Política

A conexão entre Caixa 2 e lavagem de dinheiro

Ao TSE, Marcelo Odebrecht deu a entender que o Departamento de Operações Estruturadas da construtora repassava a políticos recursos de sonegação

A Polícia Federal chegou à lista de propina da empreiteira
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Um parlamentar do PMDB, ex-ministro, costuma contar que muitas empresas financiadoras de campanhas pediam aos candidatos para doar no caixa 2, pois o dinheiro que dariam era sujo, fruto de sonegação de impostos, por exemplo. O famigerado Departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht, diz ele, atuava dessa forma.

Não era invenção de político interessado em limpar a barra da categoria. Segundo o interlocutor, a Odebrecht encarava as eleições como uma grande lavanderia. Uma oportunidade de botar na praça recursos de DNA ilícito. Presidente da holding por mais de uma década, Marcelo Odebrecht praticamente confessou o mecanismo ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A volta das doações empresariais para candidatos, proibidas desde as eleições municipais de 2016, criaria condições para as campanhas políticas servirem de novo à lavagem de grana suja. O presidente do TSE, Gilmar Mendes, defendia o retorno. Mas uma proposta recém apresentada na Câmara, com apoio de PT e PSDB, tem tudo para matar de vez o assunto por alguns anos.

Marcelo Odebrecht foi interrogado pelo TSE na Quarta-Feira de Cinzas, dia 1o de março, no processo movido pelo PSDB de cassação da chapa vencedora da eleição presidencial de 2014, Dilma Rousseff-Michel Temer. Falou por teleconferência desde Curitiba, onde está preso, condenado a 19 anos de cadeia pelos crimes de corrupção, lavagem e organização criminosa.

Segundo o executivo, o tal Departamento foi criado “há mais de vinte anos” não “para pagamento de propina”, embora depois tenha se prestado a isso. Era para ser um canal capaz de legalizar verba de sonegação, numa interpretação sem enrolações do interrogatório.

“Nós fazíamos a geração de recursos” para o Departamento, disse Marcelo ao TSE, “por planejamento fiscal, a maior parte feito fora do Brasil”. Planejamento fiscal, anote-se, é eufemismo para sonegação. “Alguns empresários da organização (Odebrecht) podiam se utilizar desses recursos para fazer pagamentos não contabilizados, incluindo caixa 2 de campanha e tudo. E alguns deles se usavam disso, acabavam se usando disso, para fazer propina.”

Detalhe: quando o Departamento nasceu, na década de 1990, tempos da presidência de Fernando Henrique Cardoso, a empresa era comandada pelo pai de Marcelo, Emilio, que em depoimento em defesa do filho perante o juiz federal Sergio Moro, em 13 de março, afirmou que o Caixa 2 “sempre foi o modelo reinante do País”.

A confissão odebrechtiana quanto à sujeira do dinheiro usado pelo departamento de propina ajuda a entender os lances de gangsterismo de uma história detalhada no TSE ao longo do processo contra a chapa Dilma-Temer. Trata-se dos desdobramentos de um jantar de maio de 2014 no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente, ocupada desde 2011 por Temer.

Para escapar de punições na Operação Lava Jato, um ex-lobista da Odebrecht, Claudio Melo Filho, delatou que o repasto no Jaburu juntou ele, Marcelo, o anfitrião Temer e o hoje chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, apontado como braço direito do presidente e uma espécie de contador das finanças político-eleitorais do grupo político do presidente.

Segundo Melo Filho, acertou-se ali um apoio de 10 milhões de reais ao PMDB. Uma parte (6 milhões) iria para o candidato do partido ao governo paulista, Paulo Skaf. E o restante (4 milhões), distribuído a peemedebistas conforme instruções de Padilha. Quem se encarregou de fechar com Padilha a entrega da bolada foi um outro executivo da Odebrecht, José Carvalho Filho.

O jantar no Jaburu foi explorado no TSE na ação contra a chapa Dilma-Temer. Interrogado, Carvalho Filho disse à corte ter definido com Padilha o seguinte modus operandi de materialização do acordo: dava senhas ao peemedebista e recebia em troca endereços de entrega da bufunfa. A verba só seria retirada no local combinado mediante a pronúncia da senha específica para aquele endereço.

Carvalho Filho afirmou que certo dia o deputado cassado Eduardo Cunha ligou para ele, com aquele destempero próprio do peemedebista, a reclamar de que sua parte no butim distribuído por Padilha, 500 mil reais, não tinha chegado. A Odebrecht acredita ter sim repassado a grana, mas resolveu providenciar outros 500 mil reais, para algum emissário de Cunha pegar com a senha “morango” no escritório do advogado José Yunes, amigo de Temer e ex-assessor especial do presidente.

Dinheiro em espécie fruto de sonegação, senhas, sumiço de 500 mil reais… Uma história digna da trilogia O Poderoso Chefão, sobre a máfia nos Estados Unidos, ou da série Narcos, sobre o traficante colombiano Pablo Escobar.

Um primeiro relatório com propostas de reforma política apresentado em uma comissão especial da Câmara dos Deputados na terça-feira 6 inviabiliza tentativas de ressuscitar as doações empresariais de campanha e, portanto, o uso das eleições brasileiras como lavanderia de dinheiro sujo.

Gilmar Mendes, do TSE, era um dos defensores de ressuscitar os donativos empresariais, sob o argumento de que houve dificuldades no financiamento das campanhas municipais de 2016 apenas com contribuições de pessoas físicas ou por meio do autofinanciamento dos candidatos ricos.

O relatório propõe criar um fundo público de 1,9 bilhão de reais para bancar candidatos a presidente, deputado, senador e governador na eleição de 2018, metade do valor gasto na campanha de 2014, quando empresas ainda podiam doar. PT e PSDB apoiam o fundo, um caso raro de sintonia entre os partidos. O autor do relatório é, aliás, um petista, o paulista Vicente Cândido.

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