Henry Bugalho

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Henry Bugalho é curitibano, formado em Filosofia pela UFPR e especialista em Literatura e História. Com um estilo de vida nômade, já morou em Nova York, Buenos Aires, Perúgia, Madri, Lisboa, Manchester e Alicante. Por dois anos, viajou com sua família e cachorrinha pela Europa, morando cada mês numa cidade diferente. Autor de romances, contos, novelas, guias de viagem e um livro de fotografia. Foi editor da Revista SAMIZDAT, que, ao longo de seus 10 anos, revelou grandes talentos literários brasileiros. Desde 2015 apresenta um canal no Youtube, no qual fala de Filosofia, Literatura, Política e assuntos contemporâneos.

Opinião

Venceremos este inimigo invisível. E depois?

Sairemos dessa crise mais solidários e mais humanos ou teremos nos tornado piores, mais egoístas, mais amargos e mais individualistas?

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Ninguém sabe ao certo o que vai acontecer. Entramos agora em território desconhecido, embora previsto. Há muito que especialistas anunciavam que o mundo poderia ser afligido por uma pandemia e que isto, numa economia global como a nossa, teria consequências incomensuráveis: colapso dos sistemas de saúde, paralisação de serviços essenciais, escassez de produtos, recessão ou mesmo depressão econômica, desemprego e, o mais preocupante de tudo nestas circunstâncias, muitas mortes.

O referencial mais recente em nossa História é a gripe espanhola, que afligiu o mundo entre 1918 e 1920 e dizimou milhões de pessoas nos cinco continentes. Foram tantas vítimas fatais que até nossas estimativas sãos imprecisas; alguns contabilizam algumas poucas dezenas de milhões de mortes, enquanto outros calculam na casa de 100 milhões. De qualquer modo, foi uma catástrofe humanitária que se seguiu a devastadora barbárie da Primeira Guerra Mundial. As nações nem sequer haviam se recuperado de suas feridas de batalha e já encaravam uma pandemia.

Em nossos tempos, temos pelo menos a sorte de vivermos momentos pacíficos na maioria dos países. Bem poucos brasileiros conhecem o horror da guerra e suas consequências, tampouco os europeus que nasceram e cresceram no pós-guerra.

Muitos de nós vivemos o medo da Guerra Fria e da extinção da espécie humana numa hecatombe nuclear, e distopias povoaram a imaginação de muitos escritores de ficção científica. Geralmente, o tema central destas obras era a relação humana em um mundo devastado e de profunda escassez, do que somos capazes para sobrevivermos, de quais são os limites da ética quando todos os limites foram ultrapassados.

Mas o maior desafio da nossa geração não será exércitos inimigos entrincheirados, tanques de guerra, ditadores fardados ou bombas nucleares, embora ainda pairem como funestas ameaças de nosso ímpeto pela morte. Não. O nosso inimigo é microscópico e invisível, tanto que negacionistas da ciência se precipitam a dizer que ele nem sequer existe, que pertence a uma trama russo-chinesa de guerra cultural.

Um vírus, que não possui ideologia política, que não tem objetivos estratégicos nem econômicos, que não distingue classe, etnia e nem religião, que não conhece fronteiras e nem idiomas, manifesta-se e se dissemina. Uma ameaça invisível prevista, mas que poucos levavam a sério.

Hoje, muitos de nós estamos confinados em casa – a única atitude até agora capaz de deter este inimigo invisível – sem saber quando a vida volta ao normal. Mas voltará ao normal? Esta é a pergunta que me faço. Pois é evidente que um dia voltaremos às ruas, às praças, às praias; as lojas reabrirão suas portas, trabalhadores retornarão às fábricas, carros congestionarão ruas e avenidas, amigos se abraçarão, netos reencontrarão os avós. Tudo isto voltará às nossas vidas um dia. Daqui semanas ou meses? Não sabemos ainda.

Assim que como não sabemos como lidaremos com esta experiência. Será que passaremos a valorizar mais nosso tempo ao ar livre, este prazer tão trivial e que nos foi privado por tanto tempo? Será que daremos mais valor aos nossos idosos, a toda uma geração que terá sido arrancada de nós sem nem um adeus?

Aproveitaremos melhor o tempo com nossos amigos? Seremos capazes de deixar de lado as diferenças e pensarmos juntos um caminho melhor para todos? E cuidaremos com mais carinho do nosso meio ambiente, quando redescobrimos em grandes cidades o que é ar puro, rios limpos, animais silvestres ocupando o que espaço que lhes tomamos à força com concreto e asfalto? Quais novos valores descobriremos? Quais nobres princípios antigos resgataremos?

Sairemos desta crise inconcebível aprimorados, mais solidários, mais humanos, ou teremos nos tornado piores, mais egoístas, mais amargos, mais individualistas? Este inimigo invisível e letal deixará em nós e em nossa sociedade profundas cicatrizes, e teremos de lidar com a dor que perdurará por muitos anos.

Em nossas democracias liberais, caminhávamos por trilhas sombrias, no fio da navalha, pendendo ao autoritarismo e a regimes excludentes, mas não será esta a oportunidade de reavivarmos a chama da tolerância e do auxílio mútuo, do senso de coletividade, daquilo que nos une? Não sabemos…

Mas teremos muito tempo para, no sofá da sala de nossas casas, refletirmos sobre tais questões. Queremos de fato voltar à nossa vida normal, em vez de uma vida diferente, melhor?

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