Política

“PSDB deveria ter apostado em Doria, um crítico contumaz do PT”

Para cientista político pela USP e especialista em PSDB, caos envolvendo Aécio Neves e escolha de Alckmin selaram fraco desempenho do partido

Doria derrotou Haddad no primeiro turno para a Prefeitura de SP em 2016
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*de Berlim

Ao obter apenas 4,76% dos votos válidos para presidente, Geraldo Alckmin registrou o pior resultado do PSDB na disputa pelo Planalto. A bancada do partido na Câmara dos Deputados também encolheu de 54 para 29 e no Senado de 12 para 8. Mas o que explica o fraco desempenho tucano nestas eleições?

“Na eleição presidencial, enquanto a maioria dos eleitores clamava por renovação na política, o partido apresentou Geraldo Alckmin, um candidato desgastado por 12 anos como governador de São Paulo, além de já ter concorrido à Presidência em 2006”, diz Celso Roma, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e autor de diversos trabalhos publicados sobre o PSDB.

“Num contexto de polarização, os eleitores do PSDB esperavam um candidato explicitamente anti-PT. O recomendável seria apostar em João Doria, um empresário, comunicador nato, defensor da agenda econômica liberal, crítico contumaz do PT”, afirma.

Segundo Roma, o destino do PSDB “foi selado com o envolvimento de Aécio Neves em escândalos de corrupção”. “A cúpula permitiu que ele continuasse na presidência do partido. O PSDB repetiu os erros do PT. O discurso tucano contra corrupção perdeu credibilidade.”

CartaCapital: Como o senhor analisa o resultado do PSDB no âmbito nacional? O que explica esse desempenho tão aquém de eleições passadas?

Celso Roma: O PSDB foi derrotado nas urnas por várias razões. Na eleição presidencial, enquanto a maioria dos eleitores clamava por renovação na política, o partido apresentou Geraldo Alckmin, um candidato desgastado por 12 anos como governador de São Paulo, além de já ter concorrido à Presidência em 2006.

Houve ainda erro de estratégia eleitoral. Embora as redes sociais sejam o principal veículo de comunicação política, Alckmin acreditava que a sua exposição no horário de propaganda eleitoral fosse alavancar sua candidatura, como ocorria no passado. Alckmin foi o candidato da tradição, na forma e no conteúdo. Como o desempenho do candidato a presidente influencia o tamanho das bancadas no Congresso, o PSDB perdeu representação na Câmara dos Deputados e no Senado.

CC: Por que o partido perdeu tanto espaço para PSL e Bolsonaro? Foi apenas uma questão circunstancial ligada ao antipetismo?

CR: Num contexto de polarização, os eleitores do PSDB esperavam um candidato explicitamente anti-PT. Durante sua campanha, Alckmin não soube marcar posição contra Fernando Haddad, comunicou mal as propostas de governo e, desta forma, permitiu que outro candidato ocupasse um espaço que coube ao partido. O PSDB precisa renovar seus quadros, com a filiação de políticos mais jovens, com boa capacidade de comunicação política.

CC: O PSBD errou ao escolher Alckmin para disputar o Planalto?

CR: Em 2018, com o descrédito do eleitorado com a política tradicional, o PSDB errou ao reapresentar Alckmin como candidato. O recomendável seria apostar em João Dória, um empresário, comunicador nato, defensor da agenda econômica liberal, crítico contumaz do PT. Doria, ademais, derrotou Fernando Haddad no primeiro turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo, em 2016.

CC: O PSDB será um partido com influência limitada no Congresso nos próximos quatro anos? Como se reerguer para 2022?

CR: Devido à fragmentação partidária do Congresso, se o PSDB reforçar a aliança com o DEM, suas bancadas somadas podem influenciar os rumos do futuro governo. Na hipótese de Fernando Haddad se tornar presidente, ambos os partidos devem se opor claramente ao seu principal adversário. Se Jair Bolsonaro assumir a Presidência, o PSDB deve votar a favor das propostas que coincidam com o programa do partido. O PSDB pode retornar ao Palácio do Planalto se o futuro governo fracassar.

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CC: Como os problemas de Aécio Neves afetaram o PSDB?

CR: O destino do PSDB foi selado com o envolvimento de Aécio Neves em escândalos de corrupção. A cúpula permitiu que ele continuasse na presidência do partido. O PSDB repetiu os erros do PT. O discurso tucano contra corrupção perdeu credibilidade. Os eleitores de Aécio em 2014 se decepcionaram e foram em busca de alternativa de candidato a presidente. Encontraram um à direita.

CC: O PSDB errou ao apoiar o governo Temer? Isso afetou o seu desempenho nesta eleição?

CR: O efeito do apoio do PSDB ao governo Temer foi pequeno. Deputados e senadores tucanos adotaram uma postura dúbia em relação ao presidente Temer, ora apoiando o líder do governo nas votações legislativas, ora sinalizando o descontentamento com o mau desempenho da economia. Os eleitores – e muitos filiados e simpatizantes – ficaram confusos sobre o papel do PSDB no governo Temer.

CC: Os problemas atuais do PSDB têm origem quando?

CR: Os problemas começaram no segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, quando erros de estratégia e na disputa das eleições seguintes o impediram de reconquistar sua popularidade, abalada pela crise econômica e alto desemprego. O partido também sofreu com as mortes de Sérgio Motta e Luiz Eduardo Magalhães.

Desde então, o PSDB registra uma sucessão de erros. Em 2002, José Serra renegou o governo FHC em sua campanha ao Planalto, desconsiderando conquistas reconhecidas até por adversários, como a Lei de Responsabilidade Fiscal.

No primeiro mandato de Lula, o PSDB fez uma oposição branda. Os tucanos não souberam aproveitar o escândalo do mensalão e não tiveram coragem de buscar o impeachment do então popular presidente Lula. Depois tiveram disputas internas em 2006 e 2010 para escolher seu candidato à Presidência. Em 2014, com Aécio Neves o partido perdeu outra chance de aproveitar o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal e o movimento dos protestos de junho de 2013. Mas, ao menos, corrigiu um erro histórico do partido ao defender o legado de FHC.

CC: O senhor acredita que PSBD perdeu seu ideal original social-democrata ao pender cada vez mais para a direita desde 2010?

CR: O PSDB perdeu o fio da meada. Foram anos de indefinições, hesitações. O PSDB não se reconhece como é: um partido de centro-direita. Centro por ter compromisso com a democracia e uma agenda social de tolerância e respeito aos direitos humanos; direita por se opor à interferência do Estado na economia, à irresponsabilidade fiscal e à sindicalização do Estado. Não há espaço para uma social democracia no sentido clássico. É o desfecho de um enredo que começou há vinte anos. O resultado das eleições de 2018 atestam isso.

CC: Qual caminho o PSDB deve seguir agora?

CR: Qualquer que seja o vencedor da eleição presidencial, o PSDB estará em uma situação politicamente difícil. Com Haddad, o partido vai assistir, na oposição, a mais quatro anos de um governo petista, seu principal adversário no cenário nacional.

Se Bolsonaro assumir a Presidência, o PSDB terá que apoiar um programa econômico liberal e ao mesmo tempo rejeitar um conservadorismo social que não faz parte de sua ideologia. A tábua de salvação será uma vitória de João Doria no governo de São Paulo, o que o credenciará daqui a quatro anos para a continuidade da vocação presidencial do PSDB.

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