Política

A declaração de imposto de renda dos políticos deveria ser pública

Medidas preventivas como essa ampliariam a transparência no Brasil e poderiam ser mais eficazes que o combate ostensivo à corrupção

Ato contra a corrupção em Brasília: a prevenção pode ser mais eficaz que os atos ostensivos
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Há mais de dez anos, declaração dos bens de todos os políticos brasileiros estão disponíveis para consulta pública de maneira simples no site do Tribunal Superior Eleitoral. Apesar de algumas imprecisões, esses bens têm sido a baliza mais clara para saber quem são os nossos políticos, e quais os interesses envolvidos em seus mandatos. 

Usada à exaustão por jornalistas e pesquisadores, a lista permitiu um aprofundamento grande do perfil dos políticos brasileiros, com informações tão diversas como quanta terra eles possuem, as empresas que controlam e até quais deles guardam dinheiro em seu colchão. 

Apesar do progresso claro trazido por essa medida, ela ainda é insuficiente para entender o que cada político controla, e como as suas próprias finanças podem afetar a elaboração de políticas públicas. 

A divulgação das suas declarações de impostos de renda seria uma medida mais clara para saber quem são os nossos representantes. Primeiro, porque permitem uma atualização constante dos rendimentos dos políticos, divulgada anualmente. Segundo, porque permitiria saber suas fontes de renda de maneira transparente, ou seja, quanto eles lucram efetivamente com suas empresas, investimentos e bens. 

As declarações não seriam úteis somente por aquilo que mostram, mas também por aquilo que omitem. Em um sistema de impostos extremamente regressivo como o brasileiro, essas declarações trariam mais subsídios para uma discussão fiscal no Brasil. 

A falta de pagamento de impostos também poderia iluminar outra atividade comum e opaca: o uso de empresas em paraísos fiscais para evitar pagamentos ao governo brasileiro, a chamada evasão fiscal.

Já há diversos indícios dessa prática, como a presença de parlamentares de sete partidos diferentes nos vazamentos de registros da empresa Mossack Fonseca, conhecidos como Panama Papers. Mas, sem a publicidade de suas declarações de impostos, é impossível ter um retrato completo de quais foram as consequências dessas manobras.

As declarações de impostos já são públicas em três dos países mais conhecidos por suas políticas de acesso à informação pública – Finlândia, Noruega e Suécia. O exemplo, porém, não vem só de países nórdicos e social-democratas.

Recentemente, a partir da campanha de um jornalista, o Paquistão começou a ter uma política semelhante. Isso permitiu saber que ao menos 70% dos políticos evitavam o pagamento de impostos naquele país, uma métrica que desconhecemos no Brasil. 

A campanha no Paquistão motivou uma ação em 20 diferentes países para pressionar por essa liberação. Organizada pela Finance Uncovered, uma rede internacional de jornalistas investigativos sediada em Londres, a iniciativa acionou 7 mil congressistas desses países para pressioná-los nesse sentido, junto a uma petição no site Avaaz para cooperar nessa pressão.  

Em um momento em que a corrupção ainda toma o centro do debate no Brasil, medidas perenes e preventivas podem ser mais eficazes no longo prazo do que ações policiais e judiciais pontuais.

O cenário caótico e instável que nos encontramos deu visibilidade ao combate ostensivo à corrupção, mas também deveria ser aproveitado para pressionar por medidas mais duradouras. A publicidade das declarações de impostos dos políticos seria uma delas. 

*Piero Locatelli é jornalista da Repórter Brasil e membro da rede Finance Uncovered

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