Política

“As facções criminosas são subprodutos do aprisionamento em massa”

Para Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a prisão só deveria ser aplicada para crimes mais graves

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No Brasil, a população carcerária não para de crescer: passou de 232,7 mil presos no início dos anos 2000 para 622,2 mil em 2014. Desse total, 40% são detentos provisórios, isto é, que ainda nem sequer foram julgados. Entre os sentenciados, 46% estão encarcerados por crimes contra o patrimônio e 28% por infringir a Lei de Drogas.

Se o encarceramento em massa resolvesse o problema da violência, o País seria considerado um dos mais seguros, pois possui a quarta maior população carcerária do planeta, atrás apenas de EUA, Rússia e China. Em vez disso, é um dos recordistas mundiais em número de homicídios: 59,6 mil por ano, atesta o Mapa da Violência 2016.

“Na verdade, o PCC é subproduto do aprisionamento em massa de São Paulo, assim como o Comando Vermelho é fruto do inchaço das cadeias no Rio de Janeiro. Graças à ineficiência das políticas públicas, esses grupos conseguiram transformar as prisões em escritórios do crime, nos quais são tomadas as decisões de seus negócios ilícitos”, afirma Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

CartaCapital: O que move essa disputa entre as facções criminosas?
Renato Sérgio de Lima: O PCC, o Comando Vermelho, todos esses grupos criminosos visam o lucro. A questão das facções é econômica. Eles disputam espaços, rotas de tráfico de drogas e armas, este último um negócio até mais lucrativo. Ou seja, as facções só crescem porque há mercado.  E também porque o Brasil não enfrenta problemas estruturais, como a adoção de uma politica de drogas mais moderna, como os Estados Unidos fez recentemente, ou a questão das penas alternativas ao encarceramento. Na verdade, o PCC é subproduto do aprisionamento em massa de São Paulo, assim como o Comando Vermelho é fruto do inchaço das cadeias no Rio de Janeiro. Graças à ineficiência das políticas públicas, esses grupos conseguiram transformar as prisões em escritórios do crime, nos quais são tomadas as decisões de seus negócios ilícitos.

CC: Então, no fundo, a origem desse problema está no sistema carcerário?
RSL: Sim. Lamentavelmente, o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público atuam de forma descoordenada e pouco planejada. O crime organizado cresce nessa margem e só se desestabiliza quando há alguma disputa entre essas facções pelo domínio do comércio de drogas em determinada região ou pelo controle de uma rota do tráfico. Então temos uma guerra, como a que o País está vivenciando agora, em que os modelos do PCC estão tensionando os arranjos anteriores.

CC: Separar as facções em alas ou presídios diferentes pode amenizar o problema ou é apenas um paliativo?
RSL: É uma medida de curtíssimo prazo, não pode ser encarada como uma política penitenciária. Precisa ser adotada em caráter emergencial porque é a única forma para evitar novas matanças. Contudo, quando reduzimos a política prisional a isso, reconhecemos o fracasso do Estado. Precisamos avançar em outros pontos. Deixar preso quem realmente precisa estar preso. Ou seja, prender melhor, aqueles que cometem crimes mais graves, e pensar em medidas alternativas para os demais.

CC: Os Estados Unidos estão revendo aspectos da sua política de encarceramento em massa e da chamada “guerra às drogas”. O que eles estão mudando e que poderia servir de inspiração para o Brasil?
RSL: Para começar, vários estados americanos decidiram legalizar a maconha, deixando de lado a criminalização do consumo de drogas. Passaram a tratar a questão como um problema de saúde pública.  É um passo fenomenal. Uma quantidade enorme de pessoas deixariam de ser presas com essa nova abordagem, aliviaria o sistema carcerário.

O Conselho Nacional de Justiça poderia instruir os magistrados a priorizar a prisão para crimes mais graves, como homicídio ou estupro. É preciso mudar a política criminal, a forma como as instituições interpretam a legislação. É algo perfeitamente cambiável, basta ter vontade política.

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