Política

A espoliação da terra e da vida do índio

Ataque ruralista contra indígenas para o saque das terras mostra que a democracia está em coma. Presidente exonerado da Funai fala em ditadura.

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A demissão de Antônio Costa, na sexta-feira 5, vem agravar a avalanche contra os povos indígenas em marcha no governo Temer. Ele diz que foi exonerado por “ser defensor da causa indígena frente a um ministro ruralista”. Nas últimas semanas, ruralistas desferiram uma série de ataques, tanto com violência física, quanto por violência institucional.

Em campo, políticos ruralistas incentivaram um ataque genocida ao povo Gamela, no Maranhão. Deslegitimados de sua identidade e de sua humanidade pelo deputado federal Aluísio Guimarães Mendes Filho (PTN-MA), que os chamou de “pseudoindígenas” num programa de rádio local logo antes do crime, sofreram um “linchamento”, como descreveu o líder Inaldo Kum´tum Akroá Gamela ao site Amazônia real, e tiveram partes do corpo decepadas.

Em Brasília, quando realizavam um grande encontro político, o Acampamento Terra Livre, uma marcha pacífica dos povos indígenas foi brutalmente reprimida e bombardeada por bombas de gás lacrimogênio.

Nesta semana, foi apresentado o relatório final da CPI da Funai e do INCRA, um calhamaço de mais de três mil páginas de ofensas racistas, críticas alucinadas, texto grosseiramente adjetivado, cheios de pontos de exclamação, nenhum embasamento de fatos, nada além de agredir e difamar indígenas, procuradores e aliados dos povos indígenas.

Chama a atenção, nesse caso, a escolha de procuradores comprometidos do Ministério Público Federal, como se uma ala reacionária da Polícia Federal tivesse o interesse de expor ali seus inimigos “internos”. Quanto aos indígenas expostos, isto é, com pedidos de indiciamento, é evidente o interesse em expor e constranger as lideranças e, de alguma forma, incentivar o ataque físico contra elas, tal como ocorreu no Maranhão contra os Gamela.

Esse massacre ruralista acontece enquanto o país pega fogo. Não há uma guerra, mas um massacre. A chacina em Colniza, no Mato Grosso, foi feita com crueldade comparável aos piores massacres liderados pelo notório pistoleiro Sebastião da Teresona, no sul do Pará, nos anos 1980, como a Chacina da Ubá, a Chacina da Princesa, e outras empreitadas da morte…

Não é por pura crueldade que os ruralistas que dominam o governo Temer estão decididos ao extermínio total dos povos indígenas – e a expressão “extermínio total” utilizo aqui a partir da reflexão de Dinamam Tuxa, uma destacada liderança da Articulação dos Povos Indígenas.

Sem nenhuma vergonha ou tentativa de esconder o motivo da demissão de Costa, o ministro da Justiça, Osmar Serraglio, publicou nota na qual diz que ele era ineficiente e que os problemas eram urgentes. Quais problemas? Os ataques genocidas? Não. A expropriação das terras indígenas.

Logo na sequencia do linchamento genocida dos Gamela, Serraglio considera urgente dois pontos: o desbloqueio das estradas, e a autorização o do linhão que corta a terra dos Waimiri Atroari.

No caso dos bloqueios das estradas, hoje, pelo menos duas estão cortadas por protestos indígenas: os Muduruku bloqueiam a Transamazônica, e conseguiram apoio de caminhoneiros, e os Kayapo a MT 320. Estas duas estradas na Amazônia servem ao fluxo da soja para o mercado internacional, e atinge diretamente o bolso da bancada ruralista a qual integra Serraglio.

Já o linhão que corta a terra dos Waimiri Atroaria, um dos povos que foi mais dizimados pela ditadura, tendo sido assassinados entre mil e quinhentos e três mil indígenas na segunda metade dos anos 1970, segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade, beneficia diretamente Romero Jucá, senador de Roraima e um dos artífices do impeachment e do golpe em marcha.

São os mesmos ruralistas que aprovaram no Congresso essa semana a MP da grilagem de terra, que beneficia entre outros o Ministro Eliseu Padilha, com terras griladas em um parque estadual no Mato Grosso, e que agora estão tentando revogar a Lei Áurea no campo para “pagar” os trabalhadores com comida e chão para dormir, apenas com o custo da senzala pela expropriação do trabalho.

 Inferiorizar e espoliar o índio, e se apropriar dos recursos e das riquezas dos seus territórios. O racismo de Serraglio e dos ruralistas é perfeitamente associado aos interesses econômicos do governo Temer, do capitalismo extrativista e do capital financeiro. Escreveu Frantz Fanon sobre a África colonial, mas parece o Brasil de Temer: “O racista, numa cultura com racismo é por esta razão normal. Ele atingiu a perfeita harmonia entre relações econômicas e ideologia”.

Antonio Costa ao sair acusou o líder do governo, deputado André Moura, de tentar impor nomes na Funai de pessoas que não tinham nenhuma relação com os povos indígenas. Se Moura queria nomear um ruralista para chefiar a coordenação da Funai em Campo Grande, Costa, por outro lado, queria o nome de um pastor e missionário evangélico, Henrique Terena, que pratica o proselitismo em terras indígenas.

Os indígenas parecem reviver a tragédia mais antiga da colonização do Brasil: entre entregar as terras e os corpos escravizados aos colonos, ou as almas aos missionários. Entre os extermínio aberto, ou a evangelização. O genocídio ou a opção do etnocídio.

Costa, de forma franca, colocou em entrevista coletiva que o Brasil está entrando em uma ditadura, e que essa ditadura já está instaurada na Funai. E sobre os povos indígenas isolados, ele alertou o risco de uma “catástrofe internacional”. Ou seja: estão expostos a riscos absurdos de genocídios. As frentes de proteção etnoambiental que fazem a proteção dos territórios dos índios isolados, estão sendo fechadas por falta de orçamento e os territórios estão sendo invadidos. A tragédia é iminente.

Se Costa, como diz, foi demitido por defender os povos indígenas, ele não é o primeiro nessa avalanche ruralista. Já havia um precedente recente: a demissão de Dilson Ingarikó, Secretario do Índio em Roraima, que foi exonerado no final de abril num breve momento que o vice governador, o ruralista Paulo Cesar Quartiero, assumiu o governo estadual. Quartiero justificou a demissão de Dilson, uma liderança indígena, também por defender os povos indígenas, e porque estamos numa” democracia”: “se fosse em situação de guerra, ele teria que ser fuzilado”.

 Como esse momento trágico que vivemos nos remete aos piores do colonialismo e das ditaduras que vivemos, acho que não basta acordar, como diz Costa. Mas, também parece atual rever o revolucionário Frantz Fanon e trazer para o nosso colonialismo interno o que ele falou da relação entre a Europa e a África: está na hora de os brasileiros e as brasileiras, brancos e brancas, chacoalharem a cabeça e deixarem de jogar o estúpido jogo da Bela Adormecida, como se não fizessem parte deste processo trágico que estamos vivendo.

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