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A PF está perto de concluir os últimos inquéritos contra Jair Bolsonaro, que sonha com a anistia

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Em campanha. O capitão move mundos e fundos para recuperar os direitos políticos e concorrer em 2026 – Imagem: Nelson Almeida/AFP
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A Polícia Federal prepara-se para encerrar os dois últimos inquéritos contra Jair Bolsonaro. Na sede da corporação, são recorrentes os comentários de que as investigações sobre a tentativa de golpe e a “Abin paralela” acabam em novembro. A partir da conclusão dos casos, haverá uma intensificação de uma batalha para provar à opinião pública que o quebra-quebra de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, fez parte de um plano organizado com braços, técnicas e inteligência militares, não mero vandalismo. A invasão do Palácio do Planalto seria sintomática. Segundo um policial, baseado em comunicações trocadas pelos invasores, a disposição da turba era permanecer no local até a volta de Bolsonaro ao poder. Tomar a sede do governo é um clássico em tentativas de golpe. Aconteceu contra Hugo Chávez e o Palácio ­Miraflores na Venezuela em 2002, quase se repetiu contra o equatoriano Rafael Correa e o Palácio Carondelet em 2015.

Quando a PF terminar sua parte, a bola estará com o procurador-geral da República, único autorizado a propor ações penais no Supremo Tribunal Federal. ­Paulo Gonet não quis agir durante a eleição municipal para evitar a suspeita de interferência na campanha. Cálculo político que um procurador-geral não tem de fazer, na avaliação de quem esteve no posto de 2003 a 2005, Claudio Fonteles. Gonet ganhou tempo após a PF culpar o ex-presidente em dois inquéritos finalizados em 2024. Naquele do cartão de vacina anti-Covid, requereu à PF novas investigações para saber se a falcatrua teria sido usada por Bolsonaro ao entrar em dezembro de 2022 nos Estados Unidos. As autoridades norte-americanas informaram inexistir registro capaz de atestar ou não o uso. Em relação ao comércio de joias, Gonet solicitou à PF laudos e documentos.

O “xerife” parece interessado em ter em mãos os quatro inquéritos que alvejam Bolsonaro para só então decidir como levar o ex-presidente ao banco dos réus. Em Brasília, circulou algumas vezes que Gonet gostaria de unir tudo em uma única acusação, hipótese que o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, subprocurador-geral aposentado, vê como “espetáculo” desnecessário da Procuradoria e “tecnicamente um erro”.

O ex-capitão deposita esperança em uma hipotética “intervenção” de Trump a seu favor

O caso da tentativa de golpe é aquele em que, tudo indica, Gonet se sente mais à vontade. Ele era representante da Procuradoria no Tribunal Superior Eleitoral quando do processo contra Bolsonaro por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, caracterizados naquela reunião com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada, às vésperas da campanha de 2022. Aos diplomatas, Bolsonaro deu a entender que o pleito seria roubado para Lula pelo TSE. Em julho de 2023, por causa da reunião, foi condenado a oito anos de inelegibilidade. Gonet disse no julgamento: “O chamado à desconfiança nas eleições (…) provocou reações de desabrida e descomedida desconfiança de parcela da população sobre a legitimidade dos resultados nas urnas”. Mais: os atos pró-Bolsonaro na porta de quartéis e em rodovias derivaram do “chamado à desconfiança” e “estão ainda presentes e nítidas as imagens do dia 8 de janeiro último de destruição e de acinte aos poderes constituídos”.

O quebra-quebra em Brasília foi o clímax não somente do “chamado à desconfiança”, mas de uma série de acontecimentos nos dois meses finais de 2022. Dias em que o caldeirão do golpismo ferveu.

Em 28 de novembro de 2022, circulou uma missiva assinada por oficiais da ativa para pressionar o então chefe do Exército, Marco Antônio Freire Gomes. Intitulava-se “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro”. Os signatários se declaravam “atentos a tudo que está acontecendo e que vem provocando insegurança jurídica e instabilidade política e social no País”. O texto prosseguia: “Covardia, injustiça e fraqueza são os atributos mais abominados para um soldado”. O Exército abriu uma sindicância sobre o texto, em 2023, no governo Lula. A apuração terminou em agosto último com punição disciplinar de 26 militares (um sargento, um major, três tenentes, nove tenentes-coronéis e 12 coronéis).

