Afonsinho

Médico e ex-jogador de futebol brasileiro

Opinião

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Vá reclamar com o bispo!

Quem se responsabiliza pelas tragédias vistas no show de Taylor Swift e nas arquibancadas do Maracanã durante o jogo entre Brasil e Argentina? Ninguém aguenta mais esse jogo de empurra

Fãs de Taylor Swift aguardam na fila para segundo dia de show. Foto: Reprodução/ X
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“Para onde vamos?” Na semana anterior, divagamos sobre os rumos do futebol brasileiro, qual seria o estilo mais apropriado para nós: o toque-toque de Diniz ou a verticalidade de Abel? Os acontecimentos desta semana nos recomendam voltar duas casas e refletir: o que estamos vivendo agora? Que momento é esse de tão profunda desumanidade? No exterior, vemos guerras devastarem a Ucrânia e a Faixa de Gaza. Em casa, o descaso e a ganância transformaram o show de Taylor Swift num teste de sobrevivência, com um desfecho trágico para uma fã acometida pelo calor extremo e para outro jovem, vítima da violência urbana nas areias de Copacabana. Já a partida entre Brasil e Argentina, válida pelas Eliminatórias da Copa do Mundo, ficará marcada pelas cenas de horror, dentro e fora do gramado.

Em ambos os “espetáculos”, o mesmo roteiro detestável, a desgraça do neoliberalismo. Na ânsia de obter o maior lucro possível, sem se preocupar com a segurança das pessoas, sem medir as consequências, os promotores de eventos entregam uma sucessão de descalabros. E ninguém se responsabiliza pelas falhas, ninguém ampara as vítimas. É como na gíria do futebol, “não está mais comigo”… Passa a bola e o outro que se vire.

Como justificar a manutenção de um show naquele calor infernal? Ainda mais com a ausência de ilhas de hidratação e sem permitir a entrada de água, vendida a preços exorbitantes dentro do estádio. No caso do Maracanã, sabe-se de antemão que o sistema Fifa se relaciona apenas com as federações dos países a ela filiadas, não presta contas a ninguém. A CBF, por sua vez, alega só ter “alugado” a arena – nome bem apropriado – do consórcio Fla-Flu, que a administram por concessão do estado do Rio de Janeiro. Vá reclamar com o bispo, porque nesse jogo de empurra ninguém se responsabiliza por nada. Nem mesmo pela qualidade do espetáculo, sofrível.

De futebol, propriamente dito, pouco se viu. Foi uma sequência infindável de atropelamentos e trombadas, a contribuir para a irritação do público. Muitos pagaram caríssimo para assistir àquela partida no Maracanã. Outros tantos desperdiçaram tempo diante da tevê na expectativa de ver o extraordinário Messi brilhar em campo. Não desta vez. Espero que o campeão mundial e melhor jogador do planeta na atualidade tenha ao menos aproveitado a praia na manhã seguinte. Caso contrário, terá sido, também para o craque, uma frustração quase completa esta visita ao Brasil. Digo quase, porque ele conseguiu levar uma vitória para a sofrida Argentina.

A barbárie vista nas arquibancadas não pode, porém, servir de justificativa para a traiçoeira ideia de torcidas separadas, como bichos no zoológico, ou os tais jogos de torcida única. Civilização já!

Sobre a Seleção Brasileira, pouco a dizer. Parece que esta derrota para a Argentina faz esquecer a anterior, no jogo contra a Colômbia. Para compensar o sabor amargo do resultado ruim, ver subir às alturas o jovem craque Luis Díaz traz alento. O gol de cabeça do jovem colombiano é uma obra de arte que nos devolve a paixão pelo futebol. A jogada completa, a perfeição da cabeçada, esse momento deve ser preservado na memória e revisitado em câmera lenta 1 milhão de vezes. Puro prazer.

Sem esquecer que os dois gols que decretaram nossas derrotas foram em cabeçadas no meio da nossa área, o golpe do argentino Nicolás Otamendi, zagueiro do português Benfica, também foi bonito. Pena não ter feitos a celebrar dos atletas da Seleção canarinho. Pela primeira vez, perdemos em casa uma partida das Eliminatórias da Copa. A má fase persiste.

Temos chance de voltar à elite do futebol mundial? A resposta começa a ser dada pelo presidente do Atlético Mineiro, Sérgio Coelho, ao analisar a saída dos nossos atletas ainda muito jovens para a Europa. “Não podemos deixar o jogador sair a qualquer preço, de qualquer forma, porque para trazer é muito difícil e não acha”, alertou o dirigente. Ele tem razão, mas é cada vez mais difícil ver um clube brasileiro resistir ao assédio dos “novos donos” do futebol. Flamengo e Corinthians parecem dispostos a isso. Até quando?

P.S.: Parabéns aos atletas que representaram o Brasil nos Jogos Parapan-Americanos de Santiago, no Chile. Foi uma campanha gloriosa.

Publicado na edição n° 1287 de CartaCapital, em 29 de novembro de 2023.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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