Drauzio Varella

drauzio@cartacapital.com.br

Médico cancerologista, foi um dos pioneiros no tratamento da AIDS no Brasil. Entre outras obras, é autor de "Estação Carandiru", livro vencedor do Prêmio Jabuti 2000 na categoria não-ficção, adaptado para o cinema em 2003.

Opinião

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Velhice em movimento

Um amplo estudo científico demonstra, com números, que a atividade física é crucial para o aumento da sobrevida nas fases mais tardias de nossa existência

Velhice em movimento
Velhice em movimento
Custo. Cada centavo gasto em saúde eleva a expectativa de vida. Foto: IstockPhotos
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Ninguém mais duvida que a atividade física faz bem à saúde. Ao contrário de dogmas antigos que recomendavam repouso aos mais velhos, hoje insistimos que permaneçam ativos enquanto durarem seus dias.

As recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) são de que precisamos manter níveis mínimos de atividade física moderada (por exemplo, andar a passos rápidos) de pelo menos 150 a 300 minutos por semana ou 75 a 150 minutos semanais de atividade vigorosa (por exemplo, correr).

Nas últimas décadas, a literatura médica demonstrou que a atividade física não é o único fator que interfere com a qualidade e a duração da vida. Não fumar, manter o peso na faixa saudável, não beber ou beber pouco álcool, não sofrer de diabetes ou hipertensão arterial e ter nível educacional mais alto também guardam relação com a longevidade.

Os benefícios conferidos por esses fatores, no entanto, diminuem gradativamente à medida que envelhecemos. E com a atividade física ocorreria o mesmo?

Um estudo internacional publicado em novembro no Journal of the American ­Medical Association (Jama) procura responder essa pergunta. Nele foram reunidos quatro coortes multinacionais acompanhadas nos Estados Unidos, China, Taiwan e Reino Unido, respectivamente.

Em conjunto, essas coortes envolveram mais de 2 milhões de participantes com idades entre 20 e 97 anos (média de 49,1 anos). O acompanhamento médio durou 11,5 anos, período no qual ocorreram 117 mil óbitos.

Os resultados mostraram que a prática de atividade física reduz o risco de morte em todas as faixas etárias. Mas é entre os mais velhos que o impacto se acentua, especialmente naqueles que praticam exercícios mais vigorosos.

Entre os jovens de 20 a 29 anos, seguir as recomendações de 150 a 300 minutos de atividade moderada, preconizada pela OMS, fez a mortalidade cair 16%. Segui-las depois dos 80 anos, entretanto, provocou redução de 22%.

Nos participantes com mais de 80 anos, quando os exercícios se tornam mais intensos, a mortalidade diminui de modo mais pronunciado.

Entre os que seguem as recomendações semanais de 150 a 300 minutos de atividade moderada, a redução foi de 14%; entre os que praticaram o dobro desses níveis a redução foi de 22%; nos que triplicaram a redução foi de 25%. Daí em diante, as quedas se mantiveram ao redor desse valor.

A análise demonstrou que quantidades menores de atividade física também trouxeram benefícios: nos que praticaram a metade das atividades recomendadas pela OMS, a mortalidade foi 8% mais baixa.

Esse trabalho caracteriza com números o que vários inquéritos prospectivos haviam sugerido: a atividade física é crucial para o aumento da sobrevida nas fases mais tardias da vida.

As principais razões seriam:

— A atividade física reduz a probabilidade de doenças cardiovasculares e de vários tipos de câncer.

— Manter o corpo ativo, em movimento, aumenta a força muscular, a densidade óssea e melhora a circulação sanguínea nos diversos órgãos, entre os quais está o cérebro, fatores que reduzem o risco de quedas, fraturas, obesidade e transtornos cognitivos, entre outros benefícios.

— Reduzir a velocidade de progressão das instabilidades genômicas e da disfunção das mitocôndrias que se acumulam com o envelhecimento.

— Ajudar a enfrentar as dificuldades funcionais e as fragilidades impostas pelo estresse causado pelo envelhecimento.

Na análise exaustiva feita pelos autores ficou claro que outros fatores também reduzem os níveis de mortalidade (em porcentagens decrescentes): não fumar (45%), não ter diabetes (39%), ter nível educacional mais alto (26%), manter o peso na faixa saudável (17%) e não apresentar hipertensão arterial (16%).

Como dissemos, o impacto positivo dessas características na qualidade e na duração da vida diminui gradativamente à medida que os anos passam. A atividade física é o único entre eles que não apenas preserva, mas acentua os benefícios conforme envelhecemos.

Depois de ler esse estudo tão bem conduzido, fiquei com uma única dúvida: os velhos que praticam atividade física vivem mais porque fazem exercícios ou fazem exercícios porque estão em melhores condições de saúde? Não seria o mesmo que perguntar quem nasceu antes, o ovo ou a galinha? •

Publicado na edição n° 1340 de CartaCapital, em 11 de dezembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Velhice em movimento’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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