Dilema. Gonet vai apresentar denúncias separadas ou uma só peça acusatória? – Imagem: Rosinei Coutinho/STF

Quatro dos punidos, todos coronéis, foram alvo em seguida de um inquérito policial militar, por indícios de crimes previstos no Código Penal Militar: publicar crítica a um superior (artigo 166, com pena de dois meses a um ano de prisão) e incitar desobediência, indisciplina ou crime militar (artigo 155, com pena de dois a quatro anos). O quarteto teria concebido e redigido a carta. Segundo o IPM, os três violaram os artigos 155 e 166. Agora cabe ao Ministério Público Militar examinar a papelada e acusar, ou não, o trio perante a Justiça. O quarto só não foi considerado culpado graças a uma liminar.

Os quatro eram coronéis da ativa em 2022 e dois ainda são. Anderson Lima de Moura é um dos que seguem na atividade. Em 26 de novembro de 2022, antevéspera da publicação da carta, Mauro César ­Barbosa Cid, chefe dos ajudantes de ordem de Bolsonaro na Presidência, enviou o telefone de Moura, por mensagem de celular, a um tenente-coronel, Sérgio Ricardo Cavaliere Medeiros, tido pela PF como peça do núcleo bolsonarista responsável por semear mentiras a respeito das urnas eletrônicas. Foi interrogado em 22 de fevereiro de 2023 e questionado sobre o motivo de Cid ter-lhe dado o número de ­Moura. O assunto, admitiu, era a carta. Numa troca de mensagens com Cid, havia perguntado antes da divulgação do texto: “O 01 sabe disso?” Referência a ­Bolsonaro, o “zero um”. Sim, respondeu Cid.

A versão final chegou ao ajudante de ordens enviada por outro coronel, Bernardo Romão Correa Neto, à época assistente do comandante militar do Sul. Coube a Romão organizar uma reunião dos “kids pretos” em 28 de novembro de 2022, em Brasília, na qual se supõe que a redação do texto foi finalizada e os passos a seguir, definidos. A carta veio à baila primeiramente por meio de um colaborador da Rádio Jovem Pan, Paulo ­Figueiredo, neto do falecido ditador João Baptista ­Figueiredo. A operação visava constranger ­Freire ­Gomes, sem o apoio do qual Bolsonaro não conseguiria anular a derrota na eleição com um decreto discutido com o general e o comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, em 7 de dezembro de 2022 no Alvorada. “Cagão”, escreveria a respeito de Gomes, numa mensagem de ­WhatsApp de 14 de dezembro de 2022, outro general, Walter Braga Netto. O mesmo Braga Netto que, em 18 de novembro, havia dito a fiéis de Bolsonaro, na porta do Alvorada: “Vocês não percam a fé, tá bom?, é só o que eu posso falar para vocês agora”. No dia da mensagem, houve outra reunião a respeito do decreto entre Freire Gomes, Garnier e o comandante da FAB, Carlos de Almeida Baptista Jr., com o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.

Fora do alcance. Por enquanto, o Supremo do Brasil não se submete à vontade de Trump – Imagem: Redes Sociais Donald Trump 2024 e Gustavo Moreno/SFT

Além de Moura, foram considerados culpados pelo IPM do Exército no episódio da carta os coronéis Carlos Giovani Pasini, na reserva desde janeiro de 2023, e José Otávio Rezo Cardoso, na reserva desde dezembro de 2022. Pasini entrou na política. Em 2018, concorreu a deputado estadual no Rio Grande do Sul pelo partido Patriota. O quarto coronel atingido pelo IPM, o do processo suspenso por liminar judicial, é Alexandre Castilho Bitencourt da Silva, ainda na ativa, assessor, em 2018, do chefe do Exército na ocasião, Eduardo Villas Bôas, a quem Bolsonaro agradeceu ao assumir a Presidência, em janeiro de 2019, e deu um cargo no Planalto.

Moura e Pasini foram interrogados pela PF em 6 de novembro. Idem Nilton ­Diniz Rodrigues, coronel em 2022 e promovido a general em 2023. Rodrigues foi nomeado em outubro de 2022 como assessor de Freire Gomes no comando do Exército. Não se sabe se teria sido ouvido pela polícia como testemunha ou investigado. Ele foi citado numa reportagem recente do UOL, segundo a qual seguranças de Lula e do juiz Alexandre de ­Moraes, do Supremo, de serviço em 8 de janeiro de 2023 teriam sido identificados previamente pelo nome e pelo armamento por parte de militares bolsonaristas. Sabia-se que Moraes tinha os passos vigiados em dezembro de 2022 pelo chefe da inteligência paralela de Bolsonaro, o ­coronel ­Marcelo Costa Câmara, mas não no ­período do 8 de Janeiro de 2023.

