Política
A quadratura do círculo
Os dilemas de Tarcísio de Freitas, o bolsonarista “moderado”


Caso tenha esbarrado em algum momento da vida em uma obra de Shakespeare, o carioca Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, talvez se reconheça em Hamlet. Ser ou não ser, eis o dilema do nome preferido da Faria Lima, do agronegócio e de grande parte do empresariado para encarnar o anti-Lula nas eleições presidenciais do próximo ano. É difícil entender a profundidade do dilema do governador, obrigado a equacionar, no seu espírito e nas andanças da vida, a quadratura do círculo que os apoiadores lhe impuseram: ser, ao mesmo tempo, bolsonarista e moderado. Agregador e incendiário.
O conflito ficou evidente durante e depois do julgamento no Supremo Tribunal Federal que transformou Jair Bolsonaro e seus comparsas nos primeiros golpistas condenados à prisão na história do País. Em geral, Freitas mete os pés pelas mãos. Enquanto a Primeira Turma da Corte definia o destino do ex-presidente, o governador teve de pagar a fatura cobrada pelo clã e pelos mais fanáticos apoiadores do capitão. Prometeu, se eleito, assinar o indulto de Bolsonaro, subiu no palanque montado na Avenida Paulista pelo pastor Silas Malafaia para insuflar a turba contra o ministro Alexandre de Moraes – “ninguém aguenta mais a tirania” – e viajou a Brasília para negociar a aprovação de uma anistia “ampla, geral e irrestrita”. Diante da reação negativa na mídia e em certos círculos do poder privado, tirou o time de campo e acoelhou-se no Palácio dos Bandeirantes. A defesa da anistia corre solta em Brasília, mas sem as suas digitais. Manter os pés em duas canoas não tem sido, no entanto, uma boa estratégia. Os moderados o consideram radical e os radicais, a começar pelo deputado autoexilado Eduardo Bolsonaro, o acham moderado em excesso. Sem o aval da família, o governador paulista pode esquecer o sonho de ocupar o Palácio do Planalto. A pressão é tamanha que o Arlequim, servidor de dois patrões, também oscila em suas intenções. Ora aparece como o candidato ungido, ora jura que tentará a reeleição, de sucesso praticamente garantido.
Após atacar o ministro Alexandre de Moraes e “articular” a anistia, o governador tirou o time de campo
Freitas também terá de provar, para além da simpática acolhida no noticiário, ser capaz de convencer o eleitorado de suas virtudes administrativas e de sua capacidade de levar o Brasil à prosperidade. A promessa de realizar, também se eleito, “40 anos em 4”, uma alusão ao slogan “50 anos em 5” de Juscelino Kubitschek, demandaria uma profunda mudança de estilo em relação ao que o governador tem a apresentar após 33 meses à frente do estado mais rico e populoso do Brasil. Enquanto enfrenta problemas na segurança, privatiza empresas na bacia das almas, amplia as isenções fiscais para empresas e premia a grilagem de terras, Freitas espeta a conta na corcunda dos mais pobres, a começar pelo aumento de 50% no ICMS dos combustíveis, com efeitos em cascata sobre o custo de vida da população. “O Tarcísio não governa o estado de São Paulo, governa para atender aos interesses da Faria Lima e do agronegócio, com ampliação das isenções fiscais e privilégios para os bilionários. Essa é a característica central do governo dele, como foi o governo Bolsonaro, em nível nacional. É o neoliberalismo mais selvagem”, classifica o deputado federal Guilherme Boulos, do PSOL. “A pauta é a mesma: privatizar o máximo de empresas e arrochar o salário do servidor público, com piora dos serviços para a sociedade. Esse é o modelo. Ele não esconde os elogios ao presidente da Argentina, Javier Milei, e aos banqueiros, com quem tem feito reuniões. A lógica é idêntica àquela usada por Bolsonaro e Paulo Guedes”, afirma o deputado estadual Antônio Donato, do PT.
