Política

A manipulação da ‘ética’

As pesquisas e as eleições mostram que a sociedade não segue o uso político da moralidade

A pauta é outra. Saúde e segurança no topo das preocupações. Foto: Paulo Whitaker/Reuters
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Lula ganhou a eleição presidencial em 2002. Tinha uma aprovação pessoal grande e a avaliação do governo dele em nível elevado. A oposição não sabia como se opor àquele governo que não naufragou de imediato como ela esperava e torcia. Frustrou-se.

O governo fez o dever de casa. Foi comedido, comportado, conservador. Sacrificou o crescimento econômico pelo superávit primário. Embora tivesse base de apoio no Congresso capaz de permitir ousadias, conteve-se. O programa Bolsa Família, criado em 2003, é uma exceção que confirma a regra.

Em 2005, no entanto, explodiu a denúncia do “mensalão” e despertou na oposição o velho sentimento moralista da extinta UDN. Era a bandeira que faltava para guiar as insatisfações e retomar o poder para os tucanos. Delenda Lula.

Entrou em ação a “banda de música” udenista e com ela o uso político, ou manipulação, do tema corrupção, ampliado pelas trombetas da mídia. A ética foi escancaradamente banalizada e alcançou até mesmo a tradicional distribuição de cargos da máquina pública. Antes aceita, passou a ser condenada. Chegou-se à criminalização da política. Alguns índices de abstenção no primeiro turno das eleições municipais de 2012, ainda em curso, refletem isso.

Apesar disso, a propaganda do combate à corrupção não deu certo. Em 2006, Lula foi reeleito e, em 2010, elegeu Dilma. Um ás que tirou da manga.

O que falhou no golpe da oposição? Basicamente, faltou combinar com o eleitor. Chegou-se a achar que o povão, o eleitor pobre, não tinha ética. O povo, porém, como apregoa conhecido refrão, não é bobo. Tinha, na verdade, a informação essencial transmitida pelos benefícios de uma administração que resgatava milhões de marginalizados para incluí-los no processo econômico. A coisa não para por aí. Tem mais.

Recentemente, Márcia Cavallari, diretora-executiva do Ibope, concluiu um levantamento sobre mudança na agenda dos “principais problemas brasileiros”, segundo o eleitor. Os dados são tirados, essencialmente, das pesquisas daquele instituto. Em 21 anos, de 1989 a 2010, houve alterações significativas nessa agenda.

Observados os porcentuais do levantamento e, claro, principalmente os resultados das urnas nesse período, fica bem visível que o eleitor, embora condene, não vê a corrupção como principal adversário. No período pesquisado, o combate a esse crime baixou do quinto para o sexto lugar no elenco dos problemas a partir da queda de 5 pontos porcentuais na escala das indicações.

Curiosidade à margem do tema: caiu radicalmente a preocupação com a inflação, diminui significativamente a preocupação com a habitação e desapareceu a referência à dívida externa. Contrariamente, porém, surgiram as drogas com porcentual elevado na lista de apreensões dos brasileiros.

Essa preocupação secundária com o combate à corrupção mostra que os eleitores entregam o voto para candidatos preocupados com a inflação – FHC valeu-se disso para ganhar a eleição montado no Plano Real –, com a saúde, com a educação, a segurança pública e o desemprego. Por fim, porém não menos importante, a distribuição de renda.

O eleitor sabe do que precisa. O moralista que duvidar que atire nele a primeira pedra.

Andante Mosso

Ordem no ambiente I


Para o governo, o Código Florestal é página virada. Havia a expectativa de que a presidenta Dilma fizesse dois ou três vetos ao projeto aprovado no Congresso que desconstruía a MP do governo.

Dilma decidiu, porém, com a mão pesada. Essencialmente, o impasse entre o governo e os ruralistas estava nas mudanças que afrouxavam as regras de recuperação ambiental para os grandes e médios proprietários, que representam 75% dos territórios e 10% das propriedades.

No Congresso, as mudanças estendiam a eles a concessão que é feita aos pequenos proprietários, que controlam 25% dos territórios e 90% das propriedades.

Ordem no ambiente II


Serão feitos o recadastramento e uma varredura em 5 milhões de propriedades hoje sujeitas à lei, de 1965, ignorada pelos ruralistas. A tarefa vai exigir um mutirão formado por órgãos da União, dos estados, das prefeituras e, também, dos movimentos sociais.

Há um esforço para concluir pelo menos 50% do trabalho até a eleição de 2014, para esvaziar o discurso dos ambientalistas. Dilma quer rir por último.

Serra: isto ou aquilo?


Usar o “mensalão” como arma de ataque a Haddad pode ser mais do que um “tiro no pé” para  Serra. O tiro pode ter acertado e matado as chances de vitória dele. O paulistano cultiva  profunda rejeição a Serra exatamente por ele viver com a cabeça fora  de São Paulo e focada  em Brasília. Candidato a prefeito, em 2012, Serra só aumentou as dúvidas na cabeça do  eleitor de que,  se eleito prefeito, disputaria, em 2014, a Presidência.

