Política

“A esquerda não deve temer denúncias de corrupção”

Para o filósofo Renato Janine, as manifestações que tomaram o Brasil podem não ter efeitos imediatos, mas reforçam a ideia de participação

"A esquerda não deve temer denúncias de corrupção", diz Renato Janine
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A esquerda não deve temer a bandeira anticorrupção apresentada nas manifestações que tomaram conta do Brasil em junho. É o que diz o filósofo político Renato Janine, professor da Universidade de São Paulo. “A esquerda, não sei o porquê, está com muito medo das denúncias de corrupção. Não deveria ter. Quando se denuncia a corrupção, ela acha que é um ataque à esquerda. Não deveria considerar isso, até porque o PT durante muito tempo foi um partido que exigiu o fim da corrupção”, afirma, em entrevista para um documentário sobre os protestos produzido pelo site de CartaCapital. O lançamento está previsto para as próximas semanas.

Segundo Janine Ribeiro, protestos como os que ocorreram no Brasil acontecem desde que milhares de jovens foram às ruas da França em maio de 1968. Todos eles, desde o Occupy Wall Street e a Primavera Árabe, destaca, têm características em comum: são totalmente imprevisíveis, decorrem de uma causa aparentemente mínima, mobilizam milhares de pessoas e raramente têm um efeito imediato. “O resultado imediato é pequeno, geralmente os políticos tradicionais voltam a tomar conta, o próprio caso do Egito e da Tunísia, com vitória de fundamentalistas depois de uma rebelião democrática, é sinal disso. Mas a médio e longo prazo, isso fica. Ninguém lembra hoje quem foram os deputados da vitória esmagadora da direita após maio de 1968 na França, mas todo mundo lembra de maio de 68.”

Abaixo, trechos da entrevista (confira, em breve, outras partes da conversa no documentário):

O QUE FICA DAS MANIFESTAÇÕES

O que fica destas manifestações é uma convicção de que os serviços públicos são muito ruins, que as pessoas podem protestar e a convicção de cada vez mais gente de que eles são ruins por falta de transparência ou até mesmo corrupção. O fato de que não existe informação adequada sobre contratos de transporte coletivo, o fato de que as pessoas pagam impostos e têm direitos como cidadãos e ainda assim é muito mal atendido. Isso é o que ficou.

Os governantes em especial deveriam prestar muita atenção a isso porque levaram um enorme susto. O fato de que a popularidade da presidenta tenha caído praticamente pela metade em menos de um mês é um sinal, não só para ela ou para o PT, para toda a categoria política no Brasil.

RELAÇÃO COM A SOCIEDADE

Esses protestos são diferentes de uma coisa convencional de movimento social ou greve, por exemplo, porque não têm exatamente uma pauta de reivindicações. São uma nova forma de conceber a relação do cidadão com a sociedade. Uma forma diferente de as pessoas se organizarem e lutarem por uma melhor qualidade naquilo que o Estado oferece. Como isso vai ser incorporado, se vai ser mais bem assumido pela esquerda ou pela direita, é outra questão. O ponto de partida é que as pessoas não querem mais um Estado que funcione tão mal.

REIVIDICAÇÕES

O Brasil não é um país com uma cultura política forte, pelo menos não no sentido tradicional. Quando se destampa a panela de pressão sai de tudo, até gente querendo redução da maioridade penal, alguns pediram a cassação de votos dos pobres, isto é, dos beneficiários do Bolsa Família. Mas isso é minoritário. O lado positivo é que as pessoas colocaram nas ruas as ideias.

CONQUISTAS

A conquista principal não é nem concreta – a queda das tarifas -, nem simbólica – de simplesmente trazer o povo para a rua. É algo mais denso, uma mudança de concepção. Um número grande de pessoas percebeu que pode protestar, que isso traz resultados, que coloca em cheque a Presidência da República, governos de estados e prefeitos. Tanto que em certo momento isso deixa perplexo os atores políticos, que tentam em cima disso garimpar resultados. Não se pode saber que partido sai vitorioso e que partido sai exatamente perdedor disto. Vai depender muito do que vão fazer.

PLEBISCITO

Não sei se o plebiscito é uma boa ideia, até porque as questões que provavelmente serão submetidas, caso ele tenha efetivamente lugar, são questões um tanto abstratas e distantes das questões das ruas. O que nas ruas se colocou não é se vamos eleger pelo voto distrital ou proporcional, se vai haver mias dinheiro para os partidos vindo do Estado ou não. As ruas colocaram um cansaço muito grande com uma forma de fazer política que é justamente dos políticos. E, por isso, a reforma política enquanto interessa aos políticos não é a que interessa a sociedade, e uma exigência de melhor qualidade na prestação de serviços.

CORRUPÇÃO

A esquerda, não sei o porquê, está com muito medo das denuncias de corrupção. Não deveria ter. Quando se denuncia a corrupção, ela acha que é um ataque à esquerda. Não deveria considerar isso, até porque o PT durante muito tempo foi um partido que exigiu o fim da corrupção. Não vejo isso como uma polêmica direita e esquerda no sentido tradicional. Até porque os dois partidos que representam esses lados, PSDB e PT, estão sem saber o que fazer com esse movimento. Quanto mais se discuta, mais se aprofunde a discussão, mais ganha a causa da liberdade.

MAIO DE 1968

Desde maio de 1968, existe esse tipo de movimento que tem algumas características em comum: são totalmente imprevisíveis, decorrem de uma causa aparentemente mínima, mobilizam muito gente, sobretudo jovens, extrapolam completamente a pauta dos partidos políticos, reembaralham as cartas e raras vezes têm um efeito imediato. O resultado imediato é pequeno, geralmente os políticos tradicionais voltam a tomar conta, o próprio caso do Egito e da Tunísia com vitória de fundamentalistas depois de uma rebelião democrática é sinal disso. Mas a médio e longo prazo, isso fica. Ninguém lembra hoje quem foram os deputados da vitória esmagadora da direita após maio de 1968 na França, mas todo mundo lembra de maio de 68.

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