Política
A esfinge de Maricá
Vice-presidente do PT, Washington Quaquá coleciona gafes e controvérsias, mas é peça-chave na política fluminense


Para alguns colegas de partido, ele é o maior símbolo de um exitoso modo de governar “à esquerda”, com a aplicação de programas de inclusão social, distribuição de renda e desenvolvimento científico e tecnológico. Para outros, é uma chaga a sangrar o PT, um político populista e excessivamente pragmático, que investe na construção de alianças locais com personagens que causam arrepios em parte dos petistas. Exageros costumam fazer parte das discussões sobre quem é o deputado federal e vice-presidente nacional do PT, Washington Quaquá, ex-prefeito de Maricá. Aos 53 anos, o ex-militante secundarista, que já foi próximo à Convergência Socialista (atual PSTU) e destaque do grupo do então deputado petista Vladimir Palmeira, é hoje um dos personagens mais influentes da política fluminense. Entre apoiadores e críticos, uma certeza: Quaquá parece adorar uma controvérsia.
Um desses gestos foi o tapa dado no rosto do deputado bolsonarista Messias Donato, do Republicanos, após o “colega” ter puxado o braço do petista no plenário da Câmara. O tumulto, na presença do presidente Lula, durante a sessão de promulgação da Reforma Tributária em dezembro, levou Quaquá de volta às manchetes esta semana, após o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal, determinar a abertura de inquérito para apurar a agressão. Quaquá ganhou os holofotes também ao anunciar a contratação do carnavalesco Leandro Vieira, campeão do carnaval carioca de 2024 pela Imperatriz Leopoldinense. No ano que vem, Vieira fará o carnaval da União de Maricá, escola de samba criada pelo deputado em 2015 que já chegou ao Grupo de Acesso e é atualmente seu maior xodó.
A relação com a cidade litorânea de 197 mil habitantes é parte indissociável da trajetória de Quaquá. Nascido na vizinha Niterói, ele viveu desde a infância em Maricá, onde se iniciou no movimento estudantil e foi candidato a prefeito por duas vezes antes de, finalmente, vencer em 2008. Eleito por dois mandatos consecutivos, em 2016 fez seu sucessor, o atual prefeito Fabiano Horta, próximo de completar também seu segundo mandato. As gestões petistas criaram diversos programas bem-sucedidos e Maricá passou a ser o símbolo de um determinado “modo petista de governar”, o que assegurou a Quaquá galgar posições internamente na direção estadual – que hoje controla – e nacional do PT.
O deputado teve papel decisivo na redução da distância entre Lula e Bolsonaro no Rio em 2022
Ganharam fama nacional iniciativas como o sistema Tarifa Zero nos ônibus municipais ou a criação de um programa de renda básica com uma moeda social, a Mumbuca, de valor paritário ao real. O município, líder no recebimento de royalties do petróleo em 2023, intensificou nos últimos anos seus programas de produção cultural, científica e tecnológica, com a criação da Maricá Filmes e do Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação de Maricá, o ICTIM.
Para muitos no PT, no entanto, os feitos das gestões em Maricá perdem importância diante da postura pública de Quaquá em uma série de episódios recentes. E o deputado não deixa de municiar os adversários internos. Em março, declarou que conhecia Domingos Brazão “há 20 anos” e que seria uma “surpresa negativa” se confirmado o nome do conselheiro do Tribunal de Contas do Rio como mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco. Em carta enviada ao Diretório Nacional do PT no dia seguinte à declaração, militantes pediram a imediata substituição de Quaquá da vice-presidência nacional do partido por “suas posturas que recorrentemente prejudicam a credibilidade da nossa legenda”. No documento, o deputado é acusado de ferir os princípios éticos, políticos e ideológicos do PT.
A CartaCapital Quaquá revisita a polêmica: “Em relação ao Brazão, só peço que o Judiciário cumpra seu papel e que todos os réus sejam julgados com equilíbrio e justiça. Todo brasileiro que respeita a democracia quer justiça para Marielle”. Sobre ser “polêmico”, o deputado retruca: “Um dos grandes males da radicalização política no Brasil é a simplificação, a anulação do contraditório, das ponderações. Ninguém deveria ter medo de dizer o que pensa”. Outros episódios que renderam moções de repúdio a Quaquá no PT foram o encontro com o ex-ministro da Saúde e hoje deputado Eduardo Pazuello, a quem definiu nas redes sociais como “simpático” e “um malandro carioca”, e o voto contrário à cassação do deputado Nikolas Ferreira, do PL, na Comissão de Ética da Câmara.
