Política

A radicalização da democracia

Segundo Ciro Gomes, a solução correta pede o apelo extremo e determinado como única forma política que interessa ao País

O candidato às próximas eleições presidenciais, Ciro Gomes. Foto: DIEGO PADIGURSCHI/FOLHAPRESS
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Esta não é uma entrevista, é uma conversa entre amigos, de um lado Ciro Gomes, a confirmar sua candidatura às próximas eleições, e do outro Mino Carta e Sergio Lirio. A íntegra da conversa foi transmitida ao vivo pelo site de CartaCapital na terça-feira 2 de junho. 

O impeachment 

A gente precisa separar com muita clareza a urgência de hoje, todos juntos a favor do impeachment. A única saída que a democracia nos oferece está no uso da ferramenta institucional prevista pela Constituição para apear Bolsonaro do poder, por ter cometido crimes de responsabilidade bem demonstrados, sem negar a ele amplo direito de defesa. (…) As Forças Armadas brasileiras vão rasgar a Constituição para defender esse tipo de coisa com os contornos da ladroeira generalizada na própria família do presidente da República. (…) Então, a luta é para defender a democracia, a luta é para construir o futuro do Brasil. É preciso aprofundar as diferenças e deixar que o nosso povo faça a mediação correta a respeito do conjunto de ideias de que o País precisa.

O  confronto

Uma expressão antiga permanece dramaticamente moderna: Si vis pacem para bellum. (…) Se queremos a paz, temos de nos preparar para a guerra. Então não há dúvida de que Bolsonaro vai tentar o golpe. Ao redor dele, esse Augusto Heleno é golpista, não tem apreço à vida, matou muitos pobres no Haiti, foi corrido das forças das Nações Unidas, já foi chefe do gabinete de Sylvio Frota, é americanófilo fanático, doente. (…) Este golpe, tal qual Bolsonaro o imagina, não tem condições objetivas de se concretizar, nem internas no Brasil, nem muito menos externas internacionais. (…) O que aconteceria se uma sargentada acontecesse no Brasil para fechar o Congresso e o STF? Qual seria a reação da União Europeia? Qual seria a reação da China, nosso maior parceiro comercial? (…) No Ceará, já vimos a cara do gol pe.  A milícia bolsonarista estava impulsionada pelo próprio presidente e por Sérgio Moro, que veio aqui. O chefe da Guarda Nacional foi ao Ceará para incitar os bandidos. Nós metemos 200 na cadeia e mais de 300 estão respondendo a processo e foram expulsos da polícia. E o Cid foi com a retroescavadeira porque não deu tempo de a gente armar umas metralhadoras.

Só é admissível apear Bolsonaro do poder pelos caminhos traçados pela Constituição

O povo

Acho que o povo brasileiro é uma realidade em transformação possível, não digo que ela já está acontecendo, mas entendo que a mudança está encaminhada, senão não faria sentido continuar nesta luta. (…) Lula descolou-se completamente da realidade brasileira e hoje parece ter ódio ao povo. (…) Um grande desprezo pelo povo brasileiro, que não foi capaz de se reunir, descer em Curitiba, quebrar tudo e levá-lo de volta ao poder, ao qual ele se acha fatalmente destinado. Este é um grosseiro equívoco.

O ex-presidente

Quando diz que não quer ser candidato, Lula mente, ele é um mentiroso compulsivo. (…) O PT no poder produziu a pior crise econômica do Brasil, somente agora vai ser superada por Bolsonaro. (…) A situação atual começa pelo estelionato eleitoral produzido por Dilma, desconstituiu a nossa base social. (…) Dilma botou Joaquim Levy para administrar a economia e a taxa de juros para 14,25%. Lula havia trabalhado muito bem ao baixá-la para 4%.

Este é golpista por natureza, matou pobres no Haiti e nem merece ser general. Foto: WALTERSON ROSA/FRAMEPHOTO/FOLHAPRESS

O povo e os militares

O povo brasileiro é vítima. A cultura de hegemonia, de controle das Forças Armadas é um processo de formação que tivemos a oportunidade de cancelar com Fernando Henrique, com Lula e com Dilma. Mas nós não alteramos uma vírgula do processo de formação dos militares brasileiros. Eles são criados na lógica positivista, que lhes dá um papel de proteção da pátria, inclusive contra os patriotas. (…) Em muitos momentos, o Brasil foi reprimido e sufocado. Em Minas Gerais, em 1792, os insurretos eram republicanos independentistas e anticoloniais, como pregavam os revolucionários da França e dos Estados Unidos. Nós tínhamos a semente aqui e o povo foi reprimido. (…) Não há como responsabilizar o lumpesinato, tolhido pela miséria. Quando a esquerda organizada foi ao poder e vinculou seu futuro à minúscula conquista de um prato de comida. (…) O lumpesinato é um povo muito vulnerável ao aliciamento, ao acumpliciamento com as elites, à esmola, à manipulação. (…) Cinco famílias são donas de todos os grandes meios de mídia de massa. O povo brasileiro não partilha da democracia da informação. Nós tivemos a oportunidade de democratizar a informação e a jogamos na lata do lixo. (…) A escola brasileira é alienante, não prepara para uma compreensão crítica. (…) A atitude do lumpesinato nunca foi revolucionária, por causa do medo. É o medo que o predispõe ao autoritarismo, ao guia genial dos povos, ao culto à personalidade com todas as vulgaridades do nosso sul-americanismo.

