Política

“A ideia é puxar o PSDB para a esquerda”

Carlos Siqueira, novo presidente do PSB, diz que o PT não é o “polo exclusivo de políticas progressistas” e que pedirá atenção de tucanos a questões sociais

(Foto: Divulgação)
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Recém-eleito presidente do PSB, o pernambucano Carlos Siqueira contará com um partido robustecido no Congresso. A legenda conseguiu eleger 34 deputados federais, dez a mais do que tem hoje. No Senado, a bancada também cresceu. Os socialistas não perderam nenhuma cadeira e elegeram mais três. Passarão a contar com sete senadores a partir de 2015. Apesar do êxito eleitoral, o PSB vive um tormentoso período de crise. Grandes lideranças do partido ressentem-se com o apoio declarado à candidatura de Aécio Neves (PSDB) no segundo turno da corrida presidencial. Um grupo ainda maior vê com desconfiança a projeto de fusão do PSB com o PPS de Roberto Freire.

As críticas mais ácidas vêm do ex-presidente Roberto Amaral, um dos principais responsáveis pela refundação do PSB, em 1985, e ex-ministro da Ciência e Tecnologia de Lula. Ao aliar-se aos tucanos, o PSB “jogou no lixo o legado de seus fundadores” e “renunciou ao seu futuro”, afirmou Amaral em entrevista à CartaCapital.

Coordenador da campanha presidencial de Eduardo Campos, Siqueira critica a “visão maniqueísta” do colega. “O PSDB é um partido de natureza socialdemocrata. Na medida em que se juntar a duas legendas de esquerda, como é o PSB e o PPS, ele tem a disposição a ter sensibilidade com as questões sociais, que dizem respeito à esquerda. Não considero o PT como polo exclusivo de políticas progressistas”. Na entrevista a seguir, o novo presidente do PSB justifica as escolhas de seu partido nas últimas eleições e fala sobre o futuro dos socialistas. Promissor, afiança.

CartaCapital: O PSB conseguiu ampliar a sua bancada no Congresso, venceu a disputa em Pernambuco com uma votação exuberante e conseguiu ir para o segundo em quatro estados. A que o senhor atribui o êxito eleitoral do partido nestas eleições?Carlos Siqueira: É o fruto de nosso planejamento. Algum tempo atrás, Eduardo Campos solicitou um estudo à Fundação João Mangabeira. Com base neste plano, envolveu todas as instâncias partidárias, as bancadas estaduais e federal, no esforço de cumprir as metas estabelecidas para as eleições de 2010, 2012 e 2014. Todos os objetivos foram alcançados, exceto o relativo à eleição presidencial, por conta da tragédia que vitimou nosso candidato.

CC: Frustrou o fato de o PSB não repetir o feito de 2010, quando elegeu seis governadores, três deles em primeiro turno?
CS: De forma alguma. Nas eleições de 2010, tivemos um resultado nos estados bem acima da meta que havíamos estabelecido. Consideramos aquilo uma exceção. Para um partido de porte médio, como o PSB, eleger um número de governadores superior ao do PMDB, a maior agremiação do País, foi totalmente inesperado. Aquilo não estava em nosso planejamento. Tínhamos a intenção de eleger entre 3 e 4 governadores. É a mesma expectativa que temos em 2014. E já conseguimos eleger um.

CC: Nestas eleições, o grande destaque foi o desempenho do PSB de Pernambuco. Além da exuberante votação de Paulo Câmara, eleito governador com 68% dos votos válidos, o partido fez um senador e oito deputados federais no estado.
CS: Nossa história em Pernambuco é muito antiga. Recife elegeu em 1955 o primeiro prefeito socialista do País, Penópidas da Silveira. A frente popular que elegeu Miguel Arraes a prefeito da capital pernambucana, em 1959, e a governador, em 1962, também tinha uma presença do PSB. Após a refundação do nosso partido, Jamil Haddad e Roberto Amaral fizeram uma aposta muito acertada ao convidar Miguel Arraes para ingressar no PSB em 1990, quando ele ainda estava no PMDB. A presença de Arraes, uma liderança histórica da esquerda brasileira, robusteceu a atuação do partido. Ele dedicou 12 anos de sua vida para organizar o PSB. Desde que Arraes assumiu o comando da legenda, não paramos de crescer. Nunca houve uma diminuição do número de votos entre uma eleição e outra.

