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A banqueta leva a melhor

Pela primeira vez, Pablo Marçal é engolido pela lógica infame das redes

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Boteco SP. Datena não aguentou as provocações e produziu uma cena típica de western – Imagem: TV Cultura/São Paulo
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Pablo Marçal e seu séquito sentiram o golpe – e não se fala aqui da cadeirada desferida por José Luiz Datena no debate da TV Cultura, clímax até previsível da escalada do bullying promovido pelo coach contra o apresentador. O comportamento vacilante na sequência da agressão, a encenação burlesca na ambulância, tempos depois do baque, onde simulou um desmaio e usou uma máscara de oxigênio, e a comparação pouco convincente entre a banquetada, a facada em Jair Bolsonaro e o tiro na orelha de Donald Trump foram recebidos com certo desdém e frieza no reino de Marçal, as redes sociais. Não só. Pela primeira vez desde o início da campanha, o candidato do PRTB provou do próprio veneno. De valentão do recreio, passou a ser ridicularizado pela quinta série que domina as plataformas digitais, em forma de memes e piadas. A reação extrapolou o mundo digital. Em uma caminhada pela Santa Efigiênia, região de comércio popular na capital paulista, após deixar o hospital, o coach assistiu, impotente, um recente aliado, o vereador Rubinho Nunes, famoso por perseguir o padre Julio Lancelotti, ir às vias de fato com um motoboy espirituoso que exibiu uma banqueta à comitiva. “O cara veio com cadeira, eu fui para cima dele”, justificou Nunes. Detalhe: o vereador não conseguiu “desarmar” o motoboy, o que só tornou mais constrangedora a sua performance no ringue a céu aberto.

Aparentemente, a estratégia agressiva de Marçal, responsável por sua ascensão meteórica nas pesquisas, deixou de funcionar. De acordo com a pesquisa Datafolha da quinta-feira 12, a maioria dos paulistanos o consideram “desrespeitoso”, característica pouco vantajosa para quem quer administrar a maior cidade brasileira. Na terça-feira 17, durante debate organizado pela Rede TV e pelo portal UOL, o coach tentou demonstrar alguma sensibilidade e afastar a fama de mau ao pedir desculpas públicas a Tábata Amaral por ter espalhado mentiras a respeito do suicídio do pai da adversária. Embora não tenha feito nenhum aceno de paz a Guilherme Boulos, a quem acusou de consumir cocaína, a ovelha desgarrada do bolsonarismo parece ter optado nos últimos tempos por deixar o candidato do PSOL em segundo plano. Nos debates recentes, Marçal havia escolhido Datena como sparring e o prefeito Ricardo Nunes como o oponente preferencial. A gota d´água, em relação a Datena, foi o uso do termo jack, gíria usada nas prisões para designar estrupadores, como ofensa ao apresentador, envolvido tempos atrás em uma acusação obscura de assédio sexual. O tucano deixou então o púlpito com a banqueta de plástico na mão e desferiu um golpe em direção à cabeça do coach, que usou o antebraço para se defender. Questionado em seguida se havia se arrependido, Datena não titubeou: “Claro que não”. No debate da Rede TV, três dias depois, Marçal insistiu no tema, chamou o adversário de “orangotango”, se disse vítima de uma tentativa de homicídio, voltou a chamá-lo para a briga e foi obrigado a ouvir do oponente: “Em covarde, só bato uma vez”.

Depois da cena de boteco, Boulos, Nunes e Amaral prestaram solidariedade a Datena. Marçal, levado ao hospital Sírio Libanês, reclamou da falta de solidariedade dos demais concorrentes. Avalizada, no fim da conta, pela maioria do eleitorado. Desta vez, os “cortes do Marçal” no Tik Tok floparam. Segundo o monitoramento do analista de redes sociais Pedro Barciela, 80% das interações na sequência do entrevero foram negativas ao candidato do PRTB. A primeira pesquisa divulgada após o episódio, do instituto

Quaest, também mostrou enfraquecimento da candidatura. Marçal aparece com 20% de intenção de voto, três pontos abaixo do levantamento anterior, na margem de erro. Entre os homens, a “fragilidade” do ídolo causou má impressão e levou a um recuo acentuado, de 31% para 25%.

O coach virou piada nas plataformas digitais e perdeu apoio entre os homens

Se Marçal perdeu, quem ganhou (além da cadeira) com o vale-tudo no debate da TV Cultura? “O maior beneficiado é Ricardo Nunes”, avalia o cientista político e professor da Unicamp Oswaldo Amaral. O atual prefeito, acredita, tem a oportunidade de se consolidar como o candidato da direita no segundo turno. “Para avançar, Nunes precisa atrair votos do Datena e do Marçal, principalmente do eleitorado que acredita que este exagera.” Em eventual segundo turno entre Nunes e Boulos, é possível, porém, que uma franja dos apoiadores de Datena migre para o candidato do PSOL, em especial nas periferias.

Na semana anterior à fatídica cadeirada, Datena mostrava-se ansioso e cansado da campanha. O tucano começou a disputa entre os três principais colocados, com cerca de 16% das intenções de voto, mas despencou para a metade ao longo do percurso. Durante uma entrevista à Folha de S.Paulo, chorou e disse: “Para mim, acabou a política”. Na avaliação de Amaral, a cadeirada pode ter sido pensada pelo apresentador para “criar um fato e atrair atenção”, gesto “horrível” para o debate público. “As eleições deste ano estão muito marcadas por quem consegue mobilizar melhor essa coisa da ‘economia da atenção’, e para o debate público isso é muito ruim porque os eleitores não são sequer convidados a refletir sobre os temas pertinentes.”

Para o doutor em Sociologia e professor da Universidade Mackenzie Rodrigo Prando, Marçal conseguiu transferir a lógica das redes sociais para a vida real. “Os algoritmos dão força àquilo que mexe com os sentimentos: medo, angústia, ódio, raiva, desprezo. Quando conectado a um discurso ‘antissistema’, contra a política, dá margem para essas ações assentadas no fim do diálogo e da racionalidade.” O quadro, prossegue o cientista social, é gravíssimo, pois ao manipular as emoções dessa forma, abre-se espaço para “moldar a opinião pública sem nenhuma relação direta com fatos ou dados da realidade”. Essa tem sido a estratégia não só de Marçal, mas do que Prando denomina de “Bancada da Selfie”, parlamentares que se importam mais com as ações voltadas para as redes sociais do que com o desempenho propriamente dito no Parlamento, para o qual foram eleitos e são regiamente pagos todos os meses.

Sem alternativa, Datena promete manter a campanha até o fim. O apresentador será investigado pela Polícia Civil por lesão corporal e injúria. No fogo cruzado, decidiu processar Marçal por injúria, calúnia e difamação. Na segunda-feira 16, a equipe jurídica do candidato protocolou uma notícia-crime na qual pede ao Ministério Público Eleitoral que denuncie o coach por crimes contra a honra. •

Publicado na edição n° 1329 de CartaCapital, em 25 de setembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A banqueta leva a melhor’

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