Política

580 dias de esperança: os últimos momentos do acampamento Lula Livre

O militantes que ficaram todos os dias na porta do local em que Lula está preso se preparam o último ‘Bom dia, presidente’

Últimos momentos do acampamento Lula Livre, no qual os militantes aguardam a saída do ex-presidente
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Após 580 dias, a Vigília Lula Livre se prepara para aquele que será o último “bom dia, presidente Lula”. Após a decisão do STF desta quinta-feira 07, a aglomeração toma conta das ruas que cercam a Superintendência da Policia Federal, no bairro Santa Cândida, em Curitiba. Militantes, populares, estudantes agitam bandeiras e gritam o nome do ex-presidente. “Eu nem acredito que isso vá acontecer” diz exultante a dona de casa Maria Heloísa Lima. O ritual que se repete todas as manhãs, desta vez acontece com ânimo redobrado. Os 13 gritos de “bom dia, presidente Lula” saem à pleno pulmões.

Os jovens gritam palavras de ordem. Os abraços e sorrisos se repetem. A espera é grande. Na primeira entrevista que Lula concedeu de dentro da PF, ele prometeu que no dia que deixasse o cárcere iria sair pelo portão, atravessar a rua, caminhar menos de 50 metros para agradecer os militantes e tomar um “gole de cachaça” com aqueles que permaneceram, dia e noite, a espreita de uma espera que parecia interminável. Agora, todos esperam a chegada do convidado.

Muitos estão ali desde a noite de 7 de abril de 2018. Nem a chuva ou rigoroso frio de Curitiba foi capaz de espantar milhares de pessoas que se revezavam. Todos os dias, sem exceção,  os militantes saudavam Lula três vezes ao dia. Denise Vieira, jornalista, permanece na Vigília há “581 dias, porque cheguei um dia antes aqui”. Para ela, a força que motivou a permanência foi a certeza que Lula era inocente. “Eu deixei toda minha vida pessoal e profissional para me instalar aqui.  A resistência nos acolheu, uniu, ensinou a resistir e conseguimos superar todas as dificuldades. Nada mais justo que hoje a gente comemore”. A vigília, conta a jornalista, cumpriu sua parte como símbolo de resistência, mas a “luta não para aqui. Lula recomeça sua caminhada pelo país e, nós, onde estivermos, iremos juntos para apoiá-lo”.

O microempresário Fernando Lopes também esteve presente durante todo este tempo. Lembra a noite fatídica da chegada de Lula, quando as policias Federal e Militar atacaram os militantes com bombas de gás e balas de borracha. “A vigília foi uma das fases mais importantes da minha vida” diz ele. Conta que o maior aprendizado deste período foi a certeza que a união pode mudar os rumos da história e que a sociedade é capaz de reconhecer uma grande liderança. “Lula está preso, mas foi capaz de liderar um movimento social sem precedente”, disse.

Lopes é um entusiasta de todo o rastro que vigília deixou. A começar pela mobilização de milhares de pessoas que vieram de todos os rincões do Brasil e do exterior. Para ele, o espaço onde hoje funciona a vigília deve ser transformado num memorial da liberdade, da justiça, para que as futuras gerações saibam o que se passou na história. “A vigília foi um ato político como poucos que aconteceram em todo o mundo. Sua memória deve ser preservada. Eu advogo a ideia que deveríamos comprar este terreno e aqui deixar um marco para nossos filhos e netos. O que se viu aqui foi um exemplo de luta e organização popular”.

Maria Natividade Vieira, 67 anos, moradora no assentamento do Contestado, a 60 km de Curitiba,  não mediu esforços para ser mais uma voluntária. “Ficar aqui durante todo este tempo foi um enorme aprendizado, uma experiência que nunca havia vivido” conta. Para a ela, a vigília mostrou ao mundo a liderança do ex-presidente, sua força e seu poder. “Esse homem, mesmo preso, foi capaz de mobilizar uma multidão nas ruas a seu favor. Na história deste país não houve nada parecido. Ele agora sai mais forte e o Brasil é que vai ganhar”.

A dona de casa Regiane do Carmo Santos também foi se despedir do ex-presidente. Ela foi a primeira  a abrir sua casa para atender os acampados deste o primeiro dia. “Foi uma experiência maravilhosa que vivi. Conheci pessoas e aprendi muito. Vou sentir muita falta, muita falta mesmo”. Ela faz questão de afirmar que o maior aprendizado foi pessoal. “Foi aqui, no dia a dia, que aprendi verdadeiramente o que é política. Até então era uma pessoas totalmente alienada. Aprendi que a união, de fato, faz a força. Aprendi a conhecer a força do MST, do PT. Aprendi o que é companheirismo, solidariedade. Essa vigília foi uma faculdade na minha vida”.

A dona de casa Regiane do Carmo Santos, integrante da vigília Lula Livre

Não faltou a filha de Lula, Lurian Cordeiro da Silva. Ansiosa, ela aguardava o momento de abraçar e encontrar o pai em liberdade. “Para nós, da família, passa um filme. Não são apenas os 580 dias de prisão, mas todo o período de perseguição e tragédias que vivemos. Foi uma gama de sofrimento”. Ela lembra que sua força foi fundamental para a união da família. “A gente entrava sem saber o que falar para ele, mas éramos nós que saíamos de lá fortalecidos” lembra. Lurian conta que a prisão do pai fez com que aprendesse a se fortalecer, a resistir. “Cheguei muitas vezes ao fundo do poço, mas consegui sobreviver. Vendo a luta do meu pai, eu crescia”. Após a prisão, Lurian diz que vê o pai muito mais forte, mais combativo, com maior conhecimento e sede de justiça. “Meu pai sai do cárcere com uma nova visão de mundo, de justiça. Ele vai querer percorrer esse país para agradecer ao povo e mostrar que é possível ter esperança”.

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