Política
A censura da Meta
Por que a controladora do WhatsApp insiste em silenciar a Lex?


Nos últimos dias, fui surpreendido por uma decisão alarmante da Meta, empresa controladora do WhatsApp: o bloqueio da Lex, a primeira inteligência artificial legislativa do Brasil que desenvolvi, com três objetivos: aproximar os cidadãos de São Paulo dos processos legislativos, promover a transparência pública e facilitar o diálogo com a vereança. Essa ação não apenas cerceia uma iniciativa inovadora e legalmente embasada, mas levanta uma questão importante sobre o poder das big techs e o risco de interferirem no processo democrático de um país.
A Lex nasceu da minha convicção de que a tecnologia pode e deve ser uma aliada na construção de uma sociedade mais justa e participativa. Alimentada por dados reais e atualizados, foi projetada para oferecer soluções práticas e acessíveis a todos. Enquanto esteve disponível no WhatsApp, a Lex ouviu questões de milhares de cidadãos e ofereceu respostas pertinentes sobre saúde, transporte, segurança e outros temas que impactam diretamente a vida dos paulistanos.
A Resolução 23.610 define normas claras para a propaganda eleitoral e o uso de Inteligência Artificial em campanhas. As principais diretrizes incluem a proibição de manipulação de informações, a garantia de transparência nas interações – permitindo que o eleitor saiba quando está se comunicando com uma IA – e a vedação do uso da tecnologia para desinformar ou comprometer a integridade do processo eleitoral. Todas elas foram rigorosamente seguidas. Para ficar claro: a Lex não promove desinformação, não invade a privacidade dos cidadãos e não realiza nenhuma forma de spam ou comunicação invasiva. Ela responde apenas àqueles que a procuram ativamente, oferecendo informações precisas e baseadas em dados oficiais. Enquanto isso, muitas outras iniciativas menos transparentes e mais invasivas continuam operando livremente nas plataformas da Meta.
Após o bloqueio inicial da Lex, entrei em contato com a Meta, solicitando a reconsideração da ordem unilateral. Primeiro, a empresa comunicou que estava restaurando a conta, num reconhecimento implícito de que nós não violamos as políticas internas. A restauração durou pouco. Logo a censura voltou. Enviei uma notificação extrajudicial à plataforma, exigindo esclarecimentos sobre os motivos do bloqueio e solicitando a restauração definitiva da Lex. Infelizmente, até o momento, não recebi uma resposta satisfatória. Para a mídia, a empresa informou que descumprimos as tais normas.
Trata-se de uma interferência indevida no processo eleitoral brasileiro
O bloqueio expõe um paradoxo inquietante: empresas que deveriam fomentar a inovação tecnológica estão, na verdade, atuando como agentes censores. Diversos acadêmicos e especialistas em tecnologia já alertaram sobre o crescente poder das big techs e seu impacto na democracia e na soberania nacional. O poder dessas corporações ameaça processos democráticos ao controlar o fluxo de informações e determinar quais vozes são ouvidas.
Em seu novo livro, Nexus, Youval Harari alerta que, se não pudermos influenciar o rumo que a tecnologia está tomando, estaremos abdicando de nosso papel na construção do futuro. Concordo plenamente com ele quando diz: “Se não pudermos mudar o futuro, por que perder tempo discutindo sobre ele?”
O poder desmedido das big techs, como a Meta e o X (antigo Twitter), tem ultrapassado fronteiras ao impor suas próprias políticas, muitas vezes em detrimento das leis locais e do interesse público. Recentemente, testemunhamos casos em que decisões unilaterais dessas empresas interferiram em políticas de comunicação em várias partes do mundo. No caso da Lex, uma ferramenta que promove a transparência e a participação cidadã está sendo silenciada, enquanto conteúdos questionáveis e desinformação continuam a circular livremente nas mesmas plataformas.
Como programador e ativista com mais de uma década dedicada a iniciativas de transparência e participação cidadã, acredito que o bloqueio da Lex representa um retrocesso significativo. Estamos diante de uma oportunidade única de utilizar a inteligência artificial para democratizar o acesso à informação, combater a corrupção e promover uma política mais eficiente e aberta. Silenciar a Lex é silenciar a voz dos cidadãos que buscam participar ativamente do processo político.
Não podemos aceitar passivamente que interesses comerciais de qualquer big tech se sobreponham ao direito fundamental de acesso à informação e à participação democrática. A campanha “Lex Livre” está mobilizando cidadãos, organizações e lideranças políticas para pressionar a Meta a reverter essa decisão arbitrária. Até agora, a empresa permanece em silêncio, evidenciando um desrespeito não apenas comigo, mas com todos os cidadãos que acreditam em uma política transparente e participativa.
Convido todos os leitores de CartaCapital e todos os cidadãos comprometidos com a democracia a se juntarem a nós nessa luta. Assinem o manifesto #LexLivre, compartilhem essa mensagem e pressionem a Meta para que repense sua postura. A transparência e a participação cidadã não podem ser reféns das decisões unilaterais que, muitas vezes, colocam interesses comerciais acima do bem-estar coletivo.
A Lex representa mais do que uma simples ferramenta tecnológica. Simboliza a possibilidade de uma política mais próxima dos cidadãos, mais transparente e eficiente. Se não agirmos agora, corremos o risco de permitir que as decisões sobre o nosso futuro sejam tomadas sem a nossa participação. Como disse Harari, é essencial discutirmos e moldarmos o futuro, pois nele, nossas vidas e direitos estão em jogo. Não podemos permitir que essa inovação seja sufocada.
Juntos, podemos garantir que a tecnologia seja utilizada para fortalecer, e não enfraquecer, a nossa democracia. •
*Programador, ativista pela transparência e candidato a vereador em São Paulo pela Rede Sustentabilidade.
Publicado na edição n° 1329 de CartaCapital, em 25 de setembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A censura da Meta’
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