Eloisa Artuso

Pesquisa, escreve, desenha projetos e estratégias, dá aulas e palestras como foco em clima e gênero na indústria da moda. É cofundadora do Instituto Febre, organização que pauta a agenda da justiça climática e direitos das mulheres no setor.

Opinião

Vamos votar pelo clima? 

Mulheres, pessoas negras, comunidades periféricas e outros grupos minorizados sentem os impactos climáticos de formas distintas e incrivelmente mais intensas, lembre-se disso na hora de votar

Vamos votar pelo clima? 
Vamos votar pelo clima? 
Mulher se refresca com garrafas geladas em meio a uma grande onda de calor na Grécia. Foto: Louisa GOULIAMAKI / AFP)
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As eleições estão chegando e, entre uma cadeirada e outra, precisamos tratar de coisas sérias. Enquanto candidatos-homens-brancos-ricos se atacam de forma agressiva e chula nos debates da tv e redes sociais, sem qualquer respeito ou compromisso com o que deveria, de fato, estar sendo discutido para os municípios, nós, que somamos 97% da população brasileira, sentimos os efeitos das mudanças climáticas em nosso cotidiano, do lado de fora das telas. 

Peço licença aos homens brancos ricos que me leem agora (nem todo homem, mas sempre um homem), mas precisamos de espaço para falar também sobre outras pessoas, em outros lugares, coabitando nossas cidades. Secas severas, enchentes históricas e calor extremo, a crise climática, que gera eventos cada vez mais intensos e frequentes, a cada ano atinge um número maior de municípios e, por sua vez, atinge determinados grupos de forma inacreditavelmente injusta. 

Vou usar a indústria da moda como pano de fundo, já que esse é o meu habitat. Vamos tomar como exemplo a pessoa que fez a camiseta que eu ou você estamos vestindo agora. Muito provavelmente ela foi costurada por uma mulher, já que globalmente essa indústria conta com 80% de mão de obra feminina em média, no Brasil são cerca de 60%, de um total de 1,34 milhão empregos formais e 8 milhões considerando os indiretos e efeito renda. 

Se 51% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres, de acordo com o IBGE, podemos supor que grande parte dessa mão de obra feminina se divide e se sobrecarrega com o acúmulo de funções do trabalho doméstico e profissional, além da responsabilidade de garantir a renda da casa. Justamente por conta dessa sobrecarga, as mulheres estão mais sujeitas à informalidade ou ao trabalho subqualificado, o que adiciona a esse contexto uma carga de invisibilidade. Outros dados mostram que 93% das brasileiras têm participação ativa nas finanças domésticas, ou seja, mulheres ocupam um lugar fundamental nos lares brasileiros, mesmo nos que não dependem somente da renda gerada por elas.  

No entanto, sabemos que as mulheres ganham menos do que os homens, mesmo ocupando os mesmos cargos e mesmo tendo mais tempo de estudo do que eles. Sabemos também que as desigualdades se agravam quando olhamos para questões que vão além do gênero, como raça, classe e território. A vulnerabilidade socioeconômica expõe mulheres a inúmeros riscos como como a insegurança alimentar (segundo o IBGE, 59,4% dos lares com insegurança alimentar são chefiados por mulheres) e violências em combinação com outros fatores, e faz com que elas tenham meios limitados para se adaptarem aos desafios impostos pela crise do clima.  

Então, voltemos a costureira que fez nossas camisetas. Se ela trabalha na cidade de São Paulo, ela pode enfrentar uma disparidade salarial de acordo com sua raça, já que as indígenas e negras recebem salários menores do que as brancas, o que a colocaria em situação de maior vulnerabilidade. Aqui vale trazer outro dado do IBGE: 6 entre 10 mulheres chefes de família são negras. A precariedade e informalidade do setor de confecção dificultam o acesso a políticas e serviços de saúde e de cuidado e obstruem o pleno exercício da maternidade, em um mercado de trabalho em que somente 30,9% das brasileiras têm carteira assinada. 

E se a nossa costureira mora na periferia, o que há grande probabilidade, dadas as condições citadas acima, isso significa que ela já está sofrendo como os eventos extremos que atingem cada vez mais as cidades, que hoje são responsáveis por 60% das emissões de carbono. Mas as prefeituras e câmaras municipais não estão preparadas para lidar com esses impactos. Por exemplo, apenas 28% dos 5.700 municípios brasileiros têm legislações para o uso do solo que contemplem a prevenção de enchentes e inundações graduais, conforme indica pesquisa do Instituto Iyaleta.

Preciso destacar que quando as mulheres têm uma vida financeira sólida e estável, isso repercute em bem-estar, saúde, educação, redução da pobreza, crescimento econômico e diminuição da desigualdade, como explica um análise do Think Eva. Sendo assim, uma maior igualdade econômica, de gênero e racial é vital para lidarmos de forma justa com a crise do clima, porque sociedades mais igualitárias são mais capazes de gerir coletivamente os riscos e enfrentar os impactos das mudanças climáticas em curso. 

Agora voltando às eleições, posso dizer que queremos votar para garantir justiça climática para as mulheres, para as pessoas negras, periféricas e demais grupos negligenciados?  A política não pode mais ignorar as desigualdades agravadas pela emergência climática em que vivemos. Sarah Darcie, coordenadora de advocacy da organização Clima de Eleição, comenta que “não temos mais como pensar saúde, educação, segurança pública, alimentação, mobilidade, combate às desigualdades, sem considerar a redução de emissões e a adaptação das nossas cidades” e sugere a plataforma Vote pelo Clima como uma ajuda na hora de escolhermos representantes comprometidos com essa realidade. O clima mudou e a política precisa mudar. Nosso voto nessas eleições pode – e vai fazer – toda a diferença. Vamos votar pelo clima? 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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