CC: É o êxito eleitoral do núcleo pernambucano que justifica certa hegemonia do grupo na direção do partido hoje?
CS: Pernambuco sempre teve certo peso na direção do partido. O êxito eleitoral e o bom desempenho que o partido teve nos últimos anos, sob o comando de presidentes pernambucanos, está refletido na direção nacional. No caso de Arraes, ele era um pernambucano nascido no Ceará (risos). Mas não é um domínio tão esmagador como se propala. Hoje, na Executiva, temos cinco pernambucanos de um total de 38 integrantes. Tem gente de toda a parte. Do Amazonas, do Amapá, do Rio Grande do Sul. Mesmo com as divergências que emergiram nos últimos tempos, buscamos primar por uma representação nacional. Muitos dos que votaram contra o nosso apoio ao candidato Aécio Neves estão na nossa chapa. Não estão mais Roberto Amaral e Luiza Erundina, mas ficaram, por exemplo, os senadores João Capiberibe e Lídice da Mata. Só não permaneceu quem não desejou.

CC: E como fica a situação dos divergentes?
CS: O PSB se caracteriza, desde a sua fundação, por ser um partido da esquerda democrática. Defendíamos a noção de democracia na esquerda quando isso era quase uma heresia. As opiniões contrárias devem ser respeitadas e consideradas. Ninguém é dono da verdade. Mas nos guiamos pela decisão da maioria. Não há outro caminho possível.

CC: A candidatura de Eduardo Campos era consensual no PSB? Era o momento certo para o partido lançar candidatura própria?
CS: A decisão de lançar Campos na corrida presidencial foi acertadíssima. Não fosse a tragédia que o vitimou, talvez seria ele, e não Aécio, quem estaria no segundo turno com Dilma Rousseff. Havia resistências? Sim, algumas. Superamos todas elas. Não há razão de um partido com pretensões ao poder, tendo uma liderança do porte de Eduardo Campos, se recusar a lança-lo à Presidência da República. Ele tinha 49 anos, havia sido deputado estadual, federal, ministro de Estado, governador duas vezes. Não tinha nada a perder. E, do ponto de vista partidário, essa é uma maneira de apresentar propostas para o País e tornar o partido mais conhecido. Sempre digo: time que não joga não atrai torcedor. Para entrar no jogo político, um partido deve lançar candidatura própria para todos os cargos majoritários possíveis.

CC: Como o senhor avalia a passagem de Marina Silva pelo PSB?
CS: O PSB a acolheu após a Justiça Eleitoral negar o registro da Rede. Foi uma filiação democrática, prática muito comum na história republicana. Quando o Partido Comunista entrou na ilegalidade, diversas legendas de esquerda ofereceram abrigo para aqueles que ficaram alijados do processo eleitoral. Acolhemos Marina. Naquele momento, a repercussão foi extremamente positiva, porque estava ingressando no partido uma liderança que teve 20 milhões de votos nas eleições de 2010 e que somaria muito bem no nosso projeto nacional. Especulou-se muito sobre a possibilidade de ela ser a cabeça de chapa, e não Eduardo Campos. Nós sempre fomos muito incisivos de que não havia possibilidade disso acontecer. Marina aceitou sair como vice e, após o desastre aéreo, assumiu a candidatura do PSB. Não conseguiu chegar ao segundo turno, mas cumpriu seu papel.

CC: Por que o senhor decidiu abandonar a coordenação da campanha após Marina assumir a candidatura do PSB?
CS: Precisamos ter clareza de um ponto: nós, do PSB e da Rede, somos dois partidos diferentes, com tradições e cultura bem distintas. Temos discordâncias com a Rede, e eles também têm as suas em relação a nós. Mas uma aliança só se faz entre diferentes mesmo. Essas diferenças se manifestavam em vários planos, da organização interna dos partidos à forma de encaminhar as decisões. Somos um partido com mais de 60 anos, temos a tradição de resolver as coisas pelo voto da maioria, por exemplo. A Rede trabalha de forma diferente, com o conceito de consenso progressivo. Além disso, eu acreditava que a coordenação da campanha deveria ser de alguém da confiança de Marina. Houve, de fato, um desentendimento sobre um ponto específico, que nunca revelei à imprensa, tampouco farei isso agora, por isso me afastei. Ela tocou a campanha dela, eu me voltei para o PSB.

CC: Por que Marina não conseguiu manter aquele porcentual de intenções de voto que tinha quando entrou na corrida eleitoral?
CS: Ela tem um porcentual mais ou menos fixado, em torno de 20%, que é a votação obtida em 2010. Com a morte de Campos, houve comoção popular. Isso favoreceu o vertiginoso crescimento dela nas primeiras semanas após a tragédia. Mas a estrutura da campanha não estava preparada para sustentar aquele patamar alcançado. Além disso, a forma como ela reagiu aos ataques do PT foi equivocada. A política é um jogo duro, uma guerra exercida por outros meios. Quem pensa diferente não costuma se dar bem. Ela não reagiu à altura aos ataques dos quais foi vítima.

