três empreiteiras (OAS, Barbosa Mello e Sanches Tripoloni) doaram 600 mil reais para a campanha de Quintella (PR-AL) à Câmara. Todas as empresas têm contratos com o DNIT, autarquia subordinada ao Ministério dos Transportes, para a construção ou reforma de rodovias. A OAS, por exemplo, participa de obras na BR-101 no trecho de Alagoas.

A assessoria do ministro informou ainda em 2016 que as doações de empresas eram legais em 2014 e que todas as contas da campanha foram aprovadas pela Justiça Eleitoral.

Helder Barbalho, Integração Nacional

Como titular da pasta, Barbalho (PMDB-PA) é o responsável por tocar as obras da transposição do rio São Francisco, uma das obras consideradas prioritárias pelo governo Michel Temer e que teve um de seus eixos recentemente inaugurado pelo presidente.

Em 2014, quando Barbalho lançou uma candidatura malsucedida ao governo do Pará, sua campanha recebeu via direção nacional do PMDB 530 mil reais em doações da empreiteira Queiroz Galvão, envolvida na Lava Jato e responsável pela construção de dois trechos do projeto de transposição. A campanha também recebeu doações de outras gigantes do setor, como a Odebrecht (1,2 milhão) e a Andrade Gutierrez (900 mil), via direção estadual e nacional.

A assessoria do ministro informou que à época da contratação da Queiroz pelo ministério foi feita quando “Helder Barbalho nem havia sido referendado como candidato do PMDB ao governo do Pará”. Também disse que as doações eram legais à época e que todas as contas foram aprovadas.

Osmar Serraglio, Justiça

O deputado paranaense assumiu o cargo no início de março. Na condição de ministro, Serraglio é o superior da Polícia Federal e o responsável por comandar a demarcação de terras indígenas.

Na sua campanha eleitoral de 2014, ele arrecadou oficialmente 1,4 milhão de reais. Desses, 470 mil, ou 31%, vieram de empresas ligadas ao agronegócio, um setor normalmente hostil à expansão de reservas indígenas.

Em 2011, ainda como deputado, Serraglio foi escolhido relator de uma PEC que pretende estender ao Congresso a atribuição de localizar e demarcar terras indígenas. Pela proposta, os projetos de demarcação só seriam oficializados com o aval de deputados e senadores, o que enfraquece o papel do ministério. A proposta gerou críticas de entidades que defendem os direitos de povos indígenas e foi alvo de protestos nesta semana.

Ente as doadoras de Serraglio em 2014, estava a JBS, que enviou 200 mil à campanha. Dias após assumir o cargo de ministro, a empresa se tornou um dos principais alvos da Operação Carne Fraca, que investiga fraudes e pagamento de propina no setor de carnes.

O próprio Serraglio, ainda como deputado, teve uma conversa gravada durante a operação. No diálogo, ele discute a situação de um frigorífico com o ex-superintendente federal de Agricultura do Paraná, Daniel Gonçalves Filho, que foi preso na operação da Polícia Federal. Segundo a PF, Gonçalves era um dos líderes do esquema de corrupção. Ele foi nomeado para o cargo de superintendente em 2007, com a ajuda de Serraglio e outros deputados paranaenses da bancada ruralista.

A campanha de Serraglio em 2014 também recebeu 100 mil reais da Copersurcar, citada em depoimento de um delator da Lava Jato.

Logo depois da eclosão da Carne Fraca, a assessoria do ministro disse que o caso mostrava que o ministro não tinha a intenção de interferir no trabalho da PF. “Se havia alguma dúvida de que o ministro Osmar Serraglio, ao assumir o cargo, interferiria de alguma forma na autonomia do trabalho da Polícia Federal, esse é um exemplo cabal que fala por si só.” 

Ele ainda continua a manter uma posição dura sobre a questão das demarcações. Em março, ele disse em entrevista à Folha de S.Paulo que a demarcação de terras “não enche a barriga de ninguém”.

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