Drauzio Varella

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Médico cancerologista, foi um dos pioneiros no tratamento da AIDS no Brasil. Entre outras obras, é autor de "Estação Carandiru", livro vencedor do Prêmio Jabuti 2000 na categoria não-ficção, adaptado para o cinema em 2003.

Opinião

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Vacina e menstruação

Estudos sobre possíveis alterações menstruais associadas à imunização têm mostrado que os efeitos são mínimos e de curta duração

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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A vacinação contra a Covid-19 evitou milhões de mortes. Apesar dos ignorantes e/ou mal-intencionados que se empenharam em infundir o medo na população, bilhões de pessoas puderam ser protegidas contra as formas graves da doença em todo o mundo.

Como qualquer preparação vacinal tem efeitos indesejáveis, as agências internacionais e os ministérios da saúde procuram identificá-los à medida que o número de vacinados aumenta.

Entre as preocupações sempre está a interferência com a fertilidade. No caso das vacinas contra a Covid-19, essa possibilidade foi afastada: não há um único caso descrito em mulheres ou homens.

A revista Science acaba de publicar uma avaliação dos estudos sobre possíveis alterações menstruais associadas à imunização, fenômeno já documentado com outras vacinas. Pesquisas como essa são problemáticas, uma vez que os ciclos menstruais estão sujeitos a atrasos e antecipações na maioria das mulheres.

Num corte de 5.688 mulheres de 18 a 30 anos, convocadas pelo Instituto Norueguês de Saúde Pública para avaliar os efeitos colaterais da vacina contra a ­Covid-19, 37,8% das que ainda não tinham recebido a vacina relataram alguma irregularidade em pelo menos um dos aspectos habituais das menstruações.

Um levantamento realizado nos Estados Unidos mostrou uma variação média de 4,2 dias nos ciclos de mulheres não vacinadas. Esses dados mostram a dificuldade de atribuir à vacina alterações menstruais tão frequentes na população.

Apesar desses obstáculos, dados colhidos pelo aplicativo Natural Cycles, em 3.959 mulheres, das quais 2.403 foram vacinadas e 1.556 não, revelaram que a primeira dose não provocou mudança na periodicidade dos ciclos, mas que, na segunda dose, houve aumento de 0,45 dia. Entretanto, quando as duas doses foram administradas no decorrer do mesmo ciclo, o atraso foi maior: 2,32 dias.

No Apple Women’s Health Study, o acompanhamento de 9.652 mulheres vacinadas identificou aumento de 0,5 dia na duração do ciclo depois da primeira dose e 0,39 dia depois da segunda. A duração voltou ao normal já no ciclo seguinte.

Entre 3.858 enfermeiras participantes do Nurses’ Study 3 foi detectado um alongamento do ciclo menstrual em 48% das mulheres vacinadas. A irregularidade menstrual foi de curta duração.

Numa publicação do Instituto Norueguês de Saúde Pública, 13,6% das mulheres vacinadas se queixaram de aumento do fluxo menstrual, contra 7,6% das não vacinadas.

A explicação para a interferência da imunização na fisiologia da menstruação está ligada à produção de citocinas, proteínas liberadas pelo estímulo imunológico, responsáveis por fenômenos como a febre e as dores musculares causadas por infecções ou pela vacinação.

As citocinas interferem com a interação hormonal entre os ovários e o eixo pituitário-hipotalâmico, modificando as características dos ciclos. Assim que as citocinas deixam de ser produzidas, os ciclos voltam ao estado anterior.

Ao mesmo tempo, a ativação dos macrófagos e linfócitos killers – células envolvidas na reparação dos tecidos – presentes na camada interna do útero pode provocar um aumento do fluxo. Alterações menstruais semelhantes ocorrem com as vacinas contra a febre tifoide, a hepatite B e o HPV.

Uma pesquisa com 27.143 mulheres na pré-menopausa revelou que aquelas com febre ou fadiga pós-vacinal correram risco maior de apresentar menstruações mais volumosas.

O ciclo menstrual consta de duas fases: a folicular, que precede a ovulação, e pode ser prolongada por ação hormonal, e a fase lútea, que acontece depois da ovulação, de duração mais fixa, menos sensível aos hormônios.

Como as alterações menstruais depois da imunização são mediadas por mecanismos imunológicos que interferem com o equilíbrio hormonal dos ovários, seria esperado que a vacina prolongasse o ciclo, quando administrada na fase folicular (primeira metade do ciclo).

De fato, no Apple Women’s Health ­Study, o atraso menstrual só ocorreu quando o imunizante foi administrado na primeira metade do ciclo (fase folicular). Nas que receberam a vacina na segunda metade (fase lútea), os ciclos permaneceram inalterados.

Conclusão: as eventuais alterações menstruais que podem ocorrer depois da vacina contra a Covid-19 são mínimas e de curta duração. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1236 DE CARTACAPITAL, EM 30 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Vacina e menstruação”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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