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A fatura do clima

Não basta mobilizar 1,3 trilhão de dólares por ano, é preciso saber onde e como investir, avalia Izabella Teixeira

A fatura do clima
A fatura do clima
“A demanda por energia não para de crescer”, alerta a ex-ministra – Imagem: Rony Santos/Folhapress
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Sou uma pessoa pragmática, mas também otimista.” É com esse espírito que a bióloga Izabella Teixeira – ministra do Meio Ambiente no governo Dilma Rousseff – aguarda a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP30, que será realizada em Belém daqui a dois meses. Copresidente do Painel Internacional sobre Recursos Naturais da ONU, Teixeira tem viajado pelo mundo e, por onde passa, ouve que o Brasil é o melhor lugar para sediar o evento, especialmente em um momento em que o sistema multilateral sofre ataques de Donald Trump e um novo desenho para se atingir as metas ambientais globais precisará ser feito sem o apoio político e financeiro dos EUA, que abandonaram o Acordo de Paris. Nesta entrevista a Maurício Thuswohl, a ex-ministra também fala sobre os caminhos para destravar discussões como o financiamento às adaptações climáticas e a substituição dos combustíveis fósseis, além de explicar dois conceitos que ela tem defendido: a adição energética e a transição da terra. A íntegra, em vídeo, está disponível no canal de CartaCapital no YouTube.

CartaCapital: Quais as suas expectativas em relação à COP30?
Izabella Teixeira: O Brasil tem um importante desafio ao presidir a COP em um momento complexo para o sistema de cooperação internacional. Muitos apostam em mudanças estruturais dentro e fora do sistema multilateral. A questão climática já não se restringe ao debate da ONU, e a presidência brasileira na conferência é precedida pelas do G20 e do BRICS+, fóruns estratégicos em temas como energia, agricultura e moedas de comércio. Isso mostra que o clima é tratado em diferentes contextos, com múltiplos interlocutores. A COP30 é o espaço de preservação do Acordo de Paris, o único legalmente vinculante, com 196 países signatários – menos um, com a saída dos EUA. Será a primeira realizada com as mudanças climáticas já em curso. O problema deixou de ser para 2100, a natureza mudou. Precisamos mudar também.

CC: Há margem para avanços em Belém?
IT: O presidente da COP30 provocou algo inovador: a discussão da Action Agenda, que traz ao ambiente multilateral atores do setor privado, do mercado financeiro, da academia e da sociedade civil para atuarem na aceleração de soluções climáticas. Isso é disruptivo e pode transformar a governança internacional do clima. O desafio é implementar soluções já disponíveis e aprovadas pelos próprios países. O diferencial da presidência brasileira é criar um novo contexto político para avançar a agenda. E o que mais ouço é: “Ainda bem que é o Brasil que está presidindo a COP”.

CC: Como desatar nós como a substituição dos combustíveis fósseis?
IT: Há tensões e pautas complexas, como a transitional way e o banimento do petróleo. Haverá muito debate e surgirão novos atores para enfrentar esse desafio. Já não é um problema futuro: o risco climático está entre nós e vai ocupar a agenda mundial nos próximos anos. Precisamos promover desenvolvimento com a natureza como aliada, não como vítima. As soluções colocadas na mesa são muito favoráveis para que o Brasil tenha não só protagonismo na COP30, mas também nos novos modelos de negócio e de economia que busquem inclusão social e redução das desigualdades.

“O mundo está em guerra. As condições geopolíticas que permitiram construir o Acordo de Paris não existem mais”

CC: O prometido auxílio financeiro aos países mais pobres continua bloqueado. O governo brasileiro anunciou um esforço para captar 1,3 trilhão de dólares até 2035, mas ainda estamos muito longe desse patamar…
IT: Precisamos entender que o mundo está em guerra. As condições geopolíticas que permitiram construir o Acordo de Paris não existem mais. Há dez anos, o risco climático era projetado para o fim do século, mas ele está ocorrendo agora, com o aquecimento acelerado dos últimos quatro anos e o rompimento da barreira de 1,5°C, o limite que a ciência aponta como mais seguro até 2100 para garantir qualidade de vida no planeta.

O financiamento climático está diretamente relacionado ao desenvolvimento. O BNDES, por exemplo, já dedica 25% de suas operações à chamada renda verde. A transição energética não acontece da noite para o dia. As Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) precisam estar ancoradas em instrumentos reais de implementação. O setor privado vai investir sem considerar o risco climático? Não se trata apenas de mobilizar 1,3 trilhão de dólares anuais, nem de dizer “me dá um dinheiro aí”, e sim de responder: para quê? Em Belém, especialistas estudam formas de financiar a descarbonização. Países com soluções podem avançar com menos dependência. Os demais exigirão cooperação real.

CC: Surgem novos conceitos, como adição energética e transição da terra…
IT: Há uma demanda crescente por energia. A população mundial aumentou muito e deve chegar a 10 bilhões até 2050. Além disso, o mundo digital exige cada vez mais eletricidade. Por isso estamos vivendo um cenário de adição, não de substituição energética. A China é um exemplo: amplia fontes renováveis, mas também usinas a carvão. O conceito de energy addition considera a substituição progressiva de combustíveis fósseis por renováveis. Nunca se investiu tanto em solar, eólica, offshore, baterias e eletrificação, mas também nunca se investiu tanto em petróleo. O grande desafio é mudar a matriz energética e a economia global, pois não há desenvolvimento sem energia. A descarbonização precisa atingir todas as cadeias de valor.

CC: E a transição da terra?
IT: Para a descarbonização, são necessários recursos naturais como terra e água. Minerais críticos são essenciais, por exemplo, para fabricar baterias, computadores e radares. Não podemos, porém, adotar soluções que causem novos desequilíbrios ambientais. A ideia da land resource transition é propor uma transição no uso dos recursos naturais. Países como China, África do Sul e Indonésia possuem muita riqueza natural e petróleo. É preciso definir um modelo de desenvolvimento que descarbonize a economia e, ao mesmo tempo, proteja a natureza. Isso requer tecnologia e visão estratégica. •

Publicado na edição n° 1379 de CartaCapital, em 17 de setembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A fatura do clima’

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