Opinião

Voltando, por Rui Daher

Apesar da pouca disposição para acompanhar o noticiário, intuo um mais do mesmo com recordes da produção agropecuária para exportação

Voltando, por Rui Daher
Voltando, por Rui Daher
(Foto: Antonio Costa)
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Seria elegante escrever que estive afastado da coluna por 45 dias em merecido período sabático. Infelizmente, não. Esteve mais para sorumbático de incômodas consequências.

Os leitores mais próximos ou curiosos, se quiserem conhecer a saga confessa, podem acessar o link de meu blog no GGN, de Luís Nassif.

De cabo a rabo, por enquanto, entre várias drásticas adversidades, resulta terrível teclar. No máximo, consegui, pelo celular, algumas tiradas galhofeiras de afrontas ao governo, farto o material.

Mas como “só quem partiu pode voltar” (Dori Caymmi e Nélson Motta), aqui estou. Por óbvio, mais irascível e do contra. Não possuo e nunca possuí, na escrita, armazém de secos e molhados (Millôr Fernandes – 1923-2012).

Se a pandemia já restringia meus caminhos até as lavouras brasileiras ao encontro das prosas, frangos com quiabos e cachaças junto a amigos caboclos, caipiras, campesinos, sertanejos e tabaréus, agora, lesionado, cativo e subjugado a cadeira-de-rodas, andador, medicamentos e um “papagaio” que, felizmente, não é véio, careca ou verde e amarelo.

De palavras de incentivo, o que mais ouço é “vai ficar bom” (o que sempre acreditei ter sido) ou “tenha paciência” (o que nunca tive).

Apesar da pouca disposição para acompanhar o noticiário em folhas e telas cotidianas, sobretudo dos agronegócios e meio-ambiente, intuo um mais do mesmo com recordes da produção agropecuária para exportação, ainda que afetados por adversidades climáticas pontuais, compensadas, porém, pela alta nas cotações das commodities e ao câmbio apreciado. No mais, a frequente roleta de maldades que afeta aos industriais, comerciantes e produtores rurais voltados ao mercado interno, todos vilões da inflação.

Chamou-me a atenção, porém, a excelente e bem fundamentada matéria de Carlos Drummond na última edição (nº 1166) desta CartaCapital, “O Agro não é tudo”.

Estimados, não é, nunca foi e, a continuar assim, nunca o será, o que não é bom para uma economia nacional de largas extensão territorial e populacional, riqueza mal distribuída e aparelhos sociais precários.

Mesmo com esses equívocos poderíamos ter alguma compensação. Fartura em recursos naturais e edafoclimáticos, como também a infraestrutura criada entre as décadas de 1950 e 1970.

Muito desse passado, hoje em dia, em processo de alienação.

O articulista se baseia no estudo da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad, em “Desenvolvimento e Commodities 2021 – Fugindo da Armadilha da dependência de Commodities por Meio da Tecnologia e Inovação”.

Segundo o estudo, o Brasil está entre as 85 economias do planeta que dependem das exportações de commodities. Representam 60% das receitas oriundas de bens primários. Claro que junto aos demais países, concentradas, estas ocorrem em proporções paquidérmicas. Mesmo assim, desproporcionais a emergentes menos dependentes (China, Índia, México, Turquia, Vietnã).

Tanto o artigo de Carlos Drummond como o relatório da Unctad são de leitura essencial. Em resumo raso, poderíamos inferir tratar-se de falta de volume e acuidade em inovação tecnológica para sustentar tanta dependência.

Digo também, mas não só e muito discutíveis, é quando as histórias que nos apresentam como acadêmicas são, no fundo, políticas.

A partir dos anos 2005/2010, principalmente com o crescimento da produção de grãos no Centro-Oeste, o agro brasileiro percebeu ser muito maior do que a percepção que a sociedade tinha dele. Na época, inclusive, dava-se o contrário. A criação de grandes propriedades rurais, expansão de fronteiras em detrimento da vegetação nativa, o largo uso de adubos químicos e agrotóxicos, a pauperização de populações rurais, os movimentos ambientalistas, faziam o agro de vilão.

Foi quando, reação a isso, em 2017, lideranças da agropecuária se uniram à Rede Globo em ação publicitária, que perdura até hoje: “Agro é tech, agro é pop, agro é tudo”.

De lá para cá, escrevi vários artigos que procuravam esclarecer uma verdade, mas que assim posta se colocava como falácia. A agropecuária é fundamental para nossa economia. Dos ciclos monocultores à atual pujança em culturas de grãos, cana-de-açúcar, complexo de carnes, e outros 50 itens menores da pauta de exportações, nos tornamos grandes.

Mas não somos tech, pop ou tudo.

Se não mudar de ideia, volto ao assunto.

Inté!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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