Procurar nas feições do futuro vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, sinais do clima que cerca os trabalhos da equipe de transição é perda de tempo. O ex-tucano e neocompanheiro pula as cascas de banana, contorna as pedras no caminho e faz ouvidos moucos às desavenças e reclamações sem alterar a expressão de esfinge. Enquanto Lula, retornado das viagens ao Egito e a Portugal, recupera-se em São Paulo da fadiga na garganta que o obriga a tomar vários copos d’água por dia, Alckmin testa em Brasília, até onde lhe é autorizado, os limites da relação com os negociantes do Congresso e os sabotadores entrincheirados nos ministérios do governo Bolsonaro. Aos trancos e barrancos, o processo segue o seu curso, à exceção de dois assuntos cruciais: a PEC que busca liberar 175 bilhões de reais para os gastos sociais e a mínima recomposição do orçamento e a composição do grupo de trabalho de Defesa e Inteligência. Apesar de eclipsada pela discussão sobre o ajuste fiscal e pelo chilique do mercado financeiro, a demora em indicar os representantes que vão conversar com o comando militar, somada à insistência de bolsonaristas em colocar em xeque o resultado das eleições, dá a dimensão do mal-estar entre os eleitos e as Forças Armadas.
Na terça-feira 22, Alckmin tentou dissipar a nuvem escura. Prometeu para a quinta-feira 24, data de fechamento desta edição, a divulgação do GT para a área de Defesa e negou “dificuldades” com os militares. “É importante ter um bom projeto estratégico para o País. Estamos amadurecendo propostas e buscando bons nomes”, declarou em entrevista no Centro Cultural de Brasília, QG da equipe de transição. “Vamos ouvir todo mundo, conversar, este é o bom caminho.” Resta saber se os militares estão dispostos a percorrer a mesma estrada. As últimas semanas indicam o contrário. A demora em anunciar os nomes do grupo de trabalho, em descompasso com as demais áreas de governo, resulta da divergência entre os vencedores e os generais. Lula e o PT acham que os oficiais, sócios de Bolsonaro no desastre, querem garantias demais. Em resumo, os fardados almejam um salvo-conduto e gostariam de um processo lento, gradual e seguro de “desmame” da máquina pública (quase 7 mil integrantes das Forças Armadas ocupam cargos comissionados ou cadeiras em conselhos de administração de estatais), de um ministro da Defesa de sua confiança – e não da confiança do presidente da República – e da manutenção dos investimentos e de algumas regalias acumuladas desde o impeachment de Dilma Rousseff.
Lula tem encontrado dificuldades para escolher um ministro da Defesa capaz de mediar o conflito
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