Arthur Chioro

Ex-ministro da Saúde

Opinião

Vacinação de toda população no Brasil pode só ocorrer em 2022

‘Até lá, continuaremos a contar corpos, numa crise humanitária, econômica, social e política cada vez mais grave’, escreve Arthur Chioro

(Foto: Bruno Cecim / Ag.Pará)
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Medidas preventivas contra a Covid-19, como o distanciamento social e o uso de máscaras, são imprescindíveis, contam com substantivo respaldo científico e terão de ser mantidas ainda por muito tempo. É a vacinação em massa, todavia, que se impõe como alternativa promissora para o controle da pandemia, porque garante proteção individual para quem é imunizado e, a partir de 70% da população vacinada, também confere defesa imunológica em dimensão coletiva.

Infelizmente, enquanto em todo o mundo nações envidam esforços para garantir vacinas, o governo Bolsonaro, desde o ano passado, vem cometendo erros crassos. Apostou todas as fichas em um único produtor, estratégia arriscada e insuficiente para prover as nossas necessidades. Recusou a oferta de 70 milhões de doses de vacinas da Pfizer, sob argumentos de exigências contratuais draconianas. Desdenhou da parceria com a OMS, aderindo tardiamente e de forma insuficiente ao Fundo Covax Facility. Retardou o quanto pôde a negociação com diversas farmacêuticas e segue em lento e impreciso processo de aquisição de outras vacinas. Cerca de 700 milhões de doses foram ofertadas ao governo brasileiro em 2020 e teriam provido as necessidades da população.

Bolsonaro transformou a aquisição de vacinas de um parceiro tradicional do Ministério da Saúde há décadas, o ­Butantan­ em disputa ideológica e político-eleitoral com o governador de São Paulo. Foi incapaz de conduzir uma política externa responsável e propositiva, visando disponibilizar vacinas. Se não bastasse, adotou uma campanha de fake news antivacinas.

A elaboração e a implantação do Plano Nacional de Vacinação, com graves falhas técnicas, culminam na ­incapacidade­ de cumprir os cronogramas propostos. A Fiocruz (22 milhões de doses/mês) e o Instituto Butantan (11 milhões de doses/mês) operam com suas capacidades máximas de produção. Resultado: pouco mais de 6% da população vacinada e mais de 200 mil óbitos registrados no País desde que a vacina está disponível, portanto, evitáveis. Um genocídio. Bolsonaro conseguiu, com seu descaso deliberado e as consequentes mutações virais, tornar o Brasil uma ameaça global.

É urgente a adoção de medidas para proteger a população brasileira. A começar pela revisão da posição vergonhosa do Brasil na OMC, contrária à iniciativa defendida por Índia e África do Sul, de suspensão temporária de seções do Acordo Trips. Assim, será possível interromper, enquanto durar a pandemia, o monopólio de produção, distribuição e comercialização dos fabricantes que detêm as patentes de vacinas, medicamentos e tecnologias para a Covid-19.

É possível renegociar com o Fundo Covax Facility a aquisição de mais 85 milhões de doses, contemplando o patamar de vacinas disponível e que foi desprezado pelo governo brasileiro. É preciso desatar os nós burocráticos (e políticos) para que a Anvisa autorize a importação excepcional de 66 milhões de doses da Sputinik V (Gamaleya), adquiridas por meio do Consórcio Nordeste, Centro-Norte e outros estados e municípios, e que é utilizada com segurança e eficácia em outros 61 países. Se o Brasil agilizar a aquisição de vacinas oferecidas por outros produtores (Janssen, Pfizer, Moderna, Barhat), poderemos modificar a trágica previsão que vai se configurando como realidade: a de que só conseguiremos vacinar toda a nossa população no segundo semestre de 2022. Até lá, continuaremos a contar corpos, numa crise humanitária, econômica, social e política cada vez mais grave e que parece não ter fim.

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