

Opinião
Voltagem elevada
Ao longo do mês de setembro, a saúde marcou pontos a favor dos direitos sociais, com soluções para questões que vinham se arrastando
Em setembro, mês do levante contra a PEC da Bandidagem, a saúde também marcou pontos a favor dos direitos sociais. Pequenas alterações no elenco e enredo de dramas que vinham se arrastando nos aproximam de perspectivas democráticas.
Declarações recentes do secretário municipal de Saúde do Rio de Janeiro sobre repercussões da violência em unidades assistenciais reequacionaram as relações entre segurança pública e políticas sociais.
Como se sabe, a regulamentação da posse e redução da circulação de armas de fogo é tema obrigatório para a saúde pública, especialmente em países como Brasil e EUA, líderes nos rankings dos países com maior número absoluto de homicídios.
Ao contrário de países mais igualitários, nos quais as principais causas externas são os suicídios e os acidentes, aqui predominam os assassinatos, especialmente de jovens negros. Segundo o Atlas da Violência 2025, no período 2013–2023, foram registrados 312.713 homicídios de pessoas que resultaram em uma perda de 14.788.282 de anos potenciais de vida.
Nesse intervalo temporal, atribuiu-se às armas de fogo 81,6% do total de anos potenciais de vida perdidos decorrentes de homicídios. A partir de 2019, com a aprovação das normas legais armamentistas do governo Bolsonaro, esforços anteriores para reduzir crimes contra a vida tiveram uma inflexão.
Houve inúmeras repercussões positivas sobre o posicionamento da autoridade de saúde sobre a necessidade de manter abertos e seguros estabelecimentos essenciais. Vozes destoantes, o secretário estadual de Segurança e o secretário de Polícia Civil acusaram a autoridade da saúde de mentir e de ser fanfarrona.
Contudo, reconheceram a natureza política da controvérsia. Certamente, o tema segurança justaposto à natureza protetiva das políticas de saúde, adquire um colorido diferente, questiona por dentro a dicotomia direitos humanos versus matar, deixar matar “bandidos”.
A segunda bola dentro da saúde refere-se à aprovação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Medicina. A atualização das regras para a abertura e funcionamento de faculdades criadas em contextos de privatização do ensino superior aumenta o sarrafo das exigências e qualidade da formação de médicos.
Adicionalmente, o Ministério da Educação instituiu duas avaliações ao longo do curso: uma prova nacional no 4º ano da graduação e outra antes do internato, com o objetivo de compatibilizar a exigência de competências com ajustes no percurso formativo.
Somar requisitos curriculares com avaliação tira de cena o desgastado processo de exibição de falsas soluções, tal como o exame de ordem. O amplo debate entre Ministério da Educação, Ministério da Saúde, entidades profissionais e movimentos sociais traduziu-se na proposta de formação em todas as áreas da medicina e, consequentemente, em oferta de uma infraestrutura científica, práticas em serviços e docentes qualificados. O ponto final nas estridentes e estéreis polêmicas entre mais ou melhores médicos permite encarar de frente o desafio da inclusão racial, em uma profissão majoritariamente branca.
Terceiro e relevante avanço da área foi a aprovação pelo Congresso Nacional, quase por consenso (403 votos a favor e 6 contra na Câmara e unanimidade no Senado), do Agora Tem Especialistas. A proposta de expansão de coberturas, do governo Lula, para diagnóstico e tratamento de cânceres, realização de cirurgias, entre outros procedimentos foi saudada por Hugo Motta como “uma política para o Brasil e para os brasileiros”.
O apoio de parlamentares progressistas, conservadores e integrantes da Bancada da Bala à convocação do setor privado e a troca de dívidas por prestação de cuidados para os pacientes do SUS recolocam a saúde no trilho da pauta civilizatória. Discursos massacrantes a que assistimos durante a CPI da Pandemia da Covid–19 cederam vez às ponderações sobre direitos ao acesso universal à saúde.
O ponteiro mexeu, ao passar por testes de realidade e coerência. Com a devida cautela, é possível prever dias melhores e sugerir que os programas eleitorais aterrissem, prevejam continuidades e inovações factíveis e articulem políticas fragmentadas em um projeto para um país justo e sustentável. Armas de fogo devem ser controladas, avaliação de médicos requer quebrar mais ovos, instituir credenciamento para profissionais já formados e o Agora Tem precisam adquirir sentido de que sempre haverá. •
Publicado na edição n° 1382 de CartaCapital, em 08 de outubro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Voltagem elevada’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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