Henry Bugalho

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Henry Bugalho é curitibano, formado em Filosofia pela UFPR e especialista em Literatura e História. Com um estilo de vida nômade, já morou em Nova York, Buenos Aires, Perúgia, Madri, Lisboa, Manchester e Alicante. Por dois anos, viajou com sua família e cachorrinha pela Europa, morando cada mês numa cidade diferente. Autor de romances, contos, novelas, guias de viagem e um livro de fotografia. Foi editor da Revista SAMIZDAT, que, ao longo de seus 10 anos, revelou grandes talentos literários brasileiros. Desde 2015 apresenta um canal no Youtube, no qual fala de Filosofia, Literatura, Política e assuntos contemporâneos.

Opinião

Vem por aí um ministro da Educação terrivelmente evangélico

Repassamos aqui toda a história, até o momento, do MEC no governo Bolsonaro. Sim, é um caos

O novo ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro. Foto: Reprodução/YouTube
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É difícil de nos frustrarmos quando não esperamos nada; aliás, idealmente este seria o segredo para jamais nos decepcionarmos: só sofre quem deseja algo.

Não esperávamos nada do governo Bolsonaro, ou pelo menos nada que já não estivesse prenunciado em inúmeros pronunciamentos públicos dele e que já revelavam sua provável incompetência.

Já presidente, ouvimos Bolsonaro dizendo numa coletiva: “Não nasci para ser presidente”, e disto ninguém tinha qualquer dúvida. Não nasceu nem se preparou para isto.

Toda a trajetória parlamentar dele foi lidando com questões menores e sempre que era perguntado sobre tópicos que desconhecia, como Economia ou Saúde, ele desconversava. Em entrevistas durante a campanha eleitoral, ainda acrescentava: “quem vai cuidar disto são os meus ministros” e prometia formar uma equipe de notáveis, algo que jamais cumpriu.

O MEC é um dos medonhos exemplos disto. Um dos ministérios com um dos maiores orçamentos da União foi comandado primeiro por Ricardo Vélez Rodríguez, que após apenas cinco meses foi fritado publicamente devido à sua incompetência e cuja queda chegou a ser celebrada pela oposição. Sendo Vélez uma indicação de Olavo de Carvalho, o guru ideológico deste governo, havia um certo temor de que o substituto também viesse a fazer parte desta guerra cultural olavista e isto se confirmou quando Abraham Weintraub foi nomeado.

Ricardo Vélez, ex-ministro da Educação, quis mudar abordagem sobre ditadura nos livros didáticos. Foto: Agência Brasil

Se Vélez era ruim, Weintraub era simplesmente o apocalipse. Apelidado de “moedor de comunista”, ele entrou de sola, comprando briga frontal contra professores, alunos e universidades públicas ao propor um contingenciamento (um eufemismo para cortes) no orçamento discricionário das Federais. Além disto, causou espanto ao afirmar que havia balbúrdia nas universidades, com estudantes pelados circulando pelos campi, que se plantava maconha e fabricava-se drogas sintéticas em seus laboratórios. Isto forçou milhares de estudantes às ruas em protesto, naquilo que ficou conhecido como “tsunami da educação” e que obrigaria o governo a recuar algum tempo depois.

Weintraub trazia para dentro do Ministério da Educação uma cartilha toda inspirada nas maluquices de Olavo de Carvalho e passou a compor a chamada ala ideológica do governo, que se infiltrava também na pasta da Cultura e vinha com força total no Ministério de Relações Exteriores, na figura de Ernesto Araújo, outro olavista de carteirinha.

É evidente que tudo isto era uma tragédia anunciada. É difícil se frustrar quando você não espera nada, mas o governo Bolsonaro conseguia surpreender até as piores previsões.

Abraham Weintraub (Foto: Reprodução Twitter Abraham Weintraub)

Um governo caótico, despreparado, com personalidades beirando a psicopatia ou o sadismo, com traços de paranoia e megalomania. A estrutura do governo é uma coleção de bizarrices sem tamanho.

Em uma de suas falas, Weintraub se apresentou não como o Rei Davi, que seria o próprio presidente Bolsonaro, mas como a pedra que Davi arremessou contra Golias, e, segundo Weintraub: “a pedra não pensa, ela voa!”. Fala esta recebida com aplausos pela plateia.

Mas a pedra voou para longe demais e saiu de controle. O circo patético perpetrado todos os dias por Weintraub foi se tornando insustentável até que veio o pedido de demissão do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, que abandonou seu cargo pronto para sabotar Bolsonaro ao mencionar um tal vídeo de certa reunião interministerial.

Todos seguraram a respiração.

Que vídeo seria este?

E uma vez que as imagens foram divulgadas, todos pudemos ver com nossos próprios olhos aquele festival de insultos, de absurdos e de comportamentos totalmente inaceitáveis na cúpula do poder. E um dos destaques foi o próprio Weintraub, ao dizer que: “Eu por mim botava esses vagabundos todos na cadeia, começando pelo STF”.

Ali começava o descarte da pedra que certamente não pensava.

