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A Rússia depois da Revolução

Nos anos recentes, uma leva de novas traduções de obras escritas na segunda metade do século XX mostra a riqueza e a variedade da literatura russa

A Rússia depois da Revolução
A Rússia depois da Revolução
Imaginários. Iúchka e Outras Histórias, de Andrei Platônov, acaba de sair no País, ilustrado por Rick Rodrigues – Imagem: Rick Rodrigues
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Aquilo que entendemos por “Rússia” teve diferentes denominações e desenhos territoriais ao longo dos séculos, mas uma coisa parece constante: a força e a influência da sua literatura nos mais variados contextos e idiomas. Longe de ser um monolito definido pela oposição entre Fiódor Dostoiévski e Lev Tolstói, a literatura russa é feita de uma miríade de nomes e estilos.

No que diz respeito à tradução de obras russas, o contexto brasileiro é muito positivo: nos anos recentes, várias editoras e tradutores colocaram em circulação livros de Mikhail Kuzmin, ­Ievguêni ­Zamiátin e Ivan Búnin, entre outros. Acaba de aparecer, pela editora Ars et ­Vita, com tradução de Maria ­Vragova, um volume de contos de Andrei ­Platônov: ­Iúchka e Outras Histórias.

Iúchka e Outras Histórias. Andrei Platônov. Tradução: Maria Vragova. Ars et Vita (128 págs., 72 reais) – Compre na Amazon

Platônov, nascido em 1899 – mesmo ano de Jorge Luis Borges e Vladimir Nabokov – começou a escrever poemas enquanto trabalhava com o pai, como assistente de maquinista, nos anos posteriores à Revolução de 1917. Os contos da coletânea, escritos entre 1935 e 1946, trazem uma densa mistura de rusticidade e fina observação psicológica, marcando a fase final da produção de Platônov, que morreu em 1951.

As histórias têm crianças e animais, vidas em contato estreito com a natureza, mas também com a pobreza, a violência e a morte. Humildade e misericórdia aparecem lado a lado com crueldade e ignorância.

Dias malditos. Ivan Búnin. Tradução: Marcia Vinha. Carambaia (212 págs., 99,90 reais) – Compre na Amazon

Iúchka, por exemplo, cuida de uma órfã até ela se formar médica: ele “nunca comeu açúcar para que ela pudesse comê-lo”. O pai de Ivan, por outro lado, em O Dom da Vida, morre de tísica na prisão, forçando a mãe a trabalhar triturando “pedaços grandes de pedras” com um martelo, “para fazer brita”: “A mãe disse a Ivan que por cada pedrinha ela recebia uma migalha de pão ou uma gota de leite, e eles precisariam de muitas migalhas de pão para viver”.

O mundo de detalhes construído por Platônov – o menino Afônia comendo crostas de pão com manteiga; o velho carvalho à beira da floresta onde Mítia enterra a mãe – contrasta com obras de seus contemporâneos lançadas nos últimos dois anos no Brasil, como Dias Malditos (Carambaia), diário de Ivan Búnin (1870-1953), e Elos Líricos (Bazar do Tempo), coletânea de poemas e textos em prosa de Marina Tsvetáieva (1892-1941).

Apesar de ser mais velho, Búnin – primeiro escritor russo a ganhar o Nobel – compartilha a primeira metade do século XX com Platônov e Marina. Em Dias Malditos, prodígio de estilo e de registro histórico, o escritor anota o que vê, lê e ouve em Moscou e Odessa entre 1918 e 1919, logo após a tomada do poder pelos bolcheviques: “Abri a janela, vi a rua: a lua baixa, atrás das casas, não há uma alma sequer e está tão silencioso que dá para ouvir um cachorro que, em algum lugar da calçada, está roendo um osso – mas onde é que ele foi arrumar esse osso?”.

Elos líricos. Marina Tsvetáieva. Organização e tradução: Paula Vaz de Almeida. Bazar do Tempo (208 págs., 52 reais) – Compre na Amazon

O livro de Marina Tsvetáieva começa em 1914, pouco antes do diário de Búnin, e vai até 1936, quando começam os contos de Platônov. Os escritos evidenciam a estatura poética da autora e sua peculiar mescla de poesia com reflexões sobre outros artistas, como Maiakóvski, Anna Akhmátova e Rilke.

Em um dos poemas dedicados a ­Púchkin, ela escreve: A superação / Da rotina russa – O gênio de Púchkin?”. Se algo pode ser dito da “rotina russa” é que nela há pouco de previsível, como bem mostram esses três livros tão diversos e tão ricos, pontos de um mapa que – sorte nossa – segue sendo aprimorado. •


VITRINE

Por Ana Paula Sousa

A questão judaica e seus diálogos com o debate identitário e o extremismo de direita são o substrato no qual se desenvolve Passeio com o Gigante (Cia. das Letras, 160 págs., 69,90 reais), nono romance de Michel Laub, nome dos mais importantes da literatura contemporânea brasileira.

“Sempre soube que estava enfeitiçado”, diz o inseguro narrador de Uma Oportunidade (DBA, 168 págs., 64,90 ­reais), romance do argentino Pablo Katchdjian. Caberá às ­bruxas que cruzam seu caminho nos fazer refletir sobre aquilo que nos move a escolher um ou outro caminho.

Analista ambiental, Pablo Casella acompanhou, por anos, o trabalho dos brigadistas que procuram salvar a Chapada Diamantina dos incêndios. Contra Fogo (Todavia, 320 págs., 79,90 reais) é o relato ficcional dessa experiência e das pessoas que o autor tão bem conheceu.

Publicado na edição n° 1313 de CartaCapital, em 05 de junho de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Rússia depois da Revolução’

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