CC: Então ela desidratou por conta dos ataques do PT?
CS: Em grande parte, sim. Aqueles ataques mereciam uma resposta correspondente. Não foi o que aconteceu. Por outro lado, certas críticas do PT ao programa de Marina tinham algum fundamento. Determinadas propostas encontravam resistência dentro do próprio PSB, como a independência do Banco Central e a desaceleração do pré-sal. Nunca concordamos com isso.

CC: Marina não consultou o PSB para lançar essas propostas?
CS: Sempre que fui consultado, nunca escondi minha opinião.

CC: O senhor buscou se reconciliar com Marina?
CS: Mais recentemente, quando eu estava virtualmente eleito para a presidência do PSB, a mídia veiculou boatos de que ela seria compelida a deixar o partido por conta das divergências comigo. Diziam que minha presença no comando do partido seria constrangedora. Por isso, tomei a iniciativa de telefonar para Marina. Esclareci não ter nada contra a permanência dela e de seu grupo no PSB. Falei claramente: “Vamos acolhê-la pelo tempo que desejar”. Depois, Maria telefonou para me cumprimentar pela vitória nas eleições do partido. Está tudo apaziguado.

CC: Por que o PSB decidiu apoiar Aécio Neves?
CS: Desde o lançamento da pré-candidatura de Eduardo Campos, o PT, por várias frentes, tentou destruir o nosso projeto. Em sua visão exclusivista, o PT não admite que um partido aliado pudesse ter um protagonismo, como vinha tendo o PSB. Aquilo pegou muito mal. É como se nós não tivéssemos o direito de lançar candidatura própria sem pedir licença aos petistas. Identificamos, nisso, um ranço de autoritarismo. Também temos muitas divergências, sobretudo na condução da política econômica. Por várias vezes, Eduardo Campos, quando o PSB ainda estava na base do governo Dilma Rousseff, expressou essas divergências. Também achamos insuficientes os programas sociais do governo petista. Um partido de esquerda pode ir bem mais longe, com políticas mais estruturantes. Portanto, se não temos a mesma visão que o PSDB, o mesmo vale para o PT. Não entramos nesse maniqueísmo do bem contra o mal.

CC: Mas então por que declarar apoio a um dos polos, e não optar pela neutralidade ou pela liberação dos votos?
CS: Fizemos uma opção diferente. Num eventual governo de Aécio Neves, a ideia é tentar puxar o PSDB para a esquerda, da mesma forma como procedemos com o PT. Podemos estar com o PSDB e levar propostas a Aécio, como já levamos e ele concordou, na tentativa de puxá-los mais para o campo social e seguir no campo de centro-esquerda, que é o que nos caracteriza.

CC: Mas o senhor considera o PSDB como de centro-esquerda?
CS: Sim, considero. O que Lula fez quando foi eleito? Convidou um quadro dos mais confiáveis do sistema financeiro internacional e colocou no Banco Central, o senhor Henrique Meirelles. Lula pode fazer isso e, durante oito anos, garantir os maiores lucros que os bancos já tiveram em nosso País. Ainda assim, permanece como dono exclusivo da esquerda. Ele deu continuidade à política econômica de Fernando Henrique Cardoso por oito anos. Não falo isso para criticar, até acho uma decisão acertada. Então por que não podemos estar agora com o PSDB?

CC: Pode fazer o que desejar, mas o PSB fez oito anos de oposição ao governo FHC. E esteve na base de Lula e Dilma.
CS: Sim, mas nunca tivemos essa visão maniqueísta. Nem tudo o que o PSDB fez está errado. Reconhecemos o legado da estabilização econômica feita por FHC. Assim como o legado de Lula, as políticas sociais. Reconhecemos o que houve de positivo de um lado e de outro. Só que a condução da política econômica até Lula é uma coisa. Com Dilma, foi outra. Há um evidente fracasso da atual política econômica. Hoje, temos um pífio crescimento econômico, a inflação quase fora do controle, a balança econômica desfavorável, todos os indicadores são negativos. Não podemos aplaudir essa proposta.

CC: A proposta de Aécio parece mais promissora?
CS: Neste âmbito, sim. E com o PSB presente num eventual governo de Aécio, vamos sempre puxar para a esquerda.