Erro de cálculo


O governador Sérgio Cabral confirmou que Luiz Fernando Pezão, vice dele, será candidato do  PMDB ao  governo fluminense em 2014.  Isso põe fim à já estremecida aliança com o PT que   indicou Adilson Pires para compor, como vice, a chapa da recente reeleição do prefeito Eduardo  Paes.  A decisão de Cabral  atropela Lindbergh Farias. Deve ter falhado a articulação  de Cabral, junto ao PT, para afastar o senador Lindbergh da disputa para o governo estadual.

O “atropelamento”, por esse erro político, consolida a candidatura do petista, que em 2010 se elegeu para o Senado com quase 30% dos votos válidos no estado.

Data venia


Por que o ministro Ayres Britto, presidente do STF, permite que o ministro Joaquim Barbosa ultrapasse os limites da fidalguia e tangencie a brutalidade quando interpela quem discorda dele? O pulso frágil de Britto jogou lenha e expõe a fogueira que arde no STF.

Semana parlamentar


Em má hora, a Câmara dos Deputados mudou o regimento interno e oficializou a semana


de três dias de trabalho. Na prática é o que já ocorre. Atuam somente às terças, quartas e quintas.

Essa jornada privilegiada é chamada em Brasília de “Semana TQQ”.

O ovo e o voto


A candidatura da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB) à prefeitura de Manaus (AM) pode ser vítima de erro de cálculo dos marqueteiros. Exploraram à exaustão o episódio no qual,  durante um comício, ela foi atingida por um ovo. Vanessa marcou seu perfil como mulher  combativa.

Os marqueteiros, nesse momento, a transformaram em vítima frágil. O eleitor reagiu negativamente. Pesquisas qualitativas do Ibope comprovam isso.

Biografia: Graciliano


Nas comemorações de 120 anos de nascimento de Graciliano Ramos, a editora Boitempo relança o livro O Velho Graça: Uma biografia de Graciliano Ramos, de Dênis de Moraes.


A nova edição, revista e ampliada, tem um texto exemplar de Alfredo Bosi, embora mantenha o prefácio original de Carlos Nelson Coutinho. Destaco uma história inédita, integrante dessa nova edição.

Graciliano cruzou casualmente com Getúlio Vargas meses depois de sair da cadeia. Era 1937. Ainda morava em modestíssima pensão na Rua Corrêa Dutra, próximo ao Palácio do Catete.

Como sempre, à noite, ele fazia um passeio pela Praia do Flamengo. Certa vez, mais ou menos às 22 horas, entrou na deserta Rua Barão do Flamengo. Em direção contrária vinha um homem baixinho, gorducho, de paletó e gravata, sozinho. Reconheceu-o. Era Getúlio, que tinha, também, o hábito do passeio após o jantar.

“Boa noite”, disse o ditador. Graciliano não respondeu.


Vingou com o silêncio os dez meses e dez dias, entre 1935 e 1936, que ficou encarcerado, sem processo ou culpa formada, como ocorre nas ditaduras.

Lula ganhou a eleição presidencial em 2002. Tinha uma aprovação pessoal grande e a avaliação do governo dele em nível elevado. A oposição não sabia como se opor àquele governo que não naufragou de imediato como ela esperava e torcia. Frustrou-se.

O governo fez o dever de casa. Foi comedido, comportado, conservador. Sacrificou o crescimento econômico pelo superávit primário. Embora tivesse base de apoio no Congresso capaz de permitir ousadias, conteve-se. O programa Bolsa Família, criado em 2003, é uma exceção que confirma a regra.

Em 2005, no entanto, explodiu a denúncia do “mensalão” e despertou na oposição o velho sentimento moralista da extinta UDN. Era a bandeira que faltava para guiar as insatisfações e retomar o poder para os tucanos. Delenda Lula.

Entrou em ação a “banda de música” udenista e com ela o uso político, ou manipulação, do tema corrupção, ampliado pelas trombetas da mídia. A ética foi escancaradamente banalizada e alcançou até mesmo a tradicional distribuição de cargos da máquina pública. Antes aceita, passou a ser condenada. Chegou-se à criminalização da política. Alguns índices de abstenção no primeiro turno das eleições municipais de 2012, ainda em curso, refletem isso.

Apesar disso, a propaganda do combate à corrupção não deu certo. Em 2006, Lula foi reeleito e, em 2010, elegeu Dilma. Um ás que tirou da manga.

O que falhou no golpe da oposição? Basicamente, faltou combinar com o eleitor. Chegou-se a achar que o povão, o eleitor pobre, não tinha ética. O povo, porém, como apregoa conhecido refrão, não é bobo. Tinha, na verdade, a informação essencial transmitida pelos benefícios de uma administração que resgatava milhões de marginalizados para incluí-los no processo econômico. A coisa não para por aí. Tem mais.

Recentemente, Márcia Cavallari, diretora-executiva do Ibope, concluiu um levantamento sobre mudança na agenda dos “principais problemas brasileiros”, segundo o eleitor. Os dados são tirados, essencialmente, das pesquisas daquele instituto. Em 21 anos, de 1989 a 2010, houve alterações significativas nessa agenda.

