Política

A PEC do recall e o flerte com o modelo parlamentarista

Para cientista político da UFABC, revogação do mandato presidencial cria instabilidade e empodera falsamente a população

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Uma proposta de revogação do mandato presidencial a partir de uma petição dos eleitores, a chamada “PEC do recall”, avançou na terça 20 no Senado Federal com a aprovação unânime do relatório na Comissão de Constituição e Justiça da Casa. Em seu bojo, a PEC 21/2015 pode, porém, trazer ainda mais instabilidade para o sistema político atual.  

A proposta de revogação do mandato do presidente dependerá de assinaturas de 10% dos eleitores que compareceram ao último pleito, distribuídas em pelo menos 14 estados e não menos de 5% em cada um deles.

De acordo com o texto, a proposta de revogação será apreciada pela Câmara e pelo Senado, sucessiva e separadamente, e, para ser aprovada, precisará do voto favorável da maioria absoluta dos membros de cada uma das Casas.

Garantida a aprovação, será então convocado referendo popular para ratificar ou rejeitar a medida. No caso no caso de ser aprovada a revogação, o vice-presidente da República sucederá o presidente. Além disso, um dos “jabutis” inseridos na proposta não estende a possibilidade de revogar o mandato de governadores ou prefeitos. 

A aprovação repercutiu na Câmara dos Deputados. Segundo informações do G1, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a proposta de recall não avançará entre os deputados.

Maia justificou-se mencionando que a proposta criaria “fragilidade” e um cenário de “instabilidade” para os presidentes. A sugestão do presidente da Câmara é que, em vez do recall, discuta-se diretamente o parlamentarismo para o Brasil.

Diante da possibilidade de recall e de outras propostas que orbitam as discussões sobre reforma política no Congresso, o cientista social Vitor Marchetti acredita que, no fundo, está se desenhando exatamente um modelo parlamentarista, diante do enfraquecimento da estabilidade do presidente. 

“Se vamos ficar produzindo esse nível de instabilidade para o presidencialismo, para que ele se pareça cada vez mais com o parlamentarismo – com chefe do Executivo sem mandato, podendo ser revogado a depender da conjuntura – seria melhor discutir a sério tal possibilidade e não a criação de mecanismos para enfraquecer o presidente no presidencialismo”, analisa o professor de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC). 

Para Marchetti, o mecanismo, da forma como está descrito na proposta, também tem potencial de agravar o clima de instabilidade política, uma vez que não há no texto uma definição clara dos motivos que poderiam levar à petição pela saída do presidente eleito.

“Já consigo antever que todo presidente eleito será vitimado pelo pedido de recall. Como o processo pede só 10% dos eleitores em 14 estados, os derrotados na eleição poderão facilmente se mobilizar para criar esse factoide”, afirma. 

O processo de recall, como descrito na PEC, reveste-se como um instrumento para aumentar o controle popular sobre os governantes. Na prática, porém, pode-se cair em um democratismo vazio, com a população a todo tempo opinando sobre autoridades eleitas, mas sem oferecer condições para dar sequência à agenda governamental.

“A PEC do recall falsamente empodera a sociedade civil, já que, na realidade, quem vai propor um recall nesses termos certamente serão os partidos derrotados nas eleições e organizações sociais. Não é um mecanismo para ouvir a vontade popular”, diz.

Marchetti lembra, ainda, que uma das propostas de reforma política em debate extinguiria o cargo de vice-presidente. “Como essas coisas se combinariam? As discussões estão desarticuladas. A todo momento, o sistema político pensa em fórmulas mágicas para salvar a democracia brasileira. Todos querem ser o pai da grande solução, ainda que a solução não tenha qualquer efetividade”, lamenta.  

 

 

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