Política
A extrema cautela de Boulos em relação a Tabata e ao apelo a ‘voto útil’ na retal final
Disputa acirrada em São Paulo impulsionou o debate sobre estratégia no primeiro turno; outros fatores tornam a situação delicada no campo progressista


A três dias do primeiro turno, o “voto útil” virou um tema central à direita e à esquerda em São Paulo. O prefeito Ricardo Nunes (MDB) tenta convencer os eleitores de Pablo Marçal (PRTB) de que é o único capaz de derrotar Guilherme Boulos (PSOL), enquanto o candidato de esquerda espera atrair apoiadores de Tabata Amaral (PSB) neste domingo 6.
Há diferenças de estratégia: a campanha de Nunes apela abertamente ao “voto útil”, inclusive na TV. É uma das consequências da disputa fratricida na direita paulistana, ante a postura dúbia de Jair Bolsonaro (PL) sobre a eleição. Para Boulos, porém, não é tão simples buscar de modo incisivo os eleitores de Tabata.
Embora a campanha do PSOL não peça abertamente o “voto útil” para tentar barrar um segundo turno com dois candidatos de direita, a militância o faz. Consciente do movimento, Tabata mudou de postura nos últimos dias e subiu o tom contra Boulos em debates, comícios e postagens nas redes sociais.
“O cara faz uma campanha fraca, renega pautas históricas do partido e aí não empolga ninguém. E você tem que mudar seu voto para ele não ficar de fora do segundo turno?”, questiona a deputada em um vídeo publicado no fim da noite da quarta-feira 2.
A gota d’água para Tabata foi um manifesto de artistas e intelectuais a favor do “voto útil” pró-Boulos. Entre os signatários estão Arnaldo Antunes, Arrigo Barnabé, Beatriz Bracher, Juca Kfouri, Lilia e Luiz Schwarcz, Marilena Chauí, Milton Hatoum e Nando Reis.
Para Tabata, trata-se de “conteúdo partidário disfarçado de carta pela democracia”. Ela também tem repetido nos últimos dias, com base em projeções de pesquisas, que Boulos não conseguiria vencer Nunes no segundo turno e ainda poderia perder para Marçal.
A equipe de Guilherme Boulos percebeu o movimento de Tabata Amaral, mas adota extrema cautela na reação. A CartaCapital, o deputado estadual Paulo Fiorilo (PT), um dos coordenadores da candidatura do psolista, afirmou que a campanha não teve qualquer responsabilidade sobre a elaboração do manifesto e que o “voto útil” só será assunto em um eventual segundo turno.
“Tabata está cumprindo o papel dela, ela tem de fazer a campanha, pedir votos. Faz parte do debate, da posição e da postura dela. Acho que ela tem até, depois, de avaliar como vai se portar“, ponderou o petista. “A eleição acaba no dia 6. No dia 7, a gente tem de dialogar com todo mundo.”
Fiorilo não vê na conduta de Tabata um obstáculo para o diálogo a partir da semana que vem. Segundo ele, a eleição envolve o debate, a defesa de pautas e as críticas. “Depois a gente conversa. Não tem crise.”
Questionado se considera natural receber o apoio de Tabata no segundo turno, Paulo Fiorilo afirmou não “antecipar o debate”. Para a reta final desta primeira etapa, já sem o benefício da propaganda na TV, o deputado defende que Boulos reforce seus atos na periferia, em busca de um sprint decisivo.
A moderação da campanha de Boulos resulta de um cenário sensível. O risco de apostar em um chamado aberto ao “voto útil” é derrubar pontes com os partidos dos candidatos prejudicados, dificultando ou inviabilizando uma aliança no segundo turno. No caso do PSB de Tabata, há uma dificuldade extra, uma vez que a legenda abriga o vice-presidente Geraldo Alckmin, controla dois ministérios e foi peça importante da frente ampla em torno de Lula (PT) em 2022.
Em entrevista a CartaCapital no fim de setembro, o deputado federal licenciado Rui Falcão, liderança do PT diretamente envolvida na campanha de Boulos, já havia rechaçado a possibilidade de pedir “voto útil” no primeiro turno.
Na ocasião, Falcão disse contar com o endosso de Tabata caso Boulos confirme sua chegada ao segundo turno. Um exemplo mencionado por ele é a postura de Simone Tebet (MDB) em 2022: foi a terceira colocada no primeiro turno presidencial e declarou apoio a Lula contra Jair Bolsonaro na segunda votação. Desde o início do governo, ela chefia o Ministério do Planejamento.
Por fim, além do aspecto diplomático, o debate sobre o “voto útil” em São Paulo decorre do extremo equilíbrio da disputa. Uma pesquisa Real Time Big Data divulgada nesta quarta-feira 2 aponta Boulos com 26% das intenções de voto, seguido por Nunes e Marçal, com 25% cada. Tabata surge com 11%, um índice que, apesar de não levá-la ao segundo turno, pode ser decisivo para os rumos da eleição. Ao contrário do que desejavam aliados do candidato do PSOL, a deputada apresenta tendência de alta em alguns levantamentos na reta decisiva.
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