Observados os porcentuais do levantamento e, claro, principalmente os resultados das urnas nesse período, fica bem visível que o eleitor, embora condene, não vê a corrupção como principal adversário. No período pesquisado, o combate a esse crime baixou do quinto para o sexto lugar no elenco dos problemas a partir da queda de 5 pontos porcentuais na escala das indicações.

Curiosidade à margem do tema: caiu radicalmente a preocupação com a inflação, diminui significativamente a preocupação com a habitação e desapareceu a referência à dívida externa. Contrariamente, porém, surgiram as drogas com porcentual elevado na lista de apreensões dos brasileiros.

Essa preocupação secundária com o combate à corrupção mostra que os eleitores entregam o voto para candidatos preocupados com a inflação – FHC valeu-se disso para ganhar a eleição montado no Plano Real –, com a saúde, com a educação, a segurança pública e o desemprego. Por fim, porém não menos importante, a distribuição de renda.

O eleitor sabe do que precisa. O moralista que duvidar que atire nele a primeira pedra.

Andante Mosso

Ordem no ambiente I


Para o governo, o Código Florestal é página virada. Havia a expectativa de que a presidenta Dilma fizesse dois ou três vetos ao projeto aprovado no Congresso que desconstruía a MP do governo.

Dilma decidiu, porém, com a mão pesada. Essencialmente, o impasse entre o governo e os ruralistas estava nas mudanças que afrouxavam as regras de recuperação ambiental para os grandes e médios proprietários, que representam 75% dos territórios e 10% das propriedades.

No Congresso, as mudanças estendiam a eles a concessão que é feita aos pequenos proprietários, que controlam 25% dos territórios e 90% das propriedades.

Ordem no ambiente II


Serão feitos o recadastramento e uma varredura em 5 milhões de propriedades hoje sujeitas à lei, de 1965, ignorada pelos ruralistas. A tarefa vai exigir um mutirão formado por órgãos da União, dos estados, das prefeituras e, também, dos movimentos sociais.

Há um esforço para concluir pelo menos 50% do trabalho até a eleição de 2014, para esvaziar o discurso dos ambientalistas. Dilma quer rir por último.

Serra: isto ou aquilo?


Usar o “mensalão” como arma de ataque a Haddad pode ser mais do que um “tiro no pé” para  Serra. O tiro pode ter acertado e matado as chances de vitória dele. O paulistano cultiva  profunda rejeição a Serra exatamente por ele viver com a cabeça fora  de São Paulo e focada  em Brasília. Candidato a prefeito, em 2012, Serra só aumentou as dúvidas na cabeça do  eleitor de que,  se eleito prefeito, disputaria, em 2014, a Presidência.

Erro de cálculo


O governador Sérgio Cabral confirmou que Luiz Fernando Pezão, vice dele, será candidato do  PMDB ao  governo fluminense em 2014.  Isso põe fim à já estremecida aliança com o PT que   indicou Adilson Pires para compor, como vice, a chapa da recente reeleição do prefeito Eduardo  Paes.  A decisão de Cabral  atropela Lindbergh Farias. Deve ter falhado a articulação  de Cabral, junto ao PT, para afastar o senador Lindbergh da disputa para o governo estadual.

O “atropelamento”, por esse erro político, consolida a candidatura do petista, que em 2010 se elegeu para o Senado com quase 30% dos votos válidos no estado.

Data venia


Por que o ministro Ayres Britto, presidente do STF, permite que o ministro Joaquim Barbosa ultrapasse os limites da fidalguia e tangencie a brutalidade quando interpela quem discorda dele? O pulso frágil de Britto jogou lenha e expõe a fogueira que arde no STF.

Semana parlamentar


Em má hora, a Câmara dos Deputados mudou o regimento interno e oficializou a semana


de três dias de trabalho. Na prática é o que já ocorre. Atuam somente às terças, quartas e quintas.

Essa jornada privilegiada é chamada em Brasília de “Semana TQQ”.

O ovo e o voto


A candidatura da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB) à prefeitura de Manaus (AM) pode ser vítima de erro de cálculo dos marqueteiros. Exploraram à exaustão o episódio no qual,  durante um comício, ela foi atingida por um ovo. Vanessa marcou seu perfil como mulher  combativa.

Os marqueteiros, nesse momento, a transformaram em vítima frágil. O eleitor reagiu negativamente. Pesquisas qualitativas do Ibope comprovam isso.

Biografia: Graciliano


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Graciliano cruzou casualmente com Getúlio Vargas meses depois de sair da cadeia. Era 1937. Ainda morava em modestíssima pensão na Rua Corrêa Dutra, próximo ao Palácio do Catete.

Como sempre, à noite, ele fazia um passeio pela Praia do Flamengo. Certa vez, mais ou menos às 22 horas, entrou na deserta Rua Barão do Flamengo. Em direção contrária vinha um homem baixinho, gorducho, de paletó e gravata, sozinho. Reconheceu-o. Era Getúlio, que tinha, também, o hábito do passeio após o jantar.

“Boa noite”, disse o ditador. Graciliano não respondeu.


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