Arthur Chioro

Ex-ministro da Saúde

Opinião

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Vitória para a saúde

Com a inclusão dos refrigerantes no rol de produtos sobretaxados, o Brasil segue a tendência mundial de desincentivo ao consumo de bebidas açucaradas

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Aos 45 minutos do segundo tempo, a Câmara dos Deputados rejeitou a exclusão dos refrigerantes do imposto seletivo. Conseguiu salvar, assim, uma das medidas da Reforma Tributária que terá grande impacto na saúde dos brasileiros e, em especial, nas nossas crianças.

Especialistas, organizações da sociedade civil, sociedades médicas e grupos de pesquisa mobilizaram-se e repudiaram a retirada dos refrigerantes do imposto seletivo na reforma. Na contramão da proposta do governo, que havia sido aprovada na Câmara, o Senado tinha derrubado os refrigerantes desse imposto, destinado a desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde.

O imposto seletivo, também chamado de “imposto do pecado”, terá uma sobretaxa sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, com uma tributação superior à alíquota comum. Estão nesse grupo cigarros, bebidas alcoólicas, refrigerantes e as apostas nas modalidades físicas e online, como bets, que têm impactos sobre a saúde física e mental.

Refrigerantes são bebidas adoçadas ultraprocessadas nocivas ao meio ambiente e associadas a doenças como obesidade, diabetes, hipertensão, doenças renais crônicas e câncer.

As doenças provocadas por refrigerantes e outras bebidas açucaradas impactam milhões de brasileiros: 2,2 milhões de adultos e cerca de 721 mil crianças estão com obesidade ou sobrepeso devido ao consumo de bebidas açucaradas.

São registradas, anualmente, 13 mil mortes de adultos devido ao consumo de refrigerantes e outras bebidas açucaradas. O custo desse hábito para o Sistema Único de Saúde é de 3 bilhões de reais por ano.

A situaçao é mais preocupante na infância. Dados do Estudo Nacional de Nutrição de 2024 mostram que crianças de 2 a 5 anos consomem diariamente 30,4% de suas calorias com alimentos ultraprocessados, número bem superior à média da população adulta, de 19,5%.

Os dados revelam ainda que 24,5% de bebês entre 6 meses e 2 anos consomem bebidas adoçadas especificamente, enquanto esse número chega a 50,3% nas crianças entre 2 e 5 anos.

A tributação mais alta de refrigerantes e outras bebidas adoçadas é uma política pública de prevenção de doenças crônicas recomendada por Organização Mundial da Saúde, Banco Mundial e Unicef, entre outras instituições internacionais. Pelo menos 97 países e regiões do mundo cobram imposto seletivo de bebidas adoçadas.

No Brasil, manifestaram-se a favor do imposto seletivo sobre refrigerantes e outras bebidas adoçadas o Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), entre outras.

A inclusão dos refrigerantes, assim como do tabaco e do álcool, no imposto seletivo, é fundamental para proteger a saúde da população. Além da retirada dos refrigerantes do rol de produtos sobretaxados, o Senado tinha incluído um artigo, também derrubado, que previa desconto de até 25% do imposto seletivo para indústrias de produtos nocivos mediante ações de mitigação.

Isso descaracterizaria totalmente o propósito da medida, que é aumentar o preço final de produtos nocivos e, assim, desincentivar o seu consumo. A experiência exitosa de taxação elevada dos cigarros no Brasil é um exemplo reconhecido internacionalmente que precisa ser seguido. O imposto seletivo restabelece o princípio de uma reforma tributária saudável, capaz de deixar um legado positivo para as futuras gerações.

Infelizmente, as bebidas adoçadas foram retiradas da lista de produtos atingidos pelo imposto seletivo. Apenas dois, entre os países que tributam esse tipo de bebida, deixam as açucaradas de fora, taxando apenas os refrigerantes. A inclusão das bebidas adoçadas pode ainda ser contemplada na revisão quinquenal prevista na Reforma Tributária.

Apesar disso, é preciso celebrar a inclusão dos refrigerantes. Abre-se, dessa forma, uma porta para a inclusão dos ultraprocessados como um todo no rol dos sobretaxados.

É também de se lamentar que armas e munições tenham ficado de fora do imposto seletivo. A naturalização da violência é um assunto a ser enfrentado no Brasil. Mas isso é assunto para ser retomado em 2025, que espero ser um ano de mais saúde e muita paz para todos. •

Publicado na edição n° 1342 de CartaCapital, em 24 de dezembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Vitória para a saúde ‘

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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