CC: O ex-presidente Roberto Amaral tem uma avaliação diferente. Para ele, é o PSB que está caminhado para a direita.
CS: Não concordo. Exatamente porque não tenho essa visão maniqueísta. O PSDB é um partido de natureza socialdemocrata. Na medida em que se juntar a duas legendas de esquerda, como é o PSB e o PPS, ele tem a disposição a ter sensibilidade com as questões sociais, que dizem respeito à esquerda. Não considero o PT como polo exclusivo de políticas progressistas. Elas podem ser feitas pelo outro polo também, e a realidade mostrará isso se Aécio Neves sair vitorioso do segundo turno, como desejamos.

CC: Houve muitas críticas às alianças feitas pelo PSB para reforçar a sua candidatura à Presidência. O partido flertou com o ruralista Ronaldo Caiado (DEM-GO), abrigou Heráclito Fortes, antiga estrela do DEM, montou palanque com a família Bornhausen em Santa Catarina. O que explica alianças tão heterogêneas?
CS: Quando você tem segurança de seus objetivos, não tem medo de fazer as alianças que forem necessárias. Até porque elas não são determinadas pela sua vontade, e sim pela realidade. Para disputar uma eleição presidencial, precisávamos de palanques estaduais. Assim como precisávamos de tempo de televisão, de recursos financeiros. Agora, se você comparar as alianças que fizemos com aquelas feitas pelo PT, verá que elas foram muito mais amenas e aceitáveis. Ao longo de 12 anos, os petistas mantiveram alianças muito mais questionáveis, com Collor, Sarney, Jader Barbalho, Renan Calheiros e companhia.

CC: Sim, mas Eduardo Campos e Marina Silva foram muito incisivos na crítica a essas alianças espúrias ou de conveniência.
CS: Campos não criticava as alianças, e sim o que o PT fez com elas. Uma coisa é fazer alianças. Outra é não ter política própria e entregar pedaços do Estado brasileiro a determinadas figuras, para a condução de políticas que prejudicam o País ou que permitiram o elevado grau de corrupção que se viu nos últimos anos.

CC: O senhor diz que a aliança com Aécio Neves foi programática. No entanto, a deputada Luiza Erundina diz que a reunião para definir a posição do PSB no segundo turno foi um jogo de cartas marcadas. Aécio esperava à porta para receber o apoio. E, segundo ela, nenhuma proposta foi apresentada à candidatura tucana até o PSB tornar pública a sua aposta.
CS: Anunciamos, naquele momento, um indicativo de apoio. Mas também criamos uma comissão, da qual faço parte, para redigir propostas a Aécio. E ele aceitou. Foram dois momentos distintos.

CC: Em que pé estão as negociações de fusão do PSB com o PPS de Roberto Freire? Qual é a estratégia por trás desse movimento?
CS: De fato, essa é uma ideia que vinha sendo explorada por Eduardo Campos durante a pré-campanha. Eu mesmo participei de conversas com ele e Roberto Freire. Mas isso ainda é uma hipótese que está ainda sendo discutida. Não podemos decidir nada de afogadilho. Precisar ver o que é melhor. Fusão ou incorporação? Em que momento? Não é apenas da soma das bancadas de uma e de outra legenda. A ideia é criar um partido socialista mais forte, com a ampliação da base social do partido, com a ampliação das bancadas parlamentares na Câmara e no Senado, nas Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores. A discussão está em curso, mas precisa tomar todo o partido, tanto o PSB como o PPS. E precisamos de um cronograma.

CC: Há negociações com outros partidos, como PEN e PHS?
CS: Temos conversas. Mas, primeiro, precisamos chegar a este acordo com o PPS. Depois disso, podemos pensar em outros partidos, e não só os pequenos. Podemos ir atrás dos grandes.

CC: Quem mais está no radar do PSB?
CS: Não convém anunciar para não atrapalhar as negociações.

CC: Num eventual governo de Aécio Neves, o PSB já travou negociações sobre postos em ministérios?
CS: Não, isso é uma impropriedade completa. Em toda a sua história, o PSB jamais discutiu o apoio a um candidato em troca de participação no governo. Se ela acontecer, será de forma natural. Mas não condicionamos o apoio à oferta de cargos.

CC: O PSB apresentará um candidato à presidência em 2018?
CS: Sou defensor intransigente dessa tese. Um partido que se preze deve disputar todos os cargos majoritários em todas as eleições, exceto quando for conveniente fazer uma composição em primeiro turno. Time que não joga não tem torcida.

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