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A CPI da Cemig enumera desmandos do Partido Novo na estatal de energia em MG

Conflito de interesses, improbidade administrativa e peculato são alguns dos crimes listados

A CPI da Cemig enumera desmandos do Partido Novo na estatal de energia em MG
A CPI da Cemig enumera desmandos do Partido Novo na estatal de energia em MG
Quem manda. Amoedo, presidente do Novo, entrevistou o futuro presidente da Cemig antes do governo Zema ser apresentado ao escolhido - Imagem: Douglas Magno/O Tempo/Estadão Conteúdo
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Para nós, gestão eficiente é a que separa o patrimônio público do privado, respeita a ambos e distribui os respectivos benefícios com medidas de honestidade.” Este é um dos trechos da carta de princípios do Partido Novo, que sofre de envelhecimento precoce. Dirigentes e filiados da legenda estão no centro de uma série de denúncias arroladas pela Comissão Parlamentar de Inquérito instalada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais para apurar desvios na Cemig, uma das maiores concessionárias de energia do País.

A CPI encontrou crimes de improbidade administrativa, gestão temerária, peculato, corrupção passiva e espionagem, entre outros. O aparelhamento tinha o objetivo, dizem os integrantes da comissão, de sucatear a empresa e viabilizar a sua completa privatização. Parte das ilegalidades abarca contratos que passam de 1,5 bilhão de reais. A cúpula da Cemig acabou indiciada, incluído o presidente Reynaldo Passanezi Filho, por improbidade administrativa e contratação ilegal.

Os indícios de ilegalidade remetem à própria contratação de Passanezi. Ele teria sido “selecionado” pela Exec, empresa de headhunters contratada por 170 mil reais sem licitação. Profissionalismo? Longe disso. A Exec tem como sócios Rodrigo Foz Forte e Carlos Eduardo ­Altona, filiados ao Novo desde 2016, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral.

A contratação da Exec foi coordenada por Evandro Negrão de Lima Júnior, vice-presidente da legenda em Minas e que não faz parte dos quadros da empresa. Lima também é sócio de uma companhia de geração de energia que teria negócios com a estatal. Em 2018, o empresário cedeu sua aeronave à campanha do governador Romeu Zema, além de ter doado 23 mil reais ao correligionário. Seu indiciamento por improbidade acabou, no entanto, retirado do relatório final da CPI pelo fato de ele não ocupar cargo público. As acusações foram encaminhadas ao Ministério Público Estadual.

Os contratos investigados pela Assembleia somam 1,5 bilhão de reais

Embora tenha sido “recrutado” no mercado, Passanezi foi entrevistado pelo presidente Nacional do Novo, João Amoedo,­ que teria tratado diretamente de sua indicação antes mesmo da ciência do governador. Passanezi tem um currículo de agrado da legenda: participou nas privatizações da Eletropaulo Metropolitana e da Comgás. Seu salário na empresa mineira chega a 94 mil reais.

Em nota, a Cemig afirmou que “o processo de seleção seguiu as regras do mercado, com a apresentação de currículos e realização de entrevistas, até a definição do nome escolhido pelo acionista controlador. Após eleição e posse do diretor-presidente, em janeiro de 2020, a área de Gestão de Pessoas deu início aos trâmites para a convalidação dos serviços prestados pela Exec. Isso ocorreu uma vez que a seleção foi realizada de forma sigilosa, de modo a evitar que a informação vazasse para o mercado”.

O governo teria conhecimento das irregularidades antes da instalação da CPI, segundo um dos e-mails enviados por sindicatos ao Executivo com as denúncias feitas ao Ministério Público em 26 de janeiro de 2021. Se há um ano nenhuma atitude foi tomada, agora o governador tem uma nova chance, pois o relatório da comissão sugere o imediato afastamento dos investigados. “A sociedade espera atitude. Há provas cabais de conflitos de interesse e improbidade. Mais uma atitude de omissão não deve ser aceita pela Assembleia Legislativa”, afirma o vice-presidente da CPI, o deputado Professor Cleiton, do PSB.