Em reunião do Diretório Nacional do PT em 26 de março, o dirigente Valter Pomar apresentou uma proposta de substituição de Quaquá na vice-presidência do partido. Apesar da argumentação de que o PT “precisa dar uma resposta pública a uma situação inaceitável causada pelas declarações de Quaquá”, a proposta de debater o caso foi rejeitada por 34 votos a 19, em uma sinalização de que o deputado não corre perigo real de afastamento. Presente à reunião, Quaquá, segundo relatos, assistiu a tudo em silêncio. Por ora, cabe a Pomar o enfrentamento público com o adversário: “Quaquá continuará causando danos ao PT. E a responsabilidade é da chapa que o colocou na direção do partido. Jabuti, como se sabe, não sobe em árvore”.
Apelo eleitoral. A Tarifa Zero no transporte coletivo é uma das vitrines de Quaquá – Imagem: Prefeitura de Maricá/GOVRJ
Quaquá define como “um pensamento sem pé nem cabeça” a ideia de que possa prejudicar ou “destruir o PT”, como pregam alguns: “Se alguém trabalha para destruir o que o PT representa, este não sou eu, mas sim quem vê o partido como algo monolítico, de pensamento único”.
O embate com as alas petistas mais à esquerda é travado também na seara regional, onde Quaquá, com a bênção de Lula, é o principal articulador da aliança com o prefeito do Rio, Eduardo Paes, do PSD, que disputará a reeleição este ano. Enquanto alguns setores petistas defendem candidatura própria ou até mesmo uma frente de esquerda em apoio a Tarcísio Motta, pré-candidato do PSOL, Quaquá argumenta que mesmo o posto de vice de Paes é secundário: “A candidatura dele é o caminho mais seguro para impedir que o Rio caia nas mãos da extrema-direita bolsonarista”. Uma aliança com outro partido de esquerda, diz, seria mais do mesmo: “No momento, nosso objetivo é impedir que os aliados de Bolsonaro vençam”.
Próximo de Paes, a ponto de indicar o filho, Diego Zeidan, para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico Solidário na prefeitura do Rio, Quaquá garante que o aliado “já se comprometeu a implantar programas como a Mumbuca”. De fato, Paes anunciou a intenção de lançar o projeto da moeda social Carioquinha, inspirada na Mumbuca. Ver as inciativas de Maricá replicadas é algo que entusiasma o deputado: “Sem falsa modéstia, há uma Maricá antes e outra depois das gestões do PT”.
“Ninguém deveria ter medo de dizer o que pensa”, afirma o dirigente petista
Na bancada fluminense da Câmara ninguém quer falar sobre Quaquá. Longe dos microfones, muitos parlamentares dizem respeitar sua trajetória política e, em que pese a disputa em torno do apoio a Paes, minimizam as divergências locais e mesmo a relação de Quaquá com políticos de direita, a exemplo do prefeito de Belford Roxo, Waguinho Carneiro. Com Lula, com quem tem bom trânsito pessoal, Quaquá ganhou pontos nas últimas eleições ao trazer Waguinho e outros políticos de direita para o palanque petista, reduzindo a distância entre Lula e Bolsonaro no Rio.
Outros programas aplicados em Maricá começam a colher frutos, caso do Passaporte Universitário, um pré-vestibular popular que este ano aprovou 93 estudantes em 31 carreiras diferentes na Uerj. Presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o ex-ministro da Ciência, Tecnologia Celso Pansera recorda o tempo que passou à frente do ICTIM e aponta como valorosos projetos desenvolvidos em Maricá: “As pesquisas dos ônibus híbridos a hidrogênio e etanol antecipam uma tendência mundial no setor de transporte público, gerando empregos e renda para toda a região”.
É com base nessas políticas que Quaquá pretende voltar à prefeitura de Maricá no próximo ano: “Quero consolidar Maricá como referência de políticas públicas inovadoras”, diz. Contestado em Brasília, o deputado tem na esfera regional seu hábitat político natural. Ao longo de 2024, será peça-chave nas articulações eleitorais por todo o estado, em um cenário ainda polarizado pela disputa com o bolsonarismo: “Não acho que o Quaquá é um mal. Se for, é um mal necessário”, resume um colega parlamentar. •
Publicado na edição n° 1306 de CartaCapital, em 17 de abril de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A esfinge de Maricá’
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