O arremedo do slogan de JK foi rebatido pelo ministro dos Transportes, Renan Filho, com dados eloquentes de comparação entre a sua própria gestão na pasta e a de Freitas, que ocupou o mesmo cargo no governo Bolsonaro. “O Tarcísio ministro investiu 7,5 bilhões por ano em rodovias, e o governo Lula está investindo 15 bilhões por ano. Ele realizou seis leilões para atrair o investimento privado, em quatro anos. Em dois anos e oito meses do governo Lula, o Ministério dos Transportes realizou 16 leilões”, acrescentou o atual ministro. “Para esconder comparações como esta, Tarcísio usa uma adaptação do slogan bem-sucedido de Juscelino Kubitschek, de realizar 50 anos em 5. Para se aproximar de Juscelino, Tarcísio, você ainda terá de comer muito feijão com arroz”, ironizou Renan Filho.
Bolsonaro pretende, mesmo da prisão, influir na escolha do candidato – Imagem: Fábio R. Pozzebom/Agência Brasil
Embora tenha dito em um evento com banqueiros que o Brasil “não aguenta mais corrupção”, o governador vive às voltas com problemas em sua sugestão. O caso mais recente é o escândalo de propina que resultou na demissão do auditor fiscal da Receita Estadual Artur Gomes da Silva Neto, da Secretaria da Fazenda, apontado como o cérebro de um esquema que movimentou 1 bilhão de reais em troca de pagamentos fraudulentos a grandes empresários por meio de créditos tributários. O desfalque, que beneficiou dezenas de empresas, entre elas a Ultrafarma e a Fast Shop, foi facilitado pelas possibilidades abertas pelo Decreto 67.853, assinado por Freitas no primeiro ano de governo. A deliberação acabou revogada após o escândalo vir à tona. O secretário da Fazenda de São Paulo, Samuel Kinoshita, foi assessor especial de Guedes em Brasília. A respeito de quais controles internos falharam e tornaram possível a fraude, a assessoria da secretaria respondeu a CartaCapital que “as irregularidades apontadas remontam ao ano de 2021, anterior à atual gestão, que já havia identificado a opacidade dos processos… e implementado mudanças”.
“Se o Tarcísio diz que esse escândalo é anterior ao governo dele e que já estavam mapeando, porque ele só demitiu o Artur quando o escândalo apareceu?”, pergunta Boulos. “Isso não faz o menor sentido. Foi um escândalo continuado que, inclusive pelos valores, se ampliou durante o governo Tarcísio. Até porque as isenções e os privilégios aumentaram.”
Donato destaca o fato de as isenções fiscais em São Paulo somarem 75 bilhões de reais, podendo atingir 85 bilhões no próximo ano, de eleições, mais do que todos os recursos destinados à saúde e educação. O governo, prossegue o deputado, comete ainda fraude na lei de responsabilidade fiscal, pois o estado tem déficit no orçamento e “as contas só ficaram no azul por conta da venda criminosa da Sabesp, que gerou 15 bilhões de reais de receita para o Tesouro. Sem isso, as contas teriam fechado no vermelho, como foram em 2023, segundo dados do Tribunal de Contas”. Os dados sobre investimentos, de acordo com Donato, não correspondem à realidade. O governador anunciou a entrega de 200 moradias, mas 60% não são casas, apenas créditos que bancam 6% do valor para dar entrada em um imóvel ou quitar prestações do Minha Casa, Minha Vida. O governo diz que o número de leitos no SUS sob a responsabilidade do estado aumentou, mas a qualidade caiu.
Dudu divide seu tempo entre sabotar o Brasil e dinamitar as pretensões do governador – Imagem: Gage Skidmore
A defesa do tarifaço de Trump, contra os interesses de empresas paulistas, foi outro efeito do contorcionismo a que Freitas se submete, a fim de agradar a dois públicos aparentemente distintos. “O governador de São Paulo dizer que o Brasil tinha que dar uma vitória para Donald Trump é um caso que, em tempos normais, levaria a um processo de lesa-pátria. Ele defendeu abertamente que o País deveria atender aos interesses, aos caprichos de um líder estrangeiro que está atacando o Brasil. Isso é traição pura e simples”, cutuca Boulos. “O Tarcísio tentou vender o figurino de bolsonarista moderado. Esse figurino não existe. Bolsonarismo moderado é como círculo quadrado. Não fecha. Quando veio a encruzilhada, ele tirou a máscara e mostrou que é um bolsonarista disposto a fazer tudo para garantir o seu projeto pessoal. Inclusive, traiu o estado de São Paulo, o mais industrializado, que já sofre prejuízos com o tarifaço, que só não são maiores por conta dos incentivos oferecidos pelo governo federal.”
