Opinião

Uma voz que vem das águas e que luta com os mangues

Acredito na luta e admiro a coragem e a ousadia de Eliete Paraguassu, expressões que para mim caracterizam a luta dos defensores ambientais

Uma voz que vem das águas e que luta com os mangues
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Quando a organização britânica Global Witness completou dez anos da histórica campanha de exposição da violência contra defensores ambientais, em 2022, foi publicado um caderno especial chamado de Década da Resistência. Nesse relatório em que o Brasil aparece tristemente em destaque como o segundo país mais violento contra ambientalistas no mundo, um nome chamava a atenção – por ser de uma mulher negra, quilombola, marisqueira da Baía de Todos os Santos, sem grande projeção nacional mas de muito respeito e admiração junto aos movimentos sociais: era Eliete Paraguassu.

A publicação, que teve grande atenção internacional, traz um depoimento em primeira pessoa de Eliete que é comovente. Se apresenta de forma altiva como “uma mulher das águas e tenho orgulho de ser uma marisqueira quilombola”, nascida na Ilha de Maré, e uma guerreira que luta por sua comunidade e em defesa da baía. Uma ambientalista popular, defensora ambiental, que começou a militar quando descobriu, em 2005, que sua filha estava contaminada por metais pesados oriundos da exploração de petróleo, derramamentos e rejeitos industriais na Baía de Todos os Santos.

Em 2019, após o terrível desastre ambiental do derramamento de petróleo na costa brasileira, até hoje impune e sem nenhum responsável identificado, marisqueiras e pescadores ocuparam a sede do Ibama, em Salvador. Eu estive lá e escrevi um artigo para a CartaCapital. Eu já conhecia Eliete, já acompanhava a sua luta. Mas nessa ocasião foi possível ver Eliete com suas companheiras do Movimento de Pescadores e Pescadoras (MPP), como a extraordinária Marizelha Lopes, em ação. Coragem e estratégia, falas afiadas e certeiras. Foi um momento tenso, sob o governo Bolsonaro, com o Ibama sob ataque e o Ministério do Meio Ambiente liderado por um ministro antiambientalista que queria “passar a boiada”. Eliete definiu o que sofriam como racismo ambiental. Ela me falou, com muita propriedade: “É racismo ambiental quando todos os lixos são jogados nos territórios dos pretos e das pretas. São nossos corpos que estão nos mangues e nas lamas que estão sendo contaminados”.

Desde então, as ameaças de morte contra ela se intensificaram. Passou a ser vítima de ataques físicos e de difamação – difamação e criminalização são agressões sempre presentes nos casos de violência contra defensores ambientais. Primeiro, foi a Petrobras, depois, um grande empresário baiano que tenta construir um império de grilagem das ilhas da Baía de Todos os Santos para condomínios de luxo e resorts. Mas os inimigos foram se ampliando à medida que sua luta ganha dimensão internacional e as comunidades passaram a ser ouvidas e os impactos denunciados, expostos, com algumas compensações sendo negociadas. Até porque, a defesa dos manguezais e a resistência à exploração do petróleo são questões urgentes diante do colapso ecológico que vivemos, e por essa razão é evidente que a luta de Eliete e das marisqueiras seja uma luta de escala global, ao mesmo tempo que local.

Uma das difamações mais perversas contra Eliete passou a vir de ataques apócrifos em uma coluna do jornal A Tarde. Ficava explícito que o objetivo era minar a sua capacidade de liderança e a integridade dessa extraordinária defensora ambiental. Com força e coragem, Eliete nunca se deixou abalar, mas o efeito cascata dessa pedagogia da crueldade se faz sentir com a juventude quilombola na Ilha de Maré, cada vez mais intimidada para não reagir, para não defender seus direitos, para não se levantar e lutar, para não se insurgir . É por isso que acredito na sua luta e admiro a coragem e a ousadia de Eliete, expressões que para mim caracterizam a luta dos defensores ambientais.

Eliete Paraguassu hoje é candidata à vereadora para a Câmara Municipal de Salvador, na Bahia, pelo PSOL.  Torço para que se eleja – junto de outras defensoras ambientais em outros municípios no país. Infelizmente, não há muitas candidatas. Mas como sujeitas coletivas, que falam com a natureza e com as comunidades tradicionais, que lutam com a Terra, sua força se multiplica.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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