Opinião

Vitória da esquerda na Colômbia coloca pedra no túmulo da caquistocracia

A floresta que plantaram, de verdade e justiça, deverá estender seus braços a Brasília

Foto: Juan BARRETO / AFP
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A eleição de Gustavo Petro e de Francia Márquez, como presidente e vice-presidente da República da Colômbia, coloca mais uma pedra no túmulo da caquistocracia (o governo dos piores), na América Latina.

Simbólica e sincronicamente, a vitória ocorreu em um país amazônico, região que assistiu ao bárbaro assassinato do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira.

O martírio dos heróis, que irrigou a terra amazônica de sangue mártir, começa a dar frutos, copiosos.

A floresta que plantaram, de verdade e justiça, deverá estender seus braços a Brasília e, em 3 de outubro, remover do Planalto o miliciano responsável por essas e outras mais de 400 mil mortes.

Os crimes sociais, econômicos, ambientais e contra a soberania nacional não ficarão impunes. O genocida, a familícia dele e os militares que o apoiam terão a pior das sanções: assistir ao triunfo da verdade, do bem comum, da beleza, da justiça e da paz.

A terra sem males retoma seu curso na América Latina e o sangue dos mártires dessa luta guia o curso desse rio, que assassinos e cúmplices não são capazes de arrestar.

Os impérios terão de recuar, mais uma vez, para que a região possa prover aquele mínimo de dignidade humana que nos é negada pela exploração do capital financeiro internacional, insaciável em sua voracidade, suicida – uma vez que os limites físicos da Terra estão no limite do suportável.

Nesse sentido, vale notar como a revolução cubana permitiu à região galgar um novo patamar no relacionamento com os Estados Unidos da América (EUA), após seu triunfo em 1 de janeiro de 1959.

Em “Che Guevara – a vida em vermelho” (Companhia das Letras), Jorge Castañeda aponta: “O discurso do Che na Conferência do Conselho Interamericano Econômico e Social…recordou aos delegados latino-americanos que deviam sobretudo à Revolução Cubana os fundos que eventualmente conseguissem arrancar dos Estados Unidos: ‘Esta nova etapa começa sob o signo de Cuba, território livre da América; esta conferência, o tratamento especial que suas delegações tiveram, e os créditos que forem aprovados, tudo traz o nome de Cuba, gostem ou não seus beneficiários.” Lembrou-lhes o Che, adequadamente.

Naquela mesma obra, o autor indicou: “Guevara captara a lógica de Washington. Se a Revolução Cubana constituía a maior ameaça para os interesses dos Estados Unidos na América Latina, esse país deveria tolerar um mal menor, para evitar que o mal maior contagiasse o continente. O mal menor consistia acima de tudo na transferência de recursos e, em menor grau, no apoio a reformas políticas e sociais, que pudessem aplacar os ânimos rebeldes no continente. As instruções secretas para a delegação norte-americana refletiam uma disposição idêntica à que o Che previra, quase um ano antes, em sua conversa com o embaixador soviético em Havana: 1) Prestar uma assistência prioritária à América Latina, sobretudo durante os próximos dez anos, para melhorar a educação, a saúde, reformar o sistema e a administração tributários, a moradia, propiciar um melhor e mais equitativo uso da terra, a construção de estradas e demais equipamentos públicos, estabelecer empresas produtivas e melhorar a distribuição da renda. 2) Dar especial atenção às melhorias nas áreas rurais e nas condições de vida dos grupos indígenas e camponeses. 3) Conclamar e ajudar todos os países a estabelecerem planos de desenvolvimento equilibrados e de longo prazo.”

Em uma América Latina tão próxima da libertação total, a capacidade negociadora da região ampliar-se-á ao nível ideal do relacionamento entre estados: o respeito à soberania alheia e a busca de interesses comuns, sem imposições e subordinações que distorçam essa relação, como também é regra nas relações interpessoais.

Castañeda, na mesma obra, ventila outra certeza do Che, expressa ao embaixador soviético na Havana: “É preciso superarmos o sentimento de fatalismo que está muito difundido entre os povos da América Latina de que é impossível lutar contra o imperialismo norte-americano.”

Verificamos, na atualidade, como o Che tinha razão. Os imperialismos que nos subjugaram por mais de quinhentos anos, com poucas e raras interrupções, não são invencíveis, embora sejam perigosos, assassinos e destruidores de todo tipo de vida.

Até porque os impérios e seus agentes, por estarem longe da verdade, têm muita dificuldade em corretamente analisar os fatos, como demonstra o então embaixador dos EUA, Arthur Gardner, em comunicado ao Departamento de Estado, de 28-2-57, a exatos dois anos do triunfo da revolução: “A controvérsia sobre se Fidel está vivo ou morto não tem importância real.”

Em meio a um contexto tão violento e errático, o comandante argentino não perde a humanidade mesmo no calor da luta. Castañeda observa: “A honestidade do Che contrasta com a de seus epígonos. Em uma biografia recente, Jean Cormier atribui a Guevara a autoria da tática de devolver os prisioneiros ao exército inimigo. Contudo, o próprio Che afirma em seu diário: ‘Contra a opinião dos mais enérgicos, entre os quais eu me achava, os prisioneiros foram interrogados, detidos por uma noite e depois libertados.”

A gentileza, a não-violência, a paz vai avançando pela América Latina. A Pátria Grande vai encontrando seu destino de desenvolvimento, segurança e tolerância.

Os violentos, como cães raivosos, vão ao encontro de seu destino.

Já não mais dividiremos sua sina. A marcha da justiça, da paz e da equidade socioambiental se torna inexorável. Tardou, mas graças a tantos lutadores e lutadoras, heróis e heroínas – muito deles e delas, mártires – chegou. Dom e Bruno, do alto, refletem seu albor.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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