Pressão. A CPI pede o afastamento imediato dos investigados – Imagem: Luiz Santana/ALMG

Dentre as empresas investigadas está a Kroll Associates, famosa no Brasil desde os tempos da Operação Chacal. O contrato, de 3,4 milhões de reais, com a ­Cemig só foi assinado cinco meses depois que as investigações internas tiveram início. A Kroll teria dado início aos serviços de e-discovery, que miraram até parentes de segundo grau dos investigados. Teriam sido levantadas informações como filiação partidária dos alvos, participações societárias, conexões familiares, além de análise das redes sociais. Não se sabe a quais dados sigilosos os funcionários da Kroll tiveram acesso, pois o contrato inclui cláusula de confidencialidade. A Cemig também é detentora de dados de 8 milhões de clientes no estado.

Vídeos do circuito interno da Cemig apresentados à comissão mostram parte da equipe da Kroll invadindo, em dezembro de 2020, depois das 8 da noite, a estação de trabalho do então gerente de Direito Administrativo da companhia, Daniel Polignano Godoy. “A Kroll, mesmo sem qualquer cobertura contratual, nem mesmo assinatura de termo de confidencialidade, teve acesso a documentos, dados e informações sensíveis e sigilosas da ­Cemig, tendo, inclusive, promovido a coleta de computadores e telefones funcionais de empregados da companhia, mesmo ainda sob esta condição precária de contratação verbal”, descreve o relatório da CPI.

Segundo a estatal de energia, a Kroll foi contratada para apurar a conduta dos então gestores da área de Suprimentos em supostos casos de corrupção, com base em ofícios do Ministério Público. “Como empresa de investigação forense independente, a Kroll tem autorização para captar informações em equipamentos que pertencem à companhia, o que ocorreu em equipamentos corporativos utilizados por investigados e custodiantes.”

O diretor-jurídico da Cemig, Eduardo Soares, foi indiciado por corrupção passiva, contratação ilegal e improbidade. Ele seria o interlocutor da Kroll e protagonista de um dos maiores escândalos da CPI. De acordo com as investigações, ­Soares contratou a própria empresa quando assumiu o posto na estatal. Cinco meses depois de deixar o quadro societário da Advocacia Lefosse, o executivo assinou um contrato com a antiga empresa no valor de 890 mil reais. Segundo a planilha de remunerações, que vão de 450 a 1,8 mil reais a hora, um estagiário do escritório que trabalhasse o mês inteiro embolsaria 79 mil. “Em relação ao Lefosse, a Cemig esclarece que se trata de um dos mais renomados escritórios de advocacia do País, contratado por suas qualificações profissionais amplamente reconhecidas e pela confiança da companhia na sua aptidão para defesa dos interesses da Cemig no caso da Renova, que poderia gerar perdas bilionárias.”

Conflito de interesses, improbidade administrativa e peculato são alguns dos crimes listados

“Muita coisa escandalosa que fizemos chegar ao governo ficou de fora da apuração da comissão, como a contratação de parentes de deputados da base”, afirma o presidente do SindSul, João Wayne Oliveira Abreu. O sindicalista cita a nomeação de Cássio Guilherme Coutinho ao posto de diretor da Cemig Soluções Inteligentes. Coutinho é sobrinho de um aliado de Zema na Assembleia Legislativa, Zé Guilherme, do PP, que nega ter feito a indicação, e primo e sócio do líder do governador na Câmara dos Deputados, Marcelo Aro, do PHS. Os sindicatos levaram a denúncia de conflito de interesses aos procuradores.

Alienações de ativos e ações da concessionária relacionados à sua participação societária na Renova, na Light e na Transmissora Aliança de Energia Elétrica (Taesa) também teriam sido feitas sem transparência e com claro prejuízo aos cofres públicos, de acordo com a comissão. Em novembro de 2019, a Light, ainda com participação da Cemig de forma majoritária, vendeu por 1 real 17,17% de ações que detinha na Renova, empresa que atua no ramo de energia eólica, a um fundo de investimentos. Apenas quatro meses antes da venda da Renova, a Cemig “teria recebido uma oferta, por meio de membros do Executivo, de compra da empresa de energia renovável por cerca de 480 milhões de reais, tendo como parte do ‘pacote’ a venda de ativos ligados à exploração de nióbio no estado”, afirma a CPI.

Em 2021, a Cemig também vendeu o restante de sua participação na Light, por 1,37 bilhão de reais, ou 20 reais por ação. Meses antes, o papel estava cotado a 24 reais. A negociação, afirmam os integrantes da CPI, deu-se no auge da pandemia, em um claro momento de retração econômica e desvalorização do mercado acionário. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1197 DE CARTACAPITAL, EM 2 DE MARÇO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Partido Novo, esquema velho”

 

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