Justiça

Violência política contra as mulheres

O corpo da mulher na política, com sua potência de germinação de novos mundos, gera um incômodo.

Deputadas estaduais da Assembleia de Minas Gerais. Da esquerda para direita, Leninha (PT/MG), Beatriz Cerqueira (PT/MG) e Andréia de Jesus (Psol/MG). Foto: Luiz Santana/ALEMG.
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O Brasil é uma verdadeira zona de guerra para as mulheres. O país ocupa a quinta localidade do mundo com maior número de casos de violência de gênero, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). Tal violência se desdobra de inúmeras maneiras e uma delas é a violência contra mulheres na política.

A construção da pólis é um lugar historicamente patriarcal. A separação grega entre pólis e oikos informa que mulheres ficariam restritas ao regime da economia do lar, a oikonomia, enquanto aos homens era permitido exercer a política. As mulheres que ousaram ultrapassar essa linha divisória, enfrentando a tarefa da construção da pólis, ainda hoje, enfrentam muitas violências.

Quando elas, usando os seus corpos e as suas vozes, passaram a acessar os espaços de representação, notadamente quando construídos coletivamente e por lutas populares, o padrão hegemônico do poder político, branco, colonizador, coronel, caudilho, começa a ruir.

Um caso recente, que ganhou repercussão, foi a violência política contra as parlamentares mineiras Beatriz Cerqueira (PT), Andreia de Jesus (PT) e Duda Salabert (PDT), enviadas pelo e-mail institucional de um vereador do município Mário Campos, MG, mostrando outras nuances da violência de gênero.

Num linguajar vulgar e através de um texto mal redigido, a mensagem às parlamentares estava repleta de ofensas de cunho transfóbico à vereadora Duda Salabert e de cunho misógino às deputadas Beatriz Cerqueira e Andreia de Jesus. “Mulher precisa é de um 38 carregado e muito tapa na cara pra aprender a ter vergonha. Vão pilotar fogão suas bruacas” — dizia o recado.

As mulheres, ocupando um espaço de poder e incorporando em seus corpos narrativas disruptivas de lutas populares que os mandatos delas representam, incomodaram. E incomodaram tanto que despertaram o ódio misógino materializado no recado. Alguma linha divisória tinha sido ultrapassada. Ao saírem do fogão para “pilotarem” o futuro da nação tinham ido “longe demais”.

Violência política contra parlamentares preocupa

Esses, obviamente, esse não é um caso isolados. Os ataques englobam diferentes espectros políticos. A interdição da fala e a ridicularização do discurso são comuns no cotidiano parlamentar. Neste ano, a deputada federal Celina Leão (Progressistas-DF) foi intimidada durante a sessão por um colega que deu um tapa na mesa durante a leitura do relatório da PEC Kamikaze. Em seguida, ela perguntou: “Faria isso com um homem?”.

No estudo “Debaixo do Tapete: A Violência Política de Gênero e o Silêncio do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados”, da doutora Tássia Rabelo de Pinho (UFPB), apurou-se que, em 20 anos, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados teve ouvidos moucos: nunca acolheu uma representação de deputadas mulheres vítimas de violência política de gênero dentro do Congresso.

Recentemente, os ataques aumentaram o tom. A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e a ex-deputada estadual do Rio Grande do Sul, Manuela d’Ávila (PCB-RS), passaram por situações semelhantes a das parlamentares mineiras. Sâmia foi chamada de “vadia” e “parasita”, recebendo o recado: “Vamos te estuprar e te matar”. Manuela foi chamada de “quenga”, “vagabunda”, “vadia” e na sequência ameaçada: “Vou te estupra”.

O estupro, como os feminismos há muito ensinaram, não se liga a um ato de desejo, mas é fundamentalmente ato de poder. Não por acaso violências de gênero dessa estirpe são comuns na história política de Bolsonaro, como quando afirmou para a então colega parlamentar, a deputada federal Maria do Rosário: “Não te estupro porque você não merece”.

O crime contra as parlamentares é fruto direto do ódio, do discurso misógino e violento e da política armada de Bolsonaro e apoiadores. A comunicação bolsonarista é construída para ser violenta, alimentando o ódio e favorecendo a agressão, funcionando como pólvora nesse caldeirão.

Em um país em que várias lideranças mulheres têm sido alvo de ameaças políticas, com nítido recorte de gênero, a escalada de violência política contra as mulheres é um tema de extrema relevância.

Manuela d’Ávila (PCdoB). Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Campanha do TSE

Conforme a pesquisa acima citada, apesar da histórica violência contra mulheres na política brasileira, medidas de combate têm avançado de forma vagarosa. Vale lembrar que somente recentemente, em agosto de 2021, foi prevista a punição para crimes de violência política de gênero contra candidatas e detentoras de mandato eletivo.

Nesse sentido, destaca-se o compromisso firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de enfrentar a violência política de gênero nas eleições de 2022, efetivando a recém aprovada lei n.º 14.192/2021, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater esse tipo de violência.

As peças de comunicação foram estreladas pela atriz e embaixadora da ONU Mulheres, Camila Pitanga, e um canal de denúncias foi criado, diretamente para o Ministério Público Eleitoral, visando a coibir a violência de gênero e reescrever a história.

Trata-se de uma medida importante para a fiscalização pela sociedade. Os ataques machistas atingem não somente as parlamentares, mas afetam e dilaceram a democracia como um todo. Por isso, a violência política não pode e não será tolerada.

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