O governo Bolsonaro se viu na posição complicada de sacrificar uma peça importante em seu jogo, e bastante alinhada a esta ala ideológica e a mais devotada ao presidente, e, pelo menos provisoriamente, satisfazer a sanha dos ministros do Supremo.

Este seria um gesto apaziguador de Bolsonaro, sinalizando uma trégua — “eu entrego Weintraub, e vocês deixam a mim e minha família em paz”.

Mas já era tarde demais. Já havia muitos incêndios a serem apagados e Weintraub já era história velha.

Correndo o risco de ser preso, o ex-ministro se aproveitou de uma brecha (ou de um acordo, o que parece ser mais provável), pegou um avião e se escondeu nos EUA. Foi exonerado oficialmente poucas horas depois de ter desembarcado na terra do Trump. Uma trama rocambolesca digna do Brasil de 2020.

Com o cargo de ministro vago, Bolsonaro correu para buscar um substituto e, mais uma vez, suponha-se que seria um nome ligado ao olavismo. Talvez Bolsonaro recuasse, ainda na tentativa de apaziguar os ânimos.

Bolsonaro e Decotelli

Então ele apresentou Carlos Decotelli, que pelo menos não seria um nome tão delirante quanto aqueles cogitados pela ala ideológica. Só que tinha um sério problema com Decotelli: tudo nele era fake. Primeiro, o reitor da Universidade de Rosário na Argentina desmentiu que ele houvesse concluído o doutorado na instituição. Em seguida, denúncias de plágio em sua dissertação de mestrado, contestaram também o pós-doutorado de Decotelli na Alemanha e, por fim, a FGV afirmou que ele nunca havia lecionado lá – embora esta última informação talvez fosse uma das poucas coisas reais no antes impressionante currículo do futuro ex-ministro da Educação.

Carlos Decotelli foi virado do avesso pela imprensa e sentiu na pele o que significa se vincular ao Bolsonaro. E “na pele” significa também se deparar com o racismo, já que ele não havia sido o primeiro ministro do Bolsonaro a mentir no currículo: Ricardo Salles havia feito isto antes, assim como Damares Alves, sendo que nenhum destes dois acabou sendo prejudicado por causa disto. Mas Decotelli, negro, sim. Nem chegou a tomar posse como ministro.

Alguns dias depois, veio o mais novo substituto, o quarto nome para o MEC, o segundo somente durante a pandemia, Milton Ribeiro, teólogo, advogado, pastor presbiteriano e ex-vice-reitor da Mackenzie.

Logo começaram a pipocar vídeos de Ribeiro no púlpito, propagando uma mensagem bastante preocupante para aquele que vai se ocupar da educação de milhões de jovens e adultos brasileiros.

Num destes vídeos, o pastor afirmava que nem todas as crianças vão compreender os argumentos dos adultos, portanto, é preciso ser rigoroso e educar inclusive “pela dor”, caso seja necessário.

Muita gente se indagou o que isto significaria. Estamos de volta a uma mentalidade na qual estudantes devem receber punição corporal por mau comportamento? Milton Ribeiro propõe a volta da palmatória? Que tipo de disciplina dolorosa ele exatamente está concebendo?

Em outro vídeo, vemos Milton Ribeiro expressando o mesmo tipo de pauta de costumes com as quais nos habituamos com Bolsonaro e, em especial, com Damares Alves. Há uma permanente preocupação com a sexualidade alheia, particularmente com a homossexualidade, com a moralidade, com a degeneração, como se não bastasse apenas que os fiéis da sua vertente religiosa seguissem certos preceitos — é como se a condenação moral de todos os que se “desviam” fosse até o mais importante desta mensagem. Estes são os fiscais do rabo alheio, inclusive contrariando o famoso versículo bíblico: “E por que reparas tu no cisco que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho?” (Mt 7:3)

Aliás, este versículo resume bem toda a moralidade bolsonarista — uma constante busca pelos defeitos alheios, sem jamais pararem para confrontar seus próprios e inúmeros erros, tampouco o ódio e intolerância que destilam a cada palavra dita.

De fato, pouco importa qual é a pregação de Milton Ribeiro em sua igreja. Ali dentro, ele e seus fiéis podem acreditar no que bem entenderem. O problema é quando esta mensagem de “educar pela dor” deixa as portas das igrejas e entra nos lares destas pessoas e, pior do que isto, entra nas escolas dos brasileiros. Em 1990, foi aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente e, em seu artigo 5.º, encontramos o seguinte:

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Ou seja, nenhum ministro, nenhum pastor, nenhuma autoridade tem o direito de impor violência física sobre as crianças, de educar pela dor. A lei está acima deles.

Decotelli mentiu em seu currículo, foi humilhado publicamente e nem chegou a assumir o ministério da Educação, já o que Milton Ribeiro representa é muito pior. É o atraso e a ignorância, mas ele, homem branco e terrivelmente evangélico, será poupado da humilhação que o seu predecessor-relâmpago sofreu, pois, afinal de contas, está muito mais alinhado a toda a mentalidade de violência e preconceitos do atual ocupante da cadeira presidencial.

Repassamos aqui toda a história, até o momento, do MEC no governo Bolsonaro. Sim, é um caos. Sim, é vergonhosa. E sim, pode piorar.

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