Política

A ‘maldição’ da placa quebrada

O destino parece estar se encarregando de punir os três personagens que, em 2018, protagonizaram uma das mais grotescas cenas daquelas eleições

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Na política, não existe maldição. Mas algo, no mínimo, semelhante parece atingir três personagens que, em 2018, protagonizaram uma das mais grotescas cenas daquelas eleições: a quebra de uma placa de rua confeccionada com o nome da vereadora Marielle Franco, do PSOL, assassinada cinco meses antes. Registrada por fotógrafos, a imagem virou símbolo da onda bolsonarista que varreu o Brasil. Tanto é que seus três protagonistas terminaram eleitos. Wilson Witzel a governador, Daniel Silveira a deputado federal e Rodrigo Amorim a deputado estadual. O tempo passou e a sorte do trio, virou. Witzel perdeu seu mandato por participação em um esquema de corrupção. Silveira, apenas “da graça” concedida há poucos dias pelo presidente Jair Bolsonaro, terá seu mandato na Câmara cassado. Já Amorim, o mais votado para a Alerj em 2018, corre contra o tempo para se reeleger e evitar um processo que ameaça seu mandato.

Ex-policial militar com 60 sanções disciplinares – a maioria por mau comportamento – e sem nenhuma experiência prévia na política, Silveira passaria despercebido pelo Congresso não fosse o uso constante das redes sociais para manifestar suas opiniões, salpicadas por ameaças aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Orgulhoso após a vitória nas urnas, o deputado chegou a mandar emoldurar as duas metades da placa quebrada, deixou uma delas em seu gabinete e enviou outra a Amorim. Agora, provavelmente terá que encontrar nas próximas semanas outro local para exibir o objeto, tratado como “relíquia” pela ala mais empedernida do bolsonarismo.

Talvez não seja na cela de uma cadeia, já que a condenação de Silveira pelo STF a 8 anos e nove meses de prisão por ameaças às instituições e à democracia foi anulada com a canetada presidencial. A decisão monocrática de Bolsonaro é amparada pela Constituição e o Código de Processo Penal, mas a interpretação de diversos juristas é que ela é cabível apenas à pena de prisão, e não se estende às decisões do STF pela perda do mandato e dos direitos políticos do deputado.

“A graça presidencial extingue a punibilidade, mas não alcança os demais efeitos da condenação criminal, nos termos da súmula 631 do STJ. Ou seja, o deputado Daniel Silveira, mantida a integridade do decreto, terá extinta a punibilidade e não cumprirá pena, porém perderá seus direitos políticos”, avalia o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.

A outra metade da placa quebrada e emoldurada tem mais chances de continuar na parede onde se encontra, já que Rodrigo Amorim deverá ser o puxador de votos do PTB, seu atual partido, para a Alerj. Mas, também corre o risco de ter que mudar de endereço se um processo por improbidade administrativa que tramita desde 2020 provocar a perda de seu mandato.

Amorim, que foi candidato a vice-prefeito do Rio na chapa de Flávio Bolsonaro em 2016, é acusado de ter sido funcionário fantasma da prefeitura de Mesquita, na Baixada Fluminense, entre 2014 e 2016. Segundo a Procuradoria Geral do Município, o deputado teria embolsado R$ 82 mil sem jamais ter aparecido para trabalhar. Mesquita, segundo o IBGE, tem a pior renda per capita do estado do Rio de Janeiro. No processo, a PGM pede a cassação do mandato de Amorim e também a perda de seus direitos políticos por dez anos.

Enquanto isso não acontece, Amorim segue sendo um dos parlamentares que veste melhor o figurino do bolsonarista. Na falta de projetos de lei ou ações sociais mais contundentes, ele aposta em ações espetaculosas promovidas pelo mandato para conquistar a reeleição junto ao eleitorado conservador. Nos últimos anos, notabilizou-se por ações como a “Cruzada da Educação”, na qual invade escolas públicas para enquadrar professores “comunistas” ou “adeptos da ideologia de gênero” denunciados por alunos. Também foi protagonista da tentativa de transformar o programa Bairro Seguro, do governo estadual, em plataforma para “expulsar a maconha e os maconheiros” dos bairros boêmios da Lapa e de Santa Teresa.

Na Alerj, seu projeto mais debatido foi o que pretendia privatizar a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Em sua última aparição pública, em março, Amorim protocolou na Alerj uma moção de repúdio à produtora Porta dos Fundos e entrou na Justiça para pedir a retirada do filme “Peçanha contra o Animal”, produzido pelo grupo. O deputado fez referência específica à cena em que uma policial militar prova sêmen humano: “Há muito tempo esses sujeitos debocham da PM e ridicularizam a corporação. Mas, agora passaram dos limites”, disse.

Daniel Silveira e Rodrigo Amorim posam novamente com placa quebrada de Marielle Franco.  VEJA/Divulgação

Completando o trio, a “maldição da placa quebrada” atingiu em pleno voo as pretensões políticas do ex-governador Wilson Witzel. Após a impressionante escalada eleitoral que em três semanas o conduziu do anonimato à vitória sobre Eduardo Paes em 2018 e de um início de governo com direito a voos no helicóptero da PM sobre favelas e promessas de “tiro na cabecinha” dos bandidos, o ex-juiz federal foi tragado pelo escândalo de corrupção envolvendo a Secretaria de Saúde e a construção de hospitais de campanha para o combate à pandemia de covid-19.

Afastado temporariamente do cargo em agosto de 2020 e substituído pelo vice, Cláudio Castro, Witzel sofreu impeachment definitivo em abril do ano passado, tornando-se o primeiro governador cassado dessa forma na história do Brasil. Há três semanas, o Superior Tribunal de Justiça negou o pedido de Witzel para voltar ao Palácio Guanabara e reiterou a decisão pelo afastamento definitivo tomada por um Tribunal Especial Misto.

Ainda governador, Witzel se desculpou pela placa quebrada. Já Silveira e Amorim fizeram e publicaram há um mês uma “foto comemorativa” com a placa: “Eu e o Silveira continuamos muito alinhados e tomando decisões em conjunto. Nunca nos arrependemos do gesto, mesmo criticado. Nosso gesto foi de restauração da ordem”, disse o deputado estadual.

A jornalista Fernanda Chaves, sobrevivente do atentado que tirou a vida de Marielle, lamenta que nenhum dos três tenha sido punido pelo gesto encenado naquele palanque em 2018. “Essas três figuras e suas misancenes, juntamente com Bolsonaro, simbolizam, além do ódio e da mentira, a aposta na ruptura das instituições democráticas. Daniel Silveira quebrou a placa que homenageava uma mulher que já tinha morrido, uma autoridade que foi assassinada, e ficou por isso mesmo. Se elegeu. A violência política no Brasil tem endereço certo: atinge na maior parte das vezes as mulheres, os negros e negras, pobres e trabalhadores.”

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