Política

“Denúncia contra Metrô de SP foi bem construída”, diz procurador

Arnaldo Hossepian lamenta a absolvição de 14 réus e ressalta que laudos técnicos apontaram erros na construção da Estação Pinheiros

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O ex-promotor e atual procurador do estado de São Paulo Arnaldo Hossepian se diz decepcionado com a decisão da juíza Aparecida Angélica Correia de inocentar os 14 réus apontados por ele na ação que pedia a prisão de responsáveis pelo acidente na construção da Estação Pinheiros do Metrô (Linha 4-Amarela), executada pelo Consórcio Via Amarela (OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez). 

A magistrada da 1ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) absolveu, em maio, os réus da maior tragédia da história do Metrô de São Paulo. Sete pessoas morreram no canteiro de obras em 12 de janeiro de 2006.

Hossepian foi o autor da denúncia elaborada ao longo de dois anos, quando foi promotor no Fórum de Pinheiros. Ele recomendou a prisão por quatro anos para os réus por crime culposo (sem intenção de matar). “Sou um profissional e sei que o Direito é dialético: a causação acusa, a defesa defende e o juiz dá a sentença com base na sua convicção e consciência, de acordo com a lei. Mas eu esperava, sem dúvida nenhuma, que o resultado fosse outro”, afirma a CartaCapital.

Afastado do caso desde 2009, quando assumiu a procuradoria paulista, Hossepian espera agora que haja acolhimento de recurso da promotoria em julgamento marcado para 17 de novembro pelo TJ-SP. Depois, recomenda, o julgamento precisa ser retomado até janeiro para que haja punição. “Se nós chegarmos até dia 5 de janeiro (sem julgamento) terá se passado 8 anos e estará prescrito”, alerta.

A denúncia foi elaborada com apoio de relatório do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e laudo do Instituto de Criminalística (IC). “Fiz a investigação cercado por um corpo técnico de primeira linha. Eram profissionais do IPT, que ajudaram a desvendar todo aquele colapsamento porque não tinha precedente nem no Brasil nem no exterior”, afirma o agora procurador de Justiça.

Hossepian diz que se cercou de “gente de muita competência” para apresentar a denúncia no prazo de dois anos, caso contrário cairia em prescrição. O resultado foi uma denúncia dividida em 34 partes entregue à Justiça paulista em 5 de janeiro de 2009.

Os advogados da Via Amarela tentaram anular a denúncia no TJ-SP e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Eles perderam em ambas as instâncias. “A denúncia foi muito bem construída. Tanto que ela foi muito atacada na fase de admissibilidade e foi mantida duas vezes por unanimidade nas duas cortes”, observa Hossepian.

A juíza inocentou os réus alegando que “os acusados não tinham como prever o acidente, em razão de todas as circunstâncias apuradas. A execução do projeto de obra estava dentro da normalidade, todas as equipes acompanhavam cuidadosamente cada passo da execução e não apontaram qualquer situação que indicasse a possibilidade de um acidente”, registrou.

A magistrada afirmou, ainda, que “o plano de emergência foi colocado em prática e de maneira eficiente, o que se verificou por meio das provas realizadas”.

Falhas estruturais

A afirmação da juíza contrasta com o relatório do IPT, que apontou sistema falho de evacuação de emergência no canteiro de obras. O laudo do IC, por sua vez, registrou que o intervalo entre o primeiro indício de que algo estava errado na obra e o colapso foi de 7 a 8 minutos, tempo suficiente para evacuar a área, o que não teria sido feito.

O IPT indicou também que no dia 11 de janeiro de 2007, véspera do acidente na Estação Pinheiros, foi realizada uma reunião entre represantes do Consórcio Via Amarela, da empresa responsável pelo projeto (Engecorp) e do núcleo de acompanhamento técnico das obras (ATO).

O encontro não contou com a presença de representante do Metrô de São Paulo, que faltou à reunião na qual se discutiu os dados de instrumentação naquela que se apresentava como a mais complexa obra já realizada no sistema de transporte paulista: uma linha de metrô sob o leito do Rio Pinheiros.

A ata da reunião registra que os técnicos chegaram à conclusão de que somente os recalques (movimentação de terra ao redor da obra) eram 11 vezes superiores ao esperado pelo projeto.

O IPT estimou que a velocidade da escavação dobrou no início de janeiro de 2007 em relação a dezembro 2006. Passou de 0,9 metro por dia para 1,85 metro/dia no túnel sentido Faria Lima, e de 0,8 metro/dia para 1,9 metro/dia no túnel sentido Butantã. 

A reunião acertou, então, que no dia seguinte seriam instalados 345 tirantes (pinos de reforço) nas paredes laterais e no teto do túnel sentido Faria Lima. Os técnicos também se comprometeram a engrossar o concreto no rebaixo (piso) de ambos os lados do corredor subterrâneo.

Os materiais para o reforço estrutural, contudo, não estavam no estoque. Mas detonações e escavações continuaram na manhã do dia 12 de janeiro, conforme consta no Relatório Técnico 99.642-205 do IPT. 

O Instituto de Criminalística, na época, apontou que a ausência dos 345 tirantes foi decisiva para que uma calota do arco de concreto do teto cedesse com o peso de 800 toneladas de terra.

O lado Faria Lima do túnel foi o que desabou às 14h54 daquela sexta-feira 12 de janeiro de 2007, fazendo surgir uma cratera com 80 metros de diâmetro e 36 metros de profundidade na Rua Capri, junto ao canteiro de obras da futura Estação Pinheiros.

Foi um acidente sem precedentes na história do País: 94 casas foram interditadas, 14 delas condenadas e seis demolidas; 230 moradores da rua e das proximidades foram desalojados; dois carros, seis caminhões e um microônibus foram tragados pelo buraco.

O desabamento matou sete pessoas, entre funcionário da Via Amarela e transeuntes que passavam pela região naquela tarde quente de sexta-feira.

 

*Co-autor do livro-reportagem Estação Pinheiros: vidas em risco, ao lado dos jornalistas Eliane Anjos, Filipe Sansone e Ravi Santana. O livro foi apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso do Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero em 2008.

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