

Opinião
Uma visão não convencional
Os homens e os negócios não estão sujeitos a um comportamento probabilístico


O economista norte-americano Hyman Minsky, outrora obscuro entre seus colegas da “corrente principal”, virou moda nos Estados Unidos depois da crise de 2008. Um coro de carpideiras entoa o cantochão do “momento Minsky” para lamentar a vida e a morte da finança desregulamentada.
Minsky construiu uma hipótese “keynesiana” sobre a formação de preços de ativos numa economia em que prevalece a moeda de crédito criada pelos bancos. Enquanto a teoria convencional cuida de examinar as condições de equilíbrio no intercâmbio de mercadorias, Minsky coloca o crédito e a finança no centro da economia capitalista. (O modelo da feira livre versus o “paradigma de Wall Street”.) Para ele, a concorrência em busca da maximização do ganho privado determina resultados que a ação dos indivíduos racionais não pode antecipar. As decisões privadas são tomadas em condições de incerteza radical e, por isso, estão sempre sujeitas à subavaliação do risco e à emergência de comportamentos coletivos de euforia que conduzem à fragilidade financeira e a crises de liquidez e de pagamentos. Minsky descreve as etapas do ciclo de crédito e formação de preços dos ativos em que as interações subjetivas entre os participantes do mercado não raro provocam a má precificação de ativos e distorções na alocação de recursos.
De nada adianta se iludir com o conhecimento do passado ou com as toadas do presente, projetando essas tendências para o futuro. Tampouco é possível atribuir probabilidades às trajetórias prováveis da economia. O mundo dos homens e de seus negócios não está sujeito a um comportamento probabilístico. Para vencer esse estado desconfortável de incerteza irredutível, os controladores da riqueza e do crédito têm de lançar mão de informações, avaliações, crenças e regras costumeiras que julgam sustentar as decisões dos demais. Esse processo – o de incorporar nas próprias avaliações os julgamentos dos seus pares, a despeito de ancorado na mais profunda ignorância – vai constituindo uma espécie de “consenso do mercado” – a opinião da comunidade de negócios em cada momento.
Minsky reconhece ter buscado inspiração em Schumpeter. A visão de Schumpeter concebe as economias capitalistas como sistemas em evolução, sistemas que existem em seu movimento histórico em resposta a fatores endógenos. Nas palavras de Minsky, “Schumpeter reconheceu sua dívida com Marx”.
As sociedades são bestas evolutivas que não podem ser congeladas no tempo e reduzidas a fórmulas matemáticas estáticas. A tentativa de congelar o movimento da economia e das sociedades nunca foi tão relevante quanto é hoje. “Nenhuma doutrina, nenhuma visão que reduza a economia ao estudo da sustentação de equilíbrio pode ter uma relevância duradoura. A mensagem de Schumpeter é: a história não leva a um fim da história.”
Em A Teoria do Desenvolvimento Econômico, Schumpeter chamou o banqueiro/financiador de ephor das economias de mercado. O ephor era um magistrado de Esparta que vigiava as atitudes e as decisões dos reis. Em Schumpeter, é a estrutura bancária de uma economia capitalista que controla e delineia o que pode ser financiado, e somente o que é financiado entra no reino do possível. Evolução, mudança e empreendedorismo schumpeteriano estão abrigados nos bancos e nas finanças. Em nenhuma outra dimensão das relações capitalistas o impulso para os lucros está mais claramente inclinado a proporcionar mudanças. Mas, em um sistema evolutivo assentado em um complexo de relações sociais, o poder e a eficácia do ephor é endogenamente determinado. É o movimento que impulsiona os agentes geradores de riqueza e não os agentes que engendram individualmente o movimento.
Nos períodos de “normalidade”, as almas torturadas pela sede insaciável de riqueza flutuam no espaço entre os dois extremos fatais, o zênite da euforia compartilhada e o nadir do medo contagioso. Seu conforto momentâneo é sustentado por arranjos sociais e formas institucionais que compõem um determinado “estado de convenções”. Nesse ambiente cognitivo e psicológico, o presente parece confirmar o passado e indicar os critérios para o futuro.
As crises irrompem no momento em que a cadeia de certezas está no auge. Nesse momento de agruras, torna-se evidente que a acumulação de bons resultados precipitou uma forte deterioração da percepção do risco e espicaçou a ambição do conjunto dos investidores. Quando a maré sobe, não há prudência nem conselho capazes de resistir à liberação completa das forças da ambição. Estas se apresentam, aliás, como oniscientes e onipotentes, sólidas e inexpugnáveis. Até o momento em que se desmancham no ar. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1208 DE CARTACAPITAL, EM 18 DE MAIO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Uma visão não convencional”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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