A reviravolta no apoio inicial do governador de São Paulo ao tarifaço aplicado pelo presidente dos Estados Unidos, com grave prejuízo ao Brasil, inclusive à economia de São Paulo, seguido de recuo, surpreendeu apenas quem não conhece a coreografia da extrema-direita, avalia o cientista político Claudio Couto. “O bolsonarismo é desse jeito, morde e assopra. O próprio Bolsonaro sempre foi assim, produzia um estardalhaço, criava uma situação e, quando a coisa ficava complicada, ele recuava. Principalmente, para não sofrer consequências judiciais.” Couto acrescenta: “Acho que ele é um moderado de araque. É tão extremista quanto os outros e a própria trajetória, sua vinculação com os militares, pode ser um dos fatores que explicam isso. Ele tem esse jeito mais comedido de falar, mas daí a ser moderado vai uma distância muito grande”.
A política econômica de máximo benefício ao setor privado e extrema penúria para as empresas e os serviços públicos entra em choque com a articulação vitoriosa entre a iniciativa privada, responsável pela estruturação da economia brasileira e pelas suas maiores conquistas, aponta o economista Murilo Tambasco, sócio-diretor da BPCT Consultoria. “O Brasil, a partir do período de 1930 a 1980, mais especificamente a partir da década de 1950, com o Plano de Metas, promoveu o desenvolvimento a partir de uma articulação do setor privado com o Estado. Assim como ocorreu com diversos outros países, como Japão e Estados Unidos no século XIX.”
Com o Plano de Metas implantado de 1956 a 1960, JK planejou completar o processo de industrialização e o fez por meio de um tripé formado por governo, capital estrangeiro e empresa nacional. “Ele faz a indústria automobilística e a indústria de bens de capital, mas tinha, ao mesmo tempo, um plano de infraestrutura que era executado pela Eletrobras”, lembra Tambasco. Essa estrutura, que possibilitou alavancar e completar diversas dimensões do processo de desenvolvimento, foi mantida pela ditadura, que deu andamento ao conceito a ponto de, na década de 1980, o Brasil ser um país extremamente destacado, talvez com o parque industrial mais diversificado e evoluído da periferia do capitalismo, acrescenta Tambasco. A privatização, iniciada depois da crise da dívida externa, no começo da década de 1990, desarticulou esse arranjo bem-sucedido. Já os 40 anos em 4 de Freitas só têm uma perna, o capital financeiro. Em recente convescote com empresários, o governador criou um conceito inovador no pensamento econômico. Segundo ele, só o setor privado é capaz de reduzir as desigualdades brasileiras. A tese é, porém, desmentida pelos próprios aliados. Em entrevista à Folha de S.Paulo em dezembro passado, o presidente da privatizada Sabesp, Carlos Piani, foi claro: “Quem tem que fazer política pública é o Estado”.
O Ideb paulista recuou aos níveis da pandemia. A violência policial tornou-se uma marca do governo. O que Freitas tem para mostrar? – Imagem: EducaçãoSP/GOVSP e Paulo Pinto/Agência Brasil
A venda da companhia de saneamento, acrescenta Tambasco, resume essa lógica. “Quem vai à sede da Sabesp e observa como eles fazem a operação, parece outro mundo, é tudo muito tecnológico. Grande parte desse discurso de que falta eficiência, de que é preciso modernizar, tirar o Estado da jogada para que a economia ganhe força, é falaciosa. Várias empresas públicas têm capital aberto, padrões supermodernos, eficientes, internacionais, e que são capturadas pelo setor privado precisamente porque seguem esses padrões”, dispara o economista. “A Sabesp é uma superempresa. No ano passado, atendia a 58% dos municípios paulistas, tinha uma cobertura de água e esgoto muito elevada, acima dos 90%, e, o que considero muito interessante e importante, um plano de investimentos, que chegava na casa de 5 bilhões de reais ao ano. Também tinha uma limitação, que estava de acordo com a lei das estatais, de limitar o pagamento de dividendos aos acionistas ao mínimo legal de 25%. Com a privatização, há uma nova política de dividendos. Um pagamento escalonado dos lucros aos acionistas, fracionado, mas que até 2030 pode chegar a 100%. A Sabesp foi capturada nessa composição financista e nesse discurso. Houve aumento dos salários dos dirigentes, como esperado, e reajuste tarifário.”