Bolsonaro e seus milicos estão encrencados, mas a eleição de Donald Trump enche o ex-presidente de esperança. Ele torce para que o futuro governo dos EUA force o Brasil a mandar ao lixo as investigações. Um dos filhos do capitão, o deputado Eduardo, esteve na mansão de Trump, na Flórida, para acompanhar a apuração da eleição norte-americana e até conseguiu incluir no convescote um ex-ministro do Turismo do pai, Gilson Machado. “O Brasil não é prioridade para um Trump que voltará com muitas coisas por implementar, fez muitas promessas, enfrentará resistências. Não acredito (em pressão), apesar da dinâmica transnacional que conecta a ultradireita mundo afora. Confio nas instituições brasileiras, veja a queda de braço de Elon Musk (dono do ­ex-Twitter e apoiador de Trump) e o Supremo, e o STF prevaleceu”, afirma Dawisson Belém ­Lopes, professor de Política Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais.

Bolsonaro não está sozinho. As digitais golpistas de vários militares foram identificadas

Trump pode não pressionar, mas tende a dar mau exemplo. Na campanha, prometeu anistiar os condenados pela invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Chegou a escrever em uma rede social que o perdão seria um de seus três primeiros atos na volta ao poder. Condenados e acusados aguardam pelo indulto à vista.­ ­Jaimee Avery, moradora do estado do Arizona, solicitou à Justiça a revisão de sua sentença após o republicano regressar à Casa Branca. Christopher Carnell, do estado da Carolina do Norte, requisitou o adiamento do julgamento para depois da posse. Os pedidos foram negados. A invasão do Capitólio é o maior caso da história do Departamento de Justiça dos EUA, com mais de 1,2 mil presos e 400 condenados.

A anistia aos golpistas brasileiros é tema presente nas negociações para a escolha dos futuros presidentes da Câmara e do Senado, em fevereiro. O PL, partido de Bolsonaro, colocou a reivindicação na mesa em troca de voto. Na Câmara, o atual chefe, Arthur Lira, do PP, abraçou a candidatura de Hugo Motta, do Republicanos, e, no intuito de atrair o PT, deu um jeitinho de tentar retirar o tema das conversas. Resolveu criar uma comissão especial para debater a lei. Uma comissão do gênero leva tempo para terminar. Curiosamente, Lira declarou à Folha de S.Paulo em 31 de outubro: “Vamos dar uma solução para isso dentro do meu mandato”. Como será possível, é um mistério. Em dezembro, o Congresso funciona durante três semanas e em janeiro, em nenhuma.

E Motta? O 8 de janeiro de 2023 foi um “episódio triste”, afirma, mas é preciso evitar “que injustiças sejam cometidas com pessoas que têm levado condenações acima daquilo que seria o justo”. O capo do partido de Motta, o deputado Marcos Pereira, era o candidato de fato à sucessão de Lira, mas desistiu, por desavença com Gilberto Kassab, mentor do PSD. Para Pereira, não existiu tentativa de golpe, por falta de “liderança, pessoas da alta cúpula das Forças Armadas”. Tudo se resume a “um bando de vândalos depredando espaços públicos”. “Essas pessoas não foram (à Praça dos Três Poderes) brincar. Elas não foram levar a família para passear. Foram tentar dar um golpe de Estado”, contrapôs recentemente o advogado-geral da União, Jorge Messias.

Imagem: Redes sociais

Moacir José dos Santos foi condenado pelo Supremo a 17 anos de cadeia em outubro de 2023, no segundo julgamento dos golpistas pela Corte. É um candidato à anistia. Foi preso pela polícia em Cascavel, no Paraná, em 9 de novembro e constava entre os cerca de 60 foragidos escondidos na Argentina. Em outubro, Moraes havia requerido a extradição de todos, a pedido da PF.

Outros três fugitivos haviam sido encarcerados em setembro, em caráter preventivo (ainda vão ser julgados). Todos concorreram ao cargo de vereador. ­Marcos Geleia Patriota disputou pelo Novo em Céu Azul, no Paraná. Aos 48 anos, recebeu meros 32 votos num município de 11 mil habitantes. Jonatas “Locutor” Henrique Pimenta, de 31 anos, também fracassou em Olímpia, no interior paulista. Conseguiu 44 votos pelo PRTB, a sigla de Pablo Marçal, numa cidade de 55 mil almas. O pastor Dirlei Paiz saiu-se melhor em Blumenau, Santa Catarina. Aos 44 anos, era suplente de vereador desde 2021, pelo Patriota, e agora obteve votos para repetir a dose pelo PL (1.795, numa cidade de 361 mil habitantes). Resta saber se tomará posse e será anistiado. Ou se será um dos “bagrinhos” punidos enquanto os tubarões se safam. •

Publicado na edição n° 1337 de CartaCapital, em 20 de novembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A hora H’

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