Política

Pastores pregam “voto do cajado” contra Freixo

Líderes evangélicos superam desafeto Edir Macedo para articular apoio a Crivella, mas ala progressista critica aliança

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A chegada de Marcelo Freixo (PSOL) ao segundo turno no Rio de Janeiro está levando líderes evangélicos de correntes distintas – algumas delas rivais – a articular um apoio coletivo a seu oponente, o senador Marcelo Crivella (PRB). Os termos do apoio serão concluídos neste final de semana por inimigos declarados do tio de Crivella, o bispo Edir Macedo (Universal do Reino de Deus).

A aliança tem potencial para ser a versão religiosa do voto de cabresto, que no meio evangélico progressista atende pela alcunha de “voto do cajado”, em referência à orientação pastoril para os fiéis escolherem seus apadrinhados.

O arco evangélico pró-Crivella já tem o aval do apóstolo Valdemiro Santiago (Igreja Mundial do Poder de Deus). O líder da Assembleia de Deus Madureira, Abner Ferreira, deve endossar o apoio.

O senador deve receber também a chancela do missionário R.R. Soares, cunhado e desafeto de Edir Macedo, a quem abandonou em 1980 para criar a Igreja da Graça. O filho do missionário, o deputado federal Marcos Soares (DEM-RJ), já manifestou apoio a Crivella no primeiro turno.

Por enquanto, o pastor Silas Malafaia (Assembleia de Deus Vitória em Cristo) é o elo mais estridente desse arco evangélico em torno do candidato do PRB, partido comandado pela Universal. Ele é ferrenho opositor de Edir Macedo, a quem já chamou de “falso profeta” e “mentiroso”

Crivella também foi alvo de Malafaia por defender a volta da CPMF e por não se posicionar publicamente sobre o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Num dos embates, o candidato do PRB retrucou Malafaia chamando-o de “desinformado”. Crivella, apesar de ter sido ministro da Pesca no governo Dilma, votou pelo afastamento definitivo da ex-presidente.

A tensão entre eles, no entanto, ficou de lado nesse segundo turno. No primeiro turno, o pasto apoio Pedro Paulo (PMDB). Agora, Malafaia tem feito uma série de ataques a Freixo em vídeos publicados nas redes sociais.

Na quinta-feira 6, o pastor chamou o candidato do PSOL de “frouxo”, “esquerdopata”, “comunista” e apoiador de black blocs.  

Valdemiro é o inimigo mais recente de Edir Macedo. Os dois travam uma batalha por espaço na televisão desde 2014, quando chegaram a trocaram alfinetadas televisionadas na disputa por fiéis.

O embate, contudo, ficará em segundo plano para evitar uma vitória de Freixo, cuja visão progressista sobre temas como direitos LGBT, descriminalização das drogas e legalização do aborto irrita as igrejas evangélicas.

O deputado federal pastor Francisco Floriano (DEM), braço político de Valdemiro no Rio, avalia que a “formação cristã, de família” faz com que “não reste outra opção a não ser caminhar com o Crivella”. “Acho que a gente não tem opção”, diz.

O parlamentar afirma não ter “nada contra o Freixo” e, embora diga que o admire pela atividade na na Assembleia Legislativa fluminense, assegura que “diverge em muitas coisas” do candidato do PSOL. As divergências são o motivo para “formar uma bancada para conversar com Crivella essa semana”.

Segundo Floriano, ainda não está confirmado se Valdemiro pretende ir ao Rio para manifestar apoio ao candidato do PRB. O deputado, contudo, diz “gostar de rua” e que militar a favor de Crivella será decidido juntamente com formalização do apoio de seu partido (DEM) ao senador.

Alternância de poderes

O artigo 244 do Código Eleitoral proíbe propaganda eleitoral ou de candidatos em igrejas e templos religiosos. Em 2014, por exemplo, a Justiça Eleitoral notificou a Universal após circular pela internet um vídeo no qual um pastor pede voto dentre de um templo da Universal ao então candidato ao governo do estado Marcelo Crivella.

A proibição da lei eleitoral à propaganda dentro de igrejas, contudo, não deve impor limites ao avanço eleitoral de candidatos evangélicos no País, de acordo com o professor William Nozak, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp).

Ele credita o avanço de políticos evangélicos à ocupação de um vácuo deixado após a ascensão da esquerda ao poder em 2003, com a chegada do PT à Presidência da República. “O trabalho de organização e de formação de base que décadas atrás era feito pelos partidos de esquerda, passou a ser coordenado pelas igrejas evangélica e, sobretudo, pelos neopentecostais”, afirma.

Ele aponta um “movimento de passagem” dos evangélicos do Poder Legislativo para o Executivo, aproveitando brechas proporcionadas pelas novas regras eleitorais. “Num cenário com o encolhimento do financiamento e o encurtamento do tempo de campanha (de 90 para 45 dias no primeiro turno), a possibilidade de acessar uma rede enraizada nas diversas periferias das grandes cidades se torna um capital mais importante”, diz Nozak.

Agenda do diabo

A campanha de Malafaia contra Freixo ganhou destaque do site Gospel Prime, um dos maiores do segmento evangélico, que publicou texto apresentando o representante do PSOL como membro de um “partido de extrema-esquerda”  ligado a “black blocs que participam de vandalismos travestidos de ações políticas”. A publicação recebeu apoio e críticas de fiéis.

Líder da Igreja Betesda, o pastor Ricardo Gondim, critica a interferência de representantes religiosos no direito de escolha do fiéis. “Esse voto do cajado é o voto do medo e da teoria de que um gayzismo está dominando o mundo”, diz.

Essa interpretação estaria, segundo ele, baseada na ideia de que existe uma “agenda do diabo” na política para se combatida pelos evangélicos.

Gondim defende o Estado laico, sem interferências religiosas. Ele diz que alguns líderes evangélicos adotaram uma linha agressiva escorados no moralismo. “O debate entre os evangélicos não é esse de esquerda e direita. É o da teoria moralista de que há um agenda da comunidade gay para destruir a família”, afirma.

Ele sugere haver entre alguns pastores neopentecostais um ranço ideológico contra Freixo travestido de questões teológicas. “Há uma tendência (no meio evangélico) desde a ditadura de se colocar acriticamente contra o que é de esquerda. É uma pauta conservadora que sempre teve necessidade de um inimigo do outro lado. Primeiro foi o comunismo, depois o socialismo e agora são os direitos civis da comunidade LGBT”, avalia.

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