“Já estamos vendo algumas consequências, em relação ao atendimento e à qualidade do serviço, da adoção, pelo governo Tarcísio de Freitas, da mesma linha de política econômica de privatizações implementada no País por Bolsonaro e Guedes”, relata José Faggian, presidente do Sintaema, sindicato que representa os trabalhadores em água, esgoto e meio ambiente do estado. Os relatos que chegam dão conta da exigência, em Monte Mor, de pagamento em atraso apenas com parcelamento no cartão de crédito, o que torna a dívida gigantesca. Uma comunidade no Guarujá está há mais de dez dias sem água e há dificuldade para religamentos. “Vários Procons regionais têm ingressado na Justiça contra a Sabesp por situações como essa”, diz. Há problemas também em relação ao atendimento e às tarifas subsidiadas, que vão subir por conta da nova regra para os reajustes. Estima-se aumento, em 2026, três vezes maior do que o reajuste histórico. A provável nova crise hídrica neste ano, por conta da questão climática, “será a grande prova de fogo”.
Para os trabalhadores, os prejuízos são imensos. A remuneração dos funcionários, boa parte com 25 a 30 anos de empresa e grande conhecimento do setor de saneamento, é superior àquela média do mercado, mas isso nunca impediu a empresa de ser lucrativa e eficiente. “Esses trabalhadores hoje estão sendo vistos pela administração privada como personas non gratas na empresa. No primeiro plano de demissão voluntária, saíram 2.040 e, no segundo, 150. Agora preparam o terceiro e último PDV”, diz o sindicalista. As pressões e as demissões não se restringem à Sabesp e se assemelham ao que ocorre nos EUA de Trump. Segundo os jornais, na terça-feira 16, o economista Ivan Paixão, após gritar “sem anistia” diante do governador, em um bar, foi demitido por ordem direta de Freitas.
Freitas evoca JK, mas inventa uma nova teoria econômica: o setor privado resolve a desigualdade
A crise aprofunda-se também na educação, aponta o economista Thomaz Ferreira Jansen, do Dieese, que atua no sindicato dos professores. Com a adoção sistemática da contratação de temporários, cerca de metade dos docentes da rede estadual de ensino está nessa situação. A relação de aprendizagem hoje é mediada por plataformas, implantadas pelo secretário da Educação, Renato Feder. O professor recebe arquivos de aula em PowerPoint e projeta o conteúdo em sala. As tarefas e a chamada dos alunos são monitoradas por plataformas, usadas para controlar o processo de aprendizagem e, principalmente, os professores e os indicadores de desempenho, com rankings dos docentes que condicionam a trajetória e as possibilidades de ascensão na carreira. “Essa é a grande novidade que o governo coloca em relação às escolas”, sintetiza Jansen. Reflexo da privatização parcial da educação, por meio da chamada plataformização do ensino, a nota dos alunos no Ideb, o exame nacional, caiu abaixo dos números da pandemia. Enquanto isso, o governador aprovou a flexibilização do gasto com educação, de 30% da receita para o mínimo legal de 25%, o que implicou a perda de 10 bilhões de reais no orçamento setorial.
Igualmente no setor de transporte ferroviário, a experiência mostra que o discurso de eficiência não corresponde à prática, relata Lourival Pereira dos Santos Júnior, secretário do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias da Zona Central do Brasil. “As linhas 8 e 9, que eram as melhores da CPTM, depois da privatização são campeãs de reclamação e têm causado um caos para o povo de São Paulo, resultado do descaso e da falta de comprometimento da concessionária que apenas visa o lucro”, aponta o sindicalista. “A privatização não é apenas uma questão de gestão, é um retrocesso social que compromete tanto o direito da população a um transporte público de qualidade quanto a dignidade dos trabalhadores que constroem esse serviço diariamente.”
