“Por onde o furacão passou, o cenário é desolador”, afirma Alexander Mauz sobre a situação no Haiti após a passagem do ciclone Matthew. O coordenador de projetos para a América Central da Federação de Trabalhadores Samaritanos relata edifícios destruídos e árvores arrancadas. Estradas quase não são mais transitáveis. Não há eletricidade nem água corrente.
Desde a última sexta-feira (07), Mauz se encontra na região particularmente afetada de Les Cayes, no sudoeste do país. Com ventos de até 230 km/h, o furacão atingiu a ilha caribenha na última terça-feira. Desde então, Les Cayes está isolada do resto do Haiti.
De acordo com o Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma), 90% das casas na região costeira ao Sul estão inabitáveis. Somente agora, uma semana depois, a dimensão da destruição se torna visível. As organizações de ajuda humanitária só conseguem chegar a outras partes da região.
“Muitos haitianos estão em pânico. A tensão aumenta a cada dia. Eles têm medo de cólera e outras epidemias”, diz Mauz. Segundo ele, os habitantes da ilha estão acostumados com tais furacões. Mas, agora, a coragem está se transformando em desespero.
O Fundo da ONU para a Infância (Unicef) alertou para a propagação de epidemias, já que dezenas de milhares de pessoas não têm acesso à água potável. Vários casos de cólera já foram relatados em todo o país. Principalmente a situação de segurança está tensa.
“Quando as doações são repartidas, a situação pode evoluir muito rapidamente para violência. O governo haitiano aconselha que a ajuda seja distribuída somente em bases da polícia”, afirma Mauz. Segundo o Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha), quase metade dos 11 milhões de haitianos foram afetados pela devastação. De acordo com a Defesa Civil, ao menos 336 pessoas morreram.
“Foi tudo em vão”
A comunidade internacional injetou bilhões de ajuda na nação caribenha. Durante anos, o país foi criticado por ter desperdiçado 90% do dinheiro destinado à reconstrução – para custos de pessoal, aviões e aparato administrativo. Os trabalhos de reconstrução foram administrados pelas Nações Unidas e por diversas organizações de ajuda humanitária.
Uma dessas organizações é a Caritas Internacional. Nos últimos três anos, ela vem implementando um projeto para prevenção de catástrofes. Antigamente, além da necessária ajuda emergencial ao Haiti, o programa também fez um trabalho de prevenção a longo prazo das consequências de tais catástrofes.
No contexto desse programa, também foram erguidos edifícios construídos para resistir a furacões e terremotos, explica Kathrin Göb, coordenadora da Caritas para o Haiti.
As pessoas deveriam ser levadas em segurança para esses prédios. Embora eles ainda não estivessem prontos, 500 pessoas procuraram ali abrigo, podendo sobreviver ao furacão, conta Göb. Segundo ela, a Caritas também treinou os chamados comitês de proteção contra catástrofes em várias comunidades, de forma que possam trabalhar junto às autoridades de Defesa Civil e definir rotas de evacuação.
“Somente agora pudemos saber até que ponto essas medidas funcionaram e se fomos capazes de reduzir os danos”, diz Göb. “Nós seguimos o princípio da autoajuda, realizamos um trabalho de longo prazo com nossos parceiros”, prossegue a coordenadora. “Mas quando ocorre um furacão dessa magnitude, tudo é em vão. Agora precisamos reconstruir tudo rapidamente. Acredito que vamos plantar novas árvores e espero que elas sobrevivam à próxima tempestade.”
Catástrofes, corrupção e violência
As organizações de ajuda humanitária concordam que muito tem dado errado após o terremoto de 2010. A administração não funciona bem, não existe aparato de segurança eficiente e a corrupção é generalizada. Segundo Kathrin Göb, depois do terremoto, todas as entidades de ajuda tiveram que lidar com esses problemas.
No Haiti, a crise política se tornou um permanente estado de coisas. O país se encontra paralisado devido a uma disputa entre o governo e a oposição. O resultado das últimas eleições foi anulado devido a acusações de fraude. Em fevereiro último, o ex-chefe de governo Michel Martelly deixou o cargo sem um sucessor eleito. Desde então, o país é governado pelo presidente interino Jocelerme Privert.
Na realidade, um novo presidente deveria ter sido eleito no último domingo. As autoridades cancelaram as eleições devido ao furacão Matthew. “A catástrofe é utilizada para se fazer campanha eleitoral”, destaca Mauz. “Eu não tenho a impressão de que o governo se importa, atualmente, com o bem-estar da população. Nisso, nada mudou nos últimos cinco ou seis anos.”