A pressão das armas

Os militares instigam o golpismo, enquanto negociam posição privilegiada na transição

Imagem: Mateus Bonomi/Agif/AFP

Apoie Siga-nos no

Procurar nas feições do futuro vice-presidente da República, Geraldo ­Alckmin, sinais do clima que cerca os trabalhos da equipe de transição é perda de tempo. O ex-tucano e neocompanheiro pula as cascas de banana, contorna as pedras no caminho e faz ouvidos moucos às desavenças e reclamações sem alterar a expressão de esfinge. Enquanto Lula, retornado das viagens ao Egito e a Portugal, recupera-se em São Paulo da fadiga na garganta que o obriga a tomar vários copos d’água por dia, Alckmin testa em Brasília, até onde lhe é autorizado, os limites da relação com os negociantes do Congresso e os sabotadores entrincheirados nos ministérios do governo Bolsonaro. Aos trancos e barrancos, o processo segue o seu curso, à exceção de dois assuntos cruciais: a PEC que busca liberar 175 bilhões de reais para os gastos sociais e a mínima recomposição do orçamento e a composição do grupo de trabalho de Defesa e Inteligência. Apesar de eclipsada pela discussão sobre o ajuste fiscal e pelo chilique do mercado financeiro, a demora em indicar os representantes que vão conversar com o comando militar, somada à insistência de bolsonaristas em colocar em xeque o resultado das eleições, dá a dimensão do mal-estar entre os eleitos e as Forças Armadas.

Na terça-feira 22, Alckmin tentou dissipar a nuvem escura. Prometeu para a quinta-feira 24, data de fechamento desta edição, a divulgação do GT para a área de Defesa e negou “dificuldades” com os militares. “É importante ter um bom projeto estratégico para o País. Estamos amadurecendo propostas e buscando bons nomes”, declarou em entrevista no Centro Cultural de Brasília, QG da equipe de transição. “Vamos ouvir todo mundo, conversar, este é o bom caminho.” Resta saber se os militares estão dispostos a percorrer a mesma estrada. As últimas semanas indicam o contrário. A demora em anunciar os nomes do grupo de trabalho, em descompasso com as demais áreas de governo, resulta da divergência entre os vencedores e os generais. Lula e o PT acham que os oficiais, sócios de Bolsonaro no desastre, querem garantias demais. Em resumo, os fardados almejam um salvo-conduto e gostariam de um processo lento, gradual e seguro de “desmame” da máquina pública (quase 7 mil integrantes das Forças Armadas ocupam cargos comissionados ou cadeiras em conselhos de administração de estatais), de um ministro da Defesa de sua confiança – e não da confiança do presidente da República – e da manutenção dos investimentos e de algumas regalias acumuladas desde o ­impeachment de Dilma Rousseff.

Lula tem encontrado dificuldades para escolher um ministro da Defesa capaz de mediar o conflito

Leia essa matéria gratuitamente

Tenha acesso a conteúdos exclusivos, faça parte da newsletter gratuita de CartaCapital, salve suas matérias e artigos favoritos para ler quando quiser e leia esta matéria na integra. Cadastre-se!

Para proteger e incentivar discussões produtivas, os comentários são exclusivos para assinantes de CartaCapital.

Já é assinante? Faça login
ASSINE CARTACAPITAL Seja assinante! Aproveite conteúdos exclusivos e tenha acesso total ao site.
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

2 comentários

PAULO SERGIO CORDEIRO SANTOS 29 de novembro de 2022 02h50
O mal deve ser cortado pela raiz e esses mais de 4 mil militares aboletados no governo Bolsonaro devem voltar para a caserna, patrulhar as fronteiras já que lá o crime organizado internacional é público e notório e de conhecimento geral da nação. Não cabe ao militar se imiscuir de questões políticas. Bolsonaro aparelhou o Estado brasileiro de militares, colocando-os em ministérios técnicos como saúde, da educação sem o menor preparo e conhecimento acadêmico. Por pura veleidade canhestra e de má fé as pastas foram preenchidas com o desiderato de intimidar a sociedade além de agradar as categorias militares. Num país recorde de desemprego, em que mais de 30 milhões de pessoas passam fome, ter tantos benefícios a uma categoria desvirtuada de suas funções é mais que indecente é pactuar com o desperdício de dinheiro público e não cumprir princípios da administração pública da legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência em desrespeito total ao Estado e à sociedade para beneficiar uma determinada casta.
ricardo fernandes de oliveira 26 de novembro de 2022 21h21
o erro foi o primeiro governo civil não fazer uma espécie de tribunal de nuremberg ao chegar ao poder, levando a julgamento todos os elementos, fardados ou não, que cometeram toda sorte de crimes durante a ditadura. os argentinos fizeram isso, e essa interferencia nefasta e reincidente acabou. estamos com esse problema desde 1889. cada vez que chegam ao poder, deixam um rastro de destruição. e, sabedores do que fizeram, para sair querem um salvo conduto.

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.