O governador não atendeu aos pedidos de entrevista ou de esclarecimentos. •
Dos tucanos ao ornitorrinco
A qualidade do anti-Lula piora a cada eleição
por Sergio Lirio
Tarcísio de Freitas em momento de reflexão – Imagem: iStockphoto
A eleição de Lula em 2002 abalou as convicções dallagnolescas da turma da bufunfa. Até aquele outubro, e desde o fim da ditadura, os candidatos da elite haviam conseguido exorcizar o fantasma do “trabalhismo”. Primeiro, arquitetaram o caçador de marajás, Fernando Collor, mais tarde cassado por corrupção, e na sequência, por duas eleições, carregaram nos ombros o príncipe dos sociólogos, Fernando Henrique Cardoso. Quando o metalúrgico, enfim, triunfou, após três derrotas consecutivas, os donos do dinheiro se apegaram ao ditado “há males que vêm para o bem”. Estavam convencidos do irremediável e retumbante fracasso do “sapo barbudo” no primeiro mandato, de modo a enterrar não só o lulismo, mas também o petismo, o varguismo, o desenvolvimentismo e todos os demais ismos que encarnam a vontade popular. O Brasil voltaria aos eixos, às mãos de seus capitães hereditários, escolhidos pela graça divina. O lema do brasão paulista, o âmago desse pensamento, ecoaria do Oiapoque ao Chuí. Non ducor, duco. Conduzo, não sou conduzido.
Lá se vão 23 anos. A despeito do Mensalão e da Lava Jato, Lula faturou três eleições e em duas emplacou a pupila Dilma Rousseff. Voltou ao poder em 2022, mas poderia ter retornado quatro anos antes, não fosse a infame condenação que o tirou da corrida presidencial arquitetada na República de Curitiba por um juiz parcial e um Ministério Público a serviço de interesses estrangeiros.
Nestas duas décadas, o anti-lulismo, a cada fracasso, sobreviveu do ódio e do wishful thinking. Emburreceu. Quem tem por dever e interesse o hábito de acompanhar o debate político no País é frequentemente submetido a um filme repetido e modorrento. Um ano antes das eleições, o adversário da vez do PT está virtualmente eleito nas páginas de jornais e revistas, nos sites, nos programas de rádio e tevê e, mais recentemente, nos grupos de WhatsApp. Seja quem for, venha de onde vier, é imbatível, sagaz, carismático, excelente gestor, “moderado”, moderno – em contraste com um Lula envelhecido, ultrapassado e “extremista”. No caldo das esperanças e desejos misturam-se os ingênuos e os espertalhões, pois todos os dias saem de casa um malandro e um otário. E quando os dois se encontram, surge um negócio.
Assim o dicionário define o autoengano: um processo psicológico, muitas vezes inconsciente, onde um indivíduo mente para si mesmo, aceitando informações falsas ou distorcendo a realidade para evitar verdades dolorosas. E a verdade dolorosa para muitos é que Lula continua favorito a se manter na principal cadeira do Palácio do Planalto até 2030, apesar da idade
e das dificuldades do atual mandato. Se o favoritismo
se confirmar nas urnas eletrônicas do próximo ano, convém ao presidente reservar ao menos um parágrafo do discurso de vitória para agradecer
ao camarada Trump.
Outra verdade dolorosa: a qualidade do anti-Lula piora a cada eleição. Os adversários já foram José Serra, Geraldo Alckmin e, vá lá, Aécio Neves (no caso de Dilma). Bem ou mal, eram de outra estirpe. Em 2022, foi a vez de Bolsonaro, que conseguiu o feito mitológico de se tornar o primeiro presidente no exercício do cargo a não ser reeleito (e o primeiro golpista condenado da história nacional). Os sabichões da Faria Lima agora apostam suas fichas – e algumas moedas – no governador paulista Tarcísio de Freitas, um oxímoro ambulante, o bolsonarista “moderado”. Trocaram os tucanos por um ornitorrinco.
Publicado na edição n° 1380 de CartaCapital, em 24 de setembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A quadratura do círculo’
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