Bolsonaro, Moro, etc.

O novo mito é o Moro. É um animador de auditório simpatiquinho, afirma que não é possível o progresso sem desigualdade. É a racionalidade de Armínio Fraga. (…) O que está em jogo é o destino do Brasil, não do PT. (…) As questões do momento: primeiro, ajudar o povo brasileiro a salvar a vida. Mais de 30 mil brasileiros já morreram por conta da irresponsabilidade do senhor Messias Bolsonaro. Não contratou os testes, não contratou os respiradores, não credenciou os leitos da UTI em número suficiente. (…) Segundo capítulo: em abril foi dada a baixa em 860 mil carteiras assinadas. Isso representa a maior destruição de emprego formal da história brasileira. (…) O Brasil caminha para a maior crise econômica. As simulações que faço com a minha equipe falam de um mínimo de queda de 6% e uma probabilidade de 11% de queda do PIB, de 4 a 5 vezes maior do que a pior da história, promovida por Dilma. (…) Estamos caminhando para 20 milhões de desempregados ali por setembro.

Caracteriza-me uma vida limpa e o amor intransigente e unilateral pelo povo brasileiro

A colonização portuguesa

É verdade que os portugueses são os responsáveis por três séculos e meio de escravidão. Mas levam em relação à colonização espanhola a vantagem de que esta pulverizou a parte da América conquistada em dezenas de países. (…) A América portuguesa manteve-se una nesta potência monstruosa e mal governada que é o Brasil. A ideia de nação no Brasil foi destruída, agora somos induzidos por nossos governantes a ser um grande acampamento sem identidade. (…) Quando Getúlio resolveu fazer do País uma potência industrial, relatórios soviéticos e americanos diziam não existir petróleo no Brasil. Lá foi Getúlio, baseado na inteligência brasileira, nas maluquices de Monteiro Lobato, e criou a Petrobras. (…) A cultura brasileira é autoritária. Nossa história é uma história violenta de golpes. Mas é bom lembrar que, de 1946 a 1961, o Brasil teve não só uma democracia muito fecunda, mas também produziu resultados sociais e econômicos importantes.

A tragédia neoliberal

O déficit público este ano vai ser algo ao redor de 500 bilhões a 600 bilhões de reais. O pior déficit de Dilma foi de 36 bilhões e a turma dizia que ela quebrou o Brasil. (…) Nenhuma providência está sendo tomada, há uma interdição ideológica. O Brasil tem de aumentar o imposto para os ricos de forma pesada. (…) O neoliberalismo morreu no mundo. Os americanos estão emitindo dinheiro, 3 trilhões de dólares. Os alemães criaram antes da pandemia um fundo de 180 bilhões de euros para proteger a indústria. Os chineses falam em disponibilizar o domínio tecnológico da vacina, para enfrentar a pandemia, como um bem de uso comum da humanidade. (…) Agora não é mais a perversão liberal que como ideia está desmoralizada. Só permanece no Brasil porque o debate está interditado. (…) Todos falam a mesma coisa, não interessa se a realidade os desmoraliza. (…) Um estudo recente pondera que as informações de dados são uma riqueza maior do que petróleo e ouro. Isso a esquerda atual precisa entender. (…) É a ideia de uma nova institucionalidade que aproprie parte dos ganhos extraordinários a distribuir com o conjunto. É a isso que estou dedicado.

Este vai assistir impávido à maior crise econômica. Foto: FÁBIO POZZEBOM/ABR

Os planos do candidato

Estou repetindo muito um verso dos Titãs: “O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído”. Sinto hoje o dever de falar sem qualquer tipo de oportunismo ou conveniência de quem está na vida pública e tem aspirações eleitorais. Resolvi dar meu testemunho de uma vida limpa e um amor intransigente e unilateral ao povo brasileiro. (…) É um sentido superior e motivo da minha presença nesta imundície, nesta mediocridade, nesta vulgaridade, às quais o debate político brasileiro muitas vezes se reduz. (…) Vou dizer o que penso e tentar criar uma corrente de opinião destinada especialmente aos jovens capazes de entender o que está acontecendo com o Brasil e de construir a ideia de como uma ação coletiva pode transformar uma sociedade tão desigual, tão fraturada e